Nas semelhanças e nas diferenças, Josyara e Giovani Cidreira são duas figuras potentes, capazes de conter em si e em suas obras solo a riqueza, a pluralidade e a versatilidade da música baiana. Amigos, eles celebram esse afeto criativo com a chegada do belo Estreite, lançado na semana passada. Com produção de Junix 11, o disco é o terceiro a sair pelo projeto Joia Ao Vivo.
As oito canções são dotadas de uma elasticidade estética impressionante e de composições comoventes, carregadas de profundidade lírica. Josyara resume bem a satisfação da experiência: “Sou muito feliz de ter podido compilar tantas ideias com Giovani e ter podido colocar elas no mundo ao lado dele”, sintetiza. Sobre criar em conjunto, ele complementa:
– “O mais legal de fazer disco junto com outras pessoas é a surpresa. Quando você faz sozinho, você tem as suas ideias, fica fixo nelas. Você já sabe como vai ser. Quando você faz com outras pessoas, não, você sai do seu lugar, porque há toda uma influência dessas pessoas. Elas te mostram caminhos que na verdade você nunca pensaria. Isso sem dúvidas foi o mais legal de trabalhar com Josyara, e com Junix. Eu me surpreendia com as coisas que eles me traziam, as coisas que traziam pras minhas músicas e pras de Josyara, também. Como em tão pouco tempo, tudo ficou tão bonito”, arremata.
Abaixo, deixe-se ser envolvido por Estreite e desvende suas camadas com o faixa a faixa na sequência:
1 . “Palma” (Giovani Cidreira)
Giovani Cidreira: “Palma” é uma música que Josyara achou no celular dela, em meio a muitos áudios que registramos num dos encontros que tivemos – não lembro se em São Paulo ou Salvador. A gente sempre brincou muito de compor, e essa música vem disso. Eu tava com o violão, largando uns acordes, cantando umas coisas, e Josy ficava me dando dicas de como poderia ser o andamento da música, a harmonia…. Tudo isso tá nesse áudio que ela me enviou. Quando o Zé Pedro nos convidou pra fazer o disco, ela me mandou esse áudio em que a música tava praticamente pronta, já.
Josyara: Essa eu encontrei em registros do gravador do meu celular, com Giovani cantando na minha casa em 2017, e nesse áudio eu ficava incentivando ele a terminar a música. Agora, com o convite do Joia Ao Vivo, perguntei a ele se ele topava finalizar pra gravarmos, e ele topou, e a música cresceu muito. Pra mim faz todo sentido ela estar abrindo esse disco.
2 . “Molha” (Josyara)
Giovani Cidreira: “Molha” é uma dessas músicas que Josyara faz que são românticas e são sensuais, te envolvem de um jeito especial. Fala das coisas sem pudor nenhum, de coração aberto. Eu acho incrível. E tem uma característica muito forte dela, um lance do samba que me remete ao samba chula, ao samba do recôncavo, e isso me leva muito pra casa, porque parte da minha família é de Santo Amaro da Purificação. Uma coisa que eu gostei muito nela tem a ver com os arranjos que Junix fez, que levou esse samba pra um lugar meio futurista. Ficou demais.
Josyara: Essa é uma música que eu fiz num dia de chuva, num dia de saudade, e que fala muito da entrega da mulher na sua espiritualidade – isso no Candomblé Jeje. Fala de uma amiga minha que foi recolhida, mas também fala da esperança de se renovar, de se fortalecer, e do encontro, também.
3 . “Meninas irmãs parte I” (Giovani Cidreira)
Giovani Cidreira: É uma música de amor, de esperança, pra gente se manter junto e firme. Tem uma mensagem que diz que, apesar de tudo ruim, e tudo ruindo, a gente precisa ter certeza do nosso valor. Ela veio um tanto pronta pra mim: eu tava voando, ela bateu na minha cabeça, eu sentei ao piano e simplesmente toquei a música inteira. Ela marca muito também as minhas influências, as coisas que eu gosto de ouvir, o Clube da Esquina, Milton. O arranjo que Junix propôs também ficou muito diferente do que ela era inicialmente, ele trouxe essa Bahia, esses tambores, me parece que eu tô na saída do Ilê. É um pouco Kraftwerk, um pouco Ilê-Aiyê.
Josyara: Essa é uma composição do Giovani que, a princípio, ele tinha me chamado pra cantar. Como eu ainda não sabia cantar, pedi pra ele gravar a voz pra eu gravar em cima. Quando ele me mostrou a gravação, é você que tem que cantar essa música, tá lindo isso. Essa música me remete muito à amizade e à força da juventude.
4 . “Estreite” (Josyara)
Giovani Cidreira: “Estreite” é linda, linda. Pra mim é a melhor música desse disco. Acho que ela revela o quanto Josy amadureceu e cresceu no que diz respeito à composição, mesmo. Ela é simples, direta, e diz tudo o que é preciso dizer. E o mais legal é que ela foi feita pra mim. Quando eu fui ao Rio fazer um show, Josy pediu pra que eu ficasse, e a gente passou o fim de semana juntos. Um encontro que rendeu várias músicas, mas principalmente essa.
Josyara: “Estreite” é uma composição minha, que eu fiz em 2017, quando eu estava com Giovani no Rio de Janeiro. Íamos fazer um bate e volta, e Ronaldo Bastos convidou a gente pra passar o fim de semana lá. Esse nosso percorrer pelo Rio acabou dando nessa canção.
5 . “Meninas irmãs parte II” (Giovani Cidreira)
Giovani Cidreira: Aqui, a gente acabou desdobrando “Meninas irmãs”, pra que ela tivesse uma seqüência descolada da primeira parte, no disco. Foi um pensamento pro álbum, mas que traz as referências todas que comentei em “Meninas irmãs parte I”.
Josyara: A gente acabou tendo essa ideia de separar a música em duas partes, ir buscar outros ambientes pra ela, e eu gostei muito. No meio delas tem “Estreite”, ainda, e eu adoro esse sentido lúdico de que “Estreite”, a canção, estreia o caminho entre essas duas músicas. E ao mesmo tempo se mistura em algo que eu também quis dizer, que é essa juventude, essa vontade de exalar as coisas que a gente sente.
6 . “Anos incríveis” (Giovani Cidreira)
Giovani Cidreira: Nessa mesma viagem ao Rio em que Josy fez “Estreite”, eu e ela fomos à casa do Ronaldo Bastos – Ronaldo que é um grande ídolo e influência pra gente -, e eu mostrei essa música, que faltava uma palavra. Eu não sabia o que dizer, tinha um vazio ali. Era “pápápá é justa / quando existe o coração”. O que seria o pápápá? Aí na hora eu falei brincando: toda foda é justa. Mas Josy levou a sério, e insistiu pra que a música começasse assim. E eu, que não sou besta e confio muito em Josy, segui esse conselho dela.
Josyara: Também é uma música de 2017, que foi realmente um ano em que estivemos mais próximos, quando morávamos no Centro de São Paulo, e Giovani nem tinha casa ainda, e ficava muito lá em casa, passávamos muito tempo juntos. Ela tinha essa dúvida sobre o que era justo, na letra. O verso trazia a palavra justo, mas o que era justo? Até que na casa de Ronaldo, no mesmo período que fiz “Estreite”, ele sugeriu que toda foda é justa. É a minha música preferida do disco, acho ela linda, me emociona demais. Eu fiquei feliz dele ter topado gravarmos juntos essa música.
7 . “Virá” (Josyara)
Giovani Cidreira: Essa música, nesse momento de agora, onde a gente está afastado e repensando nossos modos de viver, me arrepia todos os pelos do corpo. Parece que Josy fez essa música pro agora. Aquela coisa esquisita que rola com o artista, de alguma maneira captar a sensação do seu tempo, o sentimento do momento. Acho que foi isso que Josyara fez com essa música. E ela se tornou a música mais potente nesse sentido, dentro de seu próprio tempo, nesse disco.
Josyara: “Virá” é a composição mais recente que eu tive a oportunidade de gravar. Compus em dezembro, em Juazeiro, e ela me veio completa. Acho que ela diz por si só a força que ela quer vibrar, essa vontade solar de movimento. Movimento, e reconhecendo a ancestralidade, reconhecendo a história, e sem dúvidas estreitando também com aquilo que a gente se identifica.
8 . “Farol” (Giovani Cidreira)
Giovani Cidreira: Essa é uma música que eu fiz há muito, muito tempo atrás. Foi quando eu descobri que ia ter meu primeiro sobrinho. Fiquei pensando em várias coisas sobre amizade, os caminhos que vamos levando, o que a vida faz com a gente. Que temos que ficar atentos pra continuar fazendo as coisas, e tendo vontade de realizar os sonhos. Ainda mais quando se é pobre, e tem dificuldades, você precisa estar muito alegre pra tirar do nada a estrutura pra fazer as coisas. E eu fiquei pensando muito nisso quando fiz essa música. É uma canção sobre amizade, sobre continuar junto.
Josyara: “Farol” chegou por último, e não à toa também encerra o disco. Inclusive eu já cantei com ele na época da Velotroz, antiga banda dele de Salvador, em 2013, mais ou menos. Então desde esse período a gente já troca nos palcos, na vida. Essa música é linda, é como uma luz no fim do túnel.