No quinto álbum da carreira, a cantora e compositora Marcia Castro decide dar alguns passos para trás. Não em sentido de retrocesso, mas, sim, para reverenciar o estilo que também dá nome ao lançamento: (o) Axé. Mirando na potência do gênero em seu auge, ela revisita a cena da música baiana nos anos 90 e faz das memórias em blocos de Chiclete com Banana, dos hits de Daniela Mercury e Ivete Sangalo dominando os programas de TV e dos arranjos metálicos que varreram as ruas de Salvador as suas referências.
Axé chegou hoje, 21, às plataformas de streamings e tem previsão de lançamento em formato de vinil para fevereiro de 2022. No refrescante registro, a baiana é protagonista, mas não vem sozinha. O repertório de inéditas reúne um timaço de compositores, como Russo Passapusso, Emicida, Nando Reis, Carlinhos Brown, por exemplo. Nos duetos vocais, feats como Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Margareth Menezes e Hiran. A produção musical não fica por menos, trazendo Lucas Santtana e Letieres Leite em campo. A direção artística traz assinatura de Marcus Preto. Para nos guiar pelo espírito, poética e musicalidade que fundam Axé, Marcia Castro comenta o álbum para NOIZE em um exclusivo faixa a faixa. Solte o player e desça para conferir na íntegra.
Faixa a faixa
1 – “Que Povo É Esse”
Eu amo os galopes, frevos, as músicas de bpm mais acelerados do axé. Sempre fui foliã do Chiclete com Banana, banda mestre nesse estilo. Queria uma faixa no disco que fosse assim, acelerada, tribal, música de tirar o pé do chão na dança. Marcela Bellas me mostrou essa composição e eu simplesmente me apaixonei pela letra, pela força com a qual ela traduz a edificação da nossa música, uma música negra, uma música ancestral, uma música genuinamente de dança.
2 – “Bolero Lero” (Russo Passapusso/Seco)
Há muito tempo estava com essa música aqui no meu bolso pensando o momento ideal de gravá-la. Eu havia pedido uma música a Russo em 2016 para um outro projeto. Ele me escreveu apenas o refrão. Eu retornei pedindo uma parte B e, quando Russo me devolveu, a canção tinha já A, B e refrão (o que está inclusive na letra). Quando surgiu a ideia do Axé reescutei a música e decidi inseri-la no disco. Numa primeira audição, ela me remetia a uma xote. Porém, quando apresentei aos produtores, eles viram ali a potência de um arranjo mais latino, com influência caribenha, algo que inclusive remete à Timbalada nos anos 90. Os sopros arranjados por Letieres Leite aproximaram a música desse lugar. Adorei a referência e investimos nessa atmosfera.
3 – “Holograma”
Essa música veio até mim através de Hiran, rapper baiano. Ele cantarolou pra mim casualmente e foi amor à primeira audição. Senti nela todo um clima de veraneio, litoral, leve, suave e swingado, associei prontamente ao disco e vi ali a potência de ritmicamente se transformar em algo bem interessante. Levei a ideia a Letieres e Lucas, e a composição se transformou num samba reggae delicioso, com divisões na letra que, em algum lugar, me remetem ao ragga. Pra coroar a força da música, convidei Ivete Sangalo para gravar a faixa, o que foi uma honra imensa por toda a sua representação para o movimento do axé. O resultado ficou harmônico, belo, gostoso e bem baiano.
4 – “Ajuremar-se”
Marcus Preto pontuou que precisávamos de uma música de reverência, de uma música que tangesse o espiritual, elemento que ou está no centro ou margeia toda os diversos momentos da música baiana. Queríamos algo que trouxesse fé, que falasse de fé. Intuimos que Emicida poderia ser o autor desses versos, dessa música que
estávamos buscando e ele aceitou a proposta. Foi emocionante ouvi-la pela primeira vez e, ainda mais, ouvir o arranjo em ijexá, um dos ritmos que eu mais gosto de ouvir, cantar e dançar. “Ajuremar-se” é o nosso grande terreiro, nossa saudação às divindades e a abertura de caminhos para esse trabalho.
5 – “Ver a Maravilha”
Axé é um disco de positividades, assim com o gênero musical no qual o disco se inspira. “Ver a Maravilha” é o ápice dessa atmosfera solar e afirmativa. Uma canção de refrão fácil e bastante assimilável, a música de batida mais pop do disco.
6 – “As Paulinas dos Jardins”
Eu queria muito cantar Carlinhos Brown neste disco. Brown é um dos nomes mais importantes da música baiana, do Brasil, do mundo. Um gênio criativo, potência dos nossos ritmos. Pedi para ele uma canção e ele me retornou essa música. Eu fiquei pasma com a beleza da poesia, com a delicadeza e ritmo dos versos. Além disso, essa música traduz o meu lugar musical entre esses dois lugares: Bahia (minha terra natal) e São Paulo (o lugar que me acolheu há 13 anos). É o cruzamento de dois carnavais: a matriz baiana e a novidade que vem se desenhando em São Paulo, reavivando a festa de rua, a festa da fantasia, a festa do povo. Não haveria melhor convidada para essa faixa o que Daniela Mercury, que eclodiu o axé music para o Brasil a partir de um antológico show no MASP, em São Paulo. É um dos samba reggaes que mais me emocionam no disco.
7 – “Namorar no Mar“
É um dos samba reggaes que compõem o disco com uma leitura contemporânea. Uma das faixas pela qual tenho uma
imensa afinidade por ter escrito parte da letra e, assim, sentir em mim todas as paisagens que ela descreve: sol, mar, céu azul, pele quente…. Tem um tom sensual, malemolente, marítimo. É uma clássica canção de amor de verão na Bahia.
8 – “Macapá”
Todo disco das divas do axé da década de 90 tem uma balada romântica. Nós queríamos a nossa balada. Pedimos a canção a um dos maiores compositores do Brasil, Nando Reis, que nos devolveu essa pérola, feita especialmente
para o disco num vôo entre Belém e Macapá. É uma canção low fi, com arranjo cheio de espaços e canto na frente, deixando mais nítidas as nuances vocais. Uma letra romântica que traduz o meu espírito.
9 – “Coladinha em Mim”
“Coladinha em mim” chegou até mim através do parceiro de composição Fabio Alcântara. Da versão dele, eu curti muito o refrão, mas ainda não me via no restante da canção. Resolvi reescrever parte da letra e amei a junção de nossas poesias. Essa é, talvez, a música contemporânea do disco. Uma mistura de regatton com samba reggae, algo bem diferente. E com a participação do rapper baiano Hiran, que escreveu as rimas às quais deu voz.
10 – “Arco-Íris do Amor”
O que me chegou primeiro nessa canção foi a parte A. Magary e Fabio Alcantâra, compositores baianos, me enviaram essa parte da canção para que eu finalizasse a letra. Tentei por muitos dias fazer isso, mas sem acertar o tom, sem traduzir o clima que eles tinham imaginado. Passei a bola para Lucas Santtana, que completou a música, criando esse refrão maravilhoso, clareando e colorindo mais ainda o tom da diversidade e liberdade que a música traz. Isso, de pronto, me remeteu a Margareth Menezes, a qual convidei para a faixa e que generosamente aceitou, contribuindo inclusive com pequenas alterações na letra. Esse é um dos samba reggaes do disco, de refrão forte e pulsante, remetendo aos carnavais de rua de muita gente cantando um único coro.