Exclusivo | Vovô Bebê disseca o disco novo, “Briga de Família”, faixa a faixa

11/02/2020

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Divulgação

11/02/2020

Uma frente quente parte do Rio de Janeiro e se espalha pelo Brasil com o lançamento de Briga de Família, novo disco de Vovô Bebê, que chegou hoje às plataformas de streaming (ouça abaixo).

A paradoxal alcunha escolhida pelo músico Pedro Carneiro serve aqui de guarda-chuva para um projeto que reúne um time pesado de instrumentistas, incluindo a também carioca Ana Frango Elétrico (que tocou, criou arranjos vocais e participou ativamente da gravação) e uma série de convidados, incluindo a artista mineira Luiza Brina (que canta em “Jão Mininu”). Vovô Bebê é autor ou coautor de todas músicas do disco, mas ele ressalta que Briga de Família é fruto de uma experiência bastante coletiva. “É um disco de banda, tudo ali reflete muito o jeito de cada um pensar e é muito parecido com o que fazemos ao vivo”, explica.

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Vovô Bebê e banda (Foto: Daniel Rocha/Divulgação)

No disco novo, há um equilíbrio gostoso entre cacofonia e melodias grudentas; há referências mil à história da música popular brasileira (passando por um samba torto de Tom Zé, avistando um frevo psicodélico anunciado por Gil tropicalista, flertando com uns reggaes dissonantes de Itamar Assumpção); mas acima de tudo há uma autoralidade entusiasmante que traz vigor estético ao disco. É curioso como suas 13 faixas apresentam elementos que poderiam ser interpretados tanto como uma busca sonora ambiciosa quanto como um devaneio desleixado. Mas o mais provável é que a realidade esteja muito longe desses extremos: Vovô Bebê é apenas sincero, mas o seu distanciamento das amarras formais que encapsulam boa parte dos lançamentos musicais lhe confere algo estranhamente grandioso.

Além do som, a lírica poética também se destaca. Através de uma montagem não-linear de palavras, o disco traz uma certa narrativa cinematográfica, uma montagem-mosaico de imagens que refletem as angústias do Rio-Brasil-Mundo em 2020. “Briga de Família trata de conflitos íntimos, é um disco que carrega um desconforto com as coisas que você ama”, resume Vovô Bebê.

No dia 20 de fevereiro, haverá o show de lançamento do álbum na Audio Rebel, no Rio, a partir das 20h (mais informações aqui). Abaixo, confira o faixa a faixa que Vovô Bebê fez pra NOIZE, comentando cada música do novo disco.

1. Briga de Família – Riff cambaleante anunciando a confusão. Um almoço de domingo que deu muito errado. Além da banda base, chamei o Leonardo Musse pra gritar um trompete desgovernado e o Conrado Kempers para captar e embaralhar sinais de rádio. O disco é sobre conflito e começa com a mamãe dando uma martelada na cabeça do vovô. Quando eu estava pensando em gravar, planejava a sua morte. Por enquanto saí(u) no lucro.

2. Êxodo – Música sobre a vontade de migrar do mundo virtual para o chamado “mundo real”. Não dá muito certo, entre obstáculos, água envenenada e pedágios, no fim o melhor talvez seja dormir. A música já tinha sido gravada no meu último álbum Coração Cabeção, mas faz sentido ela estar incluída no Briga de Família. O conflito do disco e o ano de 2020 dão novos sentidos à música, além da voz da Ana [Frango Elétrico], o baixo do Guilherme [Lirio] e a performance da banda que exaltam ainda mais a contradição entre o swing carioca sangue bom e a distopia desse êxodo mal planejado. 

3. Órfão – Um groovinho safado em 3, uma letra simples que pode parecer um aviso. Na verdade fala sobre auto suficiência forçada e medo. No fim, caímos em um improviso caótico, como é comum na vida. 

4Sabidão Sabe Não –  Primeira vez que aparece a palavra “tranquilão” no disco. É uma utopia, uma tentativa de relaxamento, no meio de uma confusão de ideias. Uma hora acha uma coisa outra hora acha outra, relativismo total. Crenças e certezas se contradizendo embaladas por um rockinho puxa tapete meio fritado. 

5. Foda-se –  Parceria com a minha amiga amada mineira voadora Brisa Marques. Começa com uma declaração problemática do ponto de vista ambiental: foda-se flor. Mas é sobre desprendimento e fluxo. Água insistindo em um rio cheio de pedras. A música apesar de ter um pé quebrado acompanha essa corrente, a bateria do Uirá [Bueno] tocada com a mão vai levando desde o início. No final dá uma travada, mas consegue passar. 

6. Jeggae – Outra música com a Brisa, momento mais pra trás do disco, é um reggae chapado. Saímos do rio e vamos para a praia. Lixo, gente e tempestade. Segunda vez que a palavra “tranquilão” aparece, agora como saudade. A Ana leva essa música e, no meio, depois do dilúvio, tem um canto da sereia que são umas vozes passando pelos pedais do [Gabriel] Ventura. Na segunda vez da letra, os sopros da Aline [Gonçalves], Karina [Neves] e Jonas [Hocherman] dividem com Ana o protagonismo. 

7. Polícia do Mundo A música começa leve como uma viagem pelo mundo. Parece uma lista aleatória de países. Na verdade, são lugares que sofreram ataques ou foram invadidos militarmente pelos Estados Unidos. O sotaque é a tentativa de imitar um americano falando em português. O clima começa a ficar mais tenso até que chegam as bombas com a percussão do Tomas [Rosati]. 

8. Aluno –  Não é muito claro, mas é um blues. O conflito parece ser entre a figura do aluno e o mestre, mas o que importa aqui é a lição, que mesmo depois de muito custo, não serve pra nada. Essa música eu toquei em 2014 em Belo Horizonte em um show que fiz com a Luiza Brina no baixo, o Rafael Macedo no piano e o Yuri Vellasco na bateria. Muita coisa no arranjo do disco veio dessa versão. 

9. Jão Mininu – Momento um pouco mais acolhedor, sem ironia e acidez, algum espaço para a beleza. Eu fiz essa música pensando no filho da minha amiga Brisa, o João, quando ela tava grávida. Lembro da gente conversando sobre o que seria criar um menino hoje em dia. Acho que o assunto aqui é reprogramação e coragem. A leveza na voz da Luiza Brina traz um pouco de equilíbrio pra um disco um tanto estressado.

10. Cancioneiro Fitness – Essa música é uma propaganda, um panfleto, um post patrocinado. O cantautor vai dando dicas sobre o bem viver, que incluem frases de sabedoria vaga e dicas de saúde, até que convida para o show e pede pra comprar o disco. É uma espécie de samba hippie deslocado, todos da banda cantam e, ao contrário das outras músicas que a guitarra leva a harmonia, nessa é o violão que faz essa função. 

11. Saparada Segundo reggae do disco, essa parceria com meu amigo Matchuba é toda feita em cima de um dialeto, uma certa linguagem, em alguns pontos já ultrapassada, de uma certa época, de um certo lugar nos confins do rio de janeiro. O playboy metido a malandro. Terceira e última vez que a palavra “tranquilão” aparece, no caso pra tentar apaziguar os ânimos. Há um claro conflito entre os personagens. O Luís Capucho encarna um inusitado acusador, já que ele não tem nada de playboy nem de malandro. 

12. Good Vibe Bad Trip – Música piada, quase uma faixa extra. A única em que a banda não toca. Começa apontando a onda errada alheia, mas depois reconhece a própria lama. Surgiu um dia entre amigos depois da constatação da própria condição depressiva e ao mesmo tempo eufórica.

13. Médios 30 – Última música do disco, terminando nostálgico pensando na juventude, em tudo que mudou. Não por acaso, mais uma parceria com Matchuba, o universo é parecido com o de “Saparada”, mas dessa vez com um olhar distanciado. A música começa um bolero canastrão e, no refrão, a combinação entre o baixo, a bateria/percussão e o trombone resultam numa espécie de baião afoxado. Créditos e agradecimentos improvisados. 

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11/02/2020

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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