Faixa a faixa | As texturas lo-fi da estreia de Carabobina

09/11/2020

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Filipa Aurélio/Divulgação

09/11/2020

Três anos atrás, as sincronias da vida fizeram os caminhos de Raphael Vaz e Alejandra Luciani se encontrarem. Raphael é um dos membros do Boogarins e dedica-se à banda desde que ela começou. Alejandra é uma artista venezuelana, mora há seis anos no Brasil e sua única experiência em grupo havia sido um quarteto de proto-punk na Austrália.

O ponta pé inicial da dupla Carabobina, que acabou de lançar seu disco homônimo de estreia, aconteceu quando ela lhe contou que nasceu em um estado chamado Carabobo, o que Raphael achou fascinante. “Podíamos fazer algo para esse nome”, comentou Alejandra em tom de flerte, e o convite vingou.

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Foto: Filipa Aurélio/Divulgação

Raphael e Alejandra viraram um casal e, logo, também parceiros de criação. Começaram naturalmente a compor e gravar juntos e, quando perceberam, um álbum estava sendo gestado. Ao longo de dois anos, a cada intervalo que tinham entre seus outros projetos, eles gravaram e produziram em casa as nove músicas de Carabobina, lançado pelo selo Overseas Artists Recordings (OAR).

Trazendo composições em português, inglês e espanhol, o disco carrega uma atmosfera híbrida, orgânica e eletrônica, em que tudo parece construído com controle e perícia, mas ao mesmo tempo com muita leveza e improviso. Entre as camadas e texturas, os beats e timbres de drum machines e synths são um fio condutor, mas não espere um disco de música eletrônica, ou de música psicodélica, ou qualquer outro rótulo previsível.

Capa de Carabobina

Espere um disco vivo. Uma trama animada costurada por polirritmias, vozes pegajosas, bumbos reversos, texturas e atonalidades, ruídos lo-fi, violões minimalistas. Um fractal em que nove faixas desdobram-se em múltiplas provocações.

Na intimidade criativa do casal de artistas, o que há de mais particular alcança ares universais e o que começa como brincadeira transforma-se em coisa séria. Raphael e Alejandra contaram pra nós os bastidores de cada uma das músicas do disco neste faixa a faixa exclusivo que você confere abaixo.

Carabobina – Faixa a Faixa

1. Pra Variar

Pra mim essa já nasceu um clássico nosso e tinha a cara de abertura do disco. Ale tinha embromado as melodias do verso de um jeito muito sagaz, mas as sílabas cantadas não diziam quase nada. Consegui aplicar palavras no que eu ouvia do que ela falava e de repente a música e letra estavam prontas, e pareciam tudo dizer a mesma coisa escancaradamente.
Raphael

Fala do movimento cíclico repetitivo das coisas; sentimos que a vida é um caminho linear que só vai para frente mas quando você presta atenção vai percebendo um ciclo começando e encerrando continuamente, tensão e resolução – tensão e resolução – tensão e resolução, e no final essas grandes mudanças parecem acabar não variando muita coisa. Variação para variar. Quanto ao som, ele parece fazer a mesma coisa, cria tensão e solta, com aqueles synthzinhos que mexem com o coração. 
Alejandra

2. Baja Del Altar

Tínhamos adquirido uma Drum Machine da Arturia e andávamos empolgados. Vários beats do disco vieram daí, mas acho que essa foi a primeira. Lembro que estava viajando em turnê e recebi um áudio com o rascunho dessa música, quase pronta, soando extremamente pop e leve, com um tema um tanto soturno. 
Raphael

Baja del Altar veio de um momento de conversa comigo mesma, naqueles momentos mais azuis apáticos que te pegam quando você menos espera, que nada faz muito sentido ou nada emociona. No final da música fica um mantra meio confuso, que vai se esclarecendo aos poucos formando a frase “Baja del Altar” (desce do altar), quase como uma linha de pensamento aos poucos entendendo o que está acontecendo, que fala sobre tirar essas expectativas malucas que o mundo vai jogando em cima da gente. Raphael colocou essas guitarras maravilhosas que pareceram acertar a harmonia no ponto certo. 
Alejandra

3. Deixar de Rodear

Riff calmo que deixei guardado porque ninguém entendia métrica nenhuma quando eu cantava por cima. Alejandra com ouvidos de produtora disse que só faltava um beat pegada no final, pra fazer a crescente bonita, e assim foi.
Raphael

Raphael chegou um dia e me mostrou a primeira versão dessa música que nem tinha beat até então, achei a coisa mais linda. Essa melodia, essa letra, e esses sons malucos… Assim que a música tocava eu fui ouvindo na minha cabeça o que descrevi para o Raphael um beat industrial que estoura no final e em seguida fomos lá e construímos exatamente isso. Adoro esse moog sirene maravilhoso que rola no refrão que vai te engolindo junto. 
Alejandra

4. Em Dezembro

Por um tempo o nome dessa foi “Música Fefel”, a única do disco que tive a sorte de compor no violão e estar pronta em 15 min. Acho que não teria ido pra frente com a minha voz. Me emocionei enquanto Ale gravava a voz nessa música, então novíssima, com caderno no colo; tanto que bati uma foto. Gosto muito da letra, nostálgica e bem humorada.
Raphael

Em Dezembro é das músicas mais pop do disco, alegre e frustrada ao mesmo tempo. O chorus que desafina levemente as guitarras cola perfeitamente. Bela composição do Raphael, ele chegou com a música montada. Guitarras fodas, e esse beatzinho com o hihat do refrão e tudo. 
Alejandra

5. De Nuevo

Sentamos no escuro do quarto e escutamos o instrumental desta faixa enquanto Ale escrevia com mão de máquina aquele spoken que acontece lá no meio. Pareciam temas recorrentes e misteriosos de toda vida. Pra avacalhar eu fui lá e fiz meu spoken também, num inglês inventado só pra te dizer que essa música tem três idiomas, mas que é coisa muito séria. Ficamos surpresos com esses arranjos e estrutura; foi a primeira faixa que fizemos desse disco a pareceu abrir precedentes pra tudo o que viria.
Raphael

De Nuevo foi a primeira música concebida na integra do disco. Ela foi construída em cima de um synth base que gravei um dia no estúdio da Red Bull com os boutique da Roland. E a letra dela vai bem junto de Pra Variar, provavelmente focando nessa parte final do ciclo na hora que você quer recomeçar desesperadamente. Raphael montou esse beat de toms foda. Lembro que foi daquelas iniciais que emocionou muito.
Alejandra

6. Better Off

Única canção em inglês do álbum, onde Alejandra fez quase tudo num rompante de criatividade: violão, beats ruidosos e voz. Acho lindo como fica vazia e calma; e tem uma quedinha ali no meio que me soa um Pink Floyd pré-Dark Side. Acho que a única coisa que fiz nessa faixa foi tocar baixo. 
Raphael

A música mais melancólica do disco… Ela veio completamente na emoção. A letra foi gravada no improviso direto no microfone do computador, num surto de inspiração quase dormindo e foi isso que ficou. Ela é a mais lo-fi, parece que o ruído dá uma sensação de calma. 
Alejandra

7. Viaduto

Esse era o nome do nosso endereço no centro de SP. Depois que a faixa instrumental estava pronta ela me disse que eu nunca fazia letra de amor, e queria uma letra bonita pra ela. Achei justíssimo e abri o coração, cantei de joelhos bambos, com aquela sensação incrível de se sentir vulnerável frente a um sentimento maior do que você.
Raphael

Viaduto foi emocionante, aquela música que você vai dançando enquanto vai fazendo. Ela de certo é a música mais feliz do disco, na sequência da mais triste haha. Ela tem esse lance de mergulhar na água do refrão, que vai te transportando para ambientes diferentes na música. Acho que ela é bem representada nessa frase do Raphael: “Nada é assombração, tudo é sombra”.
Alejandra

8. Tiriru

A melhor vinheta que poderíamos ter, com bumbo reverso, polirritmias espalhadas, vozes pegajosas que me soam tensas e divertidas. Ficamos um tempo pra ver em que momento do disco ela se encaixaria, mas dá uma bela ponte pro final. No show vai durar uns 10 minutos.
Raphael

Essa aqui é uma piração, polirritmia, camadas, vozes, hamonias, tensão… Fui gravando camadas e camadas, pensando muito em texturas e atonalidades, criando tudo no improviso também.  Lembro que quando fiz ficamos ouvindo um monte bem alto só curtindo a viagem. Tem o bumbo em reverso que dá uma textura muito gostosa.
Alejandra

9. Mariposa

Alejandra teve um dia à toa e produtivo no estúdio, e depois peguei esse arquivo gigante de um improviso sem fim. Treinei minhas escassas habilidades de editor com esse projeto e depois de dias consegui juntar duas partes contrastantes numa música só. Acho que por isso acabou sendo a mais viajona e caiu bem de última faixa.
Raphael

Mariposa é prima de De Nuevo, naquele sábado que fui no estúdio da Red Bull e liguei todos os teclados da Roland que tínhamos recebido recentemente. Tudo que dá para ouvir nela veio desse dia, inclusive a voz. Depois de construir a base toda, a letra veio completamente no improviso, apertei o rec e foi isso tudo que veio num take só. Depois deixei a sessão na mão do Raphael que picotou tudo e construiu essa estrutura maravilhosa e viajante. 
Alejandra

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09/11/2020

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Ariel Fagundes

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