Horse Meat Disco: coletivo britânico lança coletânea de música brasileira

30/04/2025

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Por: Clara Portilho

Fotos: Divulgação

30/04/2025

Em março, foi lançada a coletânea Disco and Boogie from Brazil, do coletivo de DJs britânico Horse Meat Disco. A compilação nasceu do fascínio de Luke Howard, um dos membros do grupo, com a música disco brasileira, e contou com a ajuda do DJ e colecionador de vinis Tee Cardaci na realização. 

Produzido na Inglaterra pela gravadora Mr Bongo, conhecida pelos discos raros da música brasileira, Disco and Boogie from Brazil conta com verdadeiros tesouros escondidos do estilo. A Noize entrevistou os idealizadores do projeto para entender de onde vem o fascínio com a nossa música e como surgiu a ideia da coletânea. Leia abaixo:

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É inusitado ver um interesse profundo de duas pessoas que não são do Brasil em gêneros tão específicos da música brasileira. Qual é a origem dessa conexão com a música brasileira? 

Tee: Na verdade, eu acho que a primeira música brasileira que ouvi foi “Garota de Ipanema”, né? Como todo mundo. Eu ouvia as pessoas falarem: “isso é bossa nova”. E tá bom, ok, mas trabalhei como DJ desde 1991 e sempre tem DJs que tocam 1 ou 2 músicas do Brasil no seu set para além dessa. Tem DJ de Ibiza que está conectado na cultura Balearic e toca música como “Toda Menina Baiana”, do Gilberto Gil. Como gosto muito de funk e soul dos anos 70, descobri Tim Maia. Foi assim, durante muitos anos eu descobri mais e mais, mas como eu falei, quando eu cheguei no Brasil, notei que não conheço quase nada [risos].

Luke: A minha conexão foi na primeira vez que fui pro Brasil, em 2003. De lá, comecei a comprar música brasileira. Até aquele ano, não tinha muita experiência. A minha paixão é música norte-americana, tipo música soul e disco. Estava longe de colecionar música brasileira. Aqui em Londres, nessa época, Gilles Peterson estava lançando coleções de música brasileira, como jazz ou Tropicália. Foi em 2003, na casa de um amigo, que ouvi pela primeira vez artistas como Gal Costa. Até então, conhecia muito pouco. Admito a minha ignorância.

De lá, fui garimpar um pouquinho na rua, com as pessoas que vendiam discos. Comprei um disco de Vinicius e Toquinho. Também fui uma vez lá na Cinelândia [Rio de Janeiro], numa feirinha. Perguntei quais eram os artistas de soul, funk, samba. E foram pessoas de lá, nas lojas de disco, que me introduziram a esse estilo de música brasileira.  

Tee Cardaci (Divulgação)

 Como surgiu a ideia de criar uma coletânea de música disco do Brasil?

Luke: Acho que foi há 13 anos, 14 anos… eu tinha vários mixes de música brasileira no Mixcloud ou Soundcloud, para mim, mais funk, mais soul. O Matt, do Mr Bongo já me seguia no Soundcloud e também escutou os meus mixes da música brasileira. Então, ele me mandou mensagem para falar sobre a possibilidade de fazer uma coleção do disco soul brasileiro com o Horse Meat Disco. Mas, não deu certo, não deu, porque era difícil… talvez eles não pensassem que era uma coleção bastante forte pra lançar e licenciar, mas era uma ideia. Uma semente que foi plantada, né?

Como foi o processo de construção do projeto? A intenção era levar novos artistas para pessoas que não são do Brasil?

    Luke: A gente sempre falou, “Ah, algum dia a gente vai fazer!”. Depois da pandemia, o Matt me contatou de novo e falou “Estou falando sério. A gente vai fazer essa coleção. Vamos mandar de novo a lista das suas músicas preferidas que você quer incluir na compilação” e começamos de novo essa ideia.

    Mas, quando você faz uma compilação, você sempre tem que encontrar um meio-termo. Tem que fazer mudanças na seleção, né? Porque não é possível ter tudo. Tem artistas ou gravadoras que não querem aceitar as condições de usar a música numa coleção de outra empresa. Então, é um processo de mudanças. Foi para isso que o Tee foi incluído, para ajudar a gente. Porque é mais fácil fazer negócio com selos independentes. E eu queria, sim, dividir essa música com o mundo. É importante porque, eu acho, em países anglófonos, a gente realmente ignora muita música que não está em inglês. É verdade, né, Tee? A gente não cresce com música em outros idiomas.

    Tee: Quando eu lancei a minha coletânea de MPB, a galera do Mr Bongo entrou em contato para fazer uma entrevista comigo sobre o meu trabalho e eu lembro que falei durante entrevista sobre a minha paixão por disco music e boogie também. E alguém na Mr Bongo lembrou disso e entrou em contato depois falando “Cara, você é amigo do Luke? Você é amigo da galera do Horse Meat Disco? Talvez você possa ajudar a gente nesse projeto.”

    Então, foi meio natural ajudá-lo. Sou bem apaixonado pela música brasileira, em geral. Por essa cultura da disco music e boogie dos Estados Unidos, da Inglaterra, do mundo inteiro e, agora, do Brasil. Quando eles me apresentaram essa oportunidade, fui com tudo.

    Esta coletânea foi lançada em vinil, CD e mídia digital, mas a sua divulgação teve mais ênfase no vinil. Qual é o papel do vinil para vocês na atual cultura musical?

    Tee: Então, o vinil sempre fez parte da minha vida, meu pai era colecionador, e eu cresci nessa cultura. Eu aprendi lendo as capas e lendo as fichas técnicas, quase tudo que eu conheço sobre a música eu aprendi estudando as fichas técnicas. Hoje em dia, o Spotify é uma coisa incrível, sem dúvida, dá pra ouvir quase qualquer música que já saiu no mundo, mas você não vai aprender nada, sabe? Não tem aquela ficha técnica, não tem aquela capa que você pode pegar nas suas próprias mãos para sentir e para estudar quando você tá ouvindo.

    Essa cultura do streaming também hoje tá aqui disponível, mas quem sabe no futuro? Quem sabe o que vai acontecer? É graça hoje, mas talvez no futuro eles comecem a cobrar para usar, para todo mundo, e você vai perder acesso. Música é tão importante na minha vida que eu tenho que ter o produto físico.

    Luke: Eu concordo. Acho que vinil e as capas… são um ato físico. Não é só de escutar, é de tocar, tem cheiro também, né? É para mais sentidos, é uma coisa mais… tem que tocar, tem que usar suas mãos para escutar, não é só coisa de tela. Não é uma máquina que está fazendo as decisões, é você que decide. É um ritual, sim, mais sensual.

    Tee: Dá tempo para ouvir do início até o fim… para criar espaço no seu dia para experienciar essa música numa forma mais íntima, né?

    Para fechar, quais foram as faixas mais marcantes desta coleção?

      Tee: “Deixa Girar” [interpretada por Luísa Maura], essa música é a mais raiz da coletânea, na minha opinião. Adoro porque a letra tem um duplo sentido. Deixe Girar, nessa frase, oferece a liberação para que os orixás atuem em traje, em transformação, em renovação, mas também essa frase significa a liberdade que a gente sente na pista. Para mim e para o Luke, também, dançar é uma coisa espiritual. Outra coisa que sempre adorei na música brasileira é a habilidade de pegar influências de fora e criar alguma coisa nova, né? De bossa nova, até o funk carioca.

      Nessa coletânea tem duas músicas que eu adoro por isso: “Coisa Quente”, do Edmundo e “Pássaro Selvagem”, dos Carbonos, que tem uma referência da música Good Times, do Chic, na linha de baixo. Os brasileiros são mestres de pegar influências que estão lá fora e criar alguma coisa nova. 

      Luke: Eu acho que não é puro boogie e disco. Eu acho que estas são apenas fases de descobrir um jeito de dançar e a música disco não é só a música disco, é a música que você pode usar o corpo pra dançar. O corpo reage à música. Essa faixa da Luísa Maura, por exemplo, eu também amo porque é um samba funk com groove. Não sou purista de “Ah, essa puro boogie… essa é puro disco”.

      No Horse Meat Disco, a gente toca música pra dançar baseado nos anos 70 e 80, na maioria, mas a gente pode incluir música moderna, música funk e punk. Eu tocava Gal Costa, “Meu Nome é Gal”, quando a gente começou a nossa festa há 21 ou 22 anos porque é um groove, é bom pra dançar. E essa é a filosofia da disco e da música. Coisas que deixam o corpo girar, balançar.

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      30/04/2025

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      Clara Portilho