Jorge Ben, funk e gospel: um rolê musical pelo Grajaú, zona Sul de São Paulo

27/02/2025

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Por: Jairo Malta

Fotos: Reprodução

27/02/2025

Em um sábado, por volta das 16h, saindo do terminal Grajaú em direção à Avenida Belmira Marim — via que cruza todo o bairro do extremo Sul da capital de São Paulo — dá para ouvir de longe o som de pandeiros, bandolim e o público cantando aos berros: “O telefone tocou novamente, fui atender e não era o meu amor”, verso da música do Jorge Ben. Este é o Samba da Praça, que acontece há 10 anos na Rua Eduardo Ramos s/n. 

Para quem não conhece a região, este pode ser o ponto de partida para um roteiro cheio de músicas, ritmos e dança que o bairro mais populoso do estado — segundo dados colhidos de 1990 há 2010 pela Prefeitura de SP. 

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No Grajaú, o cotidiano tem trilha sonora e vai do louvor gospel até o funk putaria. Quem anda pelas ruas estreitas do bairro logo percebe uma leve competição de sons saindo das casas. Porém, nos finais de semana, o samba é o responsável por unir do religioso mais fervoroso ao funkeiro mais mandrake.

Aos domingos, por exemplo, na Rua Manuel Guilherme dos Reis, próximo ao número 500, é onde o Pagode da 27 se apresenta religiosamente às 16h, terminando sua apresentação às 20h em ponto. A região é repleta de igrejas e, dependendo da sua localização próxima à roda, o som dos cânticos dos templos ao lado se mistura ao dos instrumentos da banda.

A roda de samba é uma das principais do bairro e responsável por levar amantes do samba de outras regiões ao local. Jefferson Santiago, um dos líderes do grupo, comenta que nunca a música esteve tão presente no Grajaú como agora. “Em um raio de um quilômetro você encontra três a cinco lugares com música ao vivo”, afirma Santiago.

Outro benefício que a música trouxe ao bairro foi o fortalecimento da autoestima dos que moram na região. “Nós [do grupo] podemos afirmar que as músicas que cantamos mudaram o olhar das pessoas em relação ao bairro. As canções de exaltação ao nome Grajaú, como o verso ‘tenho 27 motivos para viver no Grajaú’ [da música “27 motivos”] fizeram as pessoas terem orgulho do bairro. Hoje, o pessoal não tem mais vergonha de falar que moram no Grajaú”, lembra Santiago.

Mas não só de samba vive o grajauense. “Um sabadão desses, uma lua dessas, todos os caminhos te levam à favela”, se estiver subindo a Rua Coentral em uma madrugada de sábado, esse verso do MC Talibã vai grudar na mente como chiclete. Esse é o Baile da 1, conhecido também como Baile do Edda, por conta do bairro ao lado se chamar Jardim Edda. O evento que invade a madrugada é o responsável por reunir DJs famosinhos nos Tik Tok, jovens e seus guarda-chuvas (ou umbrellas, para os funkeiros), carros com paredões de som e copos de whisky, energético e gelo de maracujá. 

Para esquecer as batidas estridentes do funk, só ouvindo o sertanejo ao vivo do Villas Bar Show, na Rua Dr Oscar Andrade Lemos, 763. O espaço tem decoração inspirada na cultura do cerrado brasileiro, todo revestido de madeira, esculturas de peixes penduradas nas paredes e um aquário em um dos balcões de bebidas. Nas noites de quinta-feira a domingo, duplas sertanejas se posicionam do lado de fora do bar e cantam os versos mais sofridos que podem ser ouvidos na região. O clima do ambiente aos sábados é de pegação. O bar é aberto na rua, mas é feito um cercado com grades de ferro na calçada que o transforma em uma espécie de balada ao ar livre. 

Próximo dali, existe um lugar bem mais escuro, cheio de cabeludos e barbudos, vestidos de coletes de motoqueiros e ouvindo rock. Este é o Mitos e Lendas Rock Bar, que fica na rua Dr. Oscar Andrade Lemos 617 e atrai “gangues” de motociclistas ao som de bandas covers e clima gótico. “O rock não morreu, quem morreu foram os roqueiros”, comenta Beto Freitas que usa um óculo escuro Aviador, da marca Ray-Ban, uma jaqueta de couro com bandeira dos 26 estados brasileiros (todos percorridos por ele) e uma bandana com o logo do Hells Angels —famosa gangue de motociclista americana formada em 1948.

O ambiente tem clima de fim de festa com público de idade variada, em geral, masculino, bebem bastante vinho e catuaba enquanto ouvem clássicos rock dos anos 1980/90. Como o bar fica próximo ao Hospital Geral do Grajaú, com frequência o som das sirenes das ambulâncias interfere no das bandas que se apresentam.

Mas se a vontade for ouvir um bom hip hop, o Grajaú tem opções para quem gosta de assistir a batalhas de rimas ou pocket shows de artistas iniciantes e das antigas. Em uma quinta-feira, por volta das 19h, na praça em frente ao Centro Cultural do Grajaú (CCG), já se ouve os beats mais graves e rappers recitando em tom agressivo versos autorais cheios de piadas, insultos e duplo sentido. 

Sempre que é anunciada a vez de um dos competidores, o público grita “Uuu, mata ele!”, como em uma arena gladiadora. Mas diferente de uma batalha romana sangrenta, ao final de cada apresentação, os competidores se abraçam mostrando que a união supera a momentânea rivalidade. 

Entre os aglomerados na plateia, boa parte são moradores locais, já outros vêm de longe assistir às batalhas. Luiz Henrique mora em Santo André, município do Grande ABC, trabalha em uma padaria próximo ao centro cultural e, nas quintas-feiras, aproveita para acompanhar as batalhas antes de seguir para casa. “Já morei aqui na região e há uns anos me aventurei no rap. Hoje, como tenho filho, preciso me dedicar em tempo integral ao trabalho para quem sabe um dia ele poder realizar os seus sonhos”, comenta Henrique de forma emocionada.

No mesmo local, tem rolado aos finais de semana shows de rap promovido pelo coletivo Grajaú Rap City. O evento mistura rappers de primeira viagem e experientes como o Sombra, vocalista do SNJ, que se apresentou recentemente na praça. A região é o principal ponto de encontro do bairro. O som ambiente se alterna entre rap, funk e gospel —às quartas-feiras um grupo de jovens da igreja batista fazem uma roda com violão e cantam músicas clássicas do gênero gospel. 

Com ambiente embaçado por conta da fumaça dos narguilés, o Sampaio Bar e Adega, na Rua Jequirituba 1608, tem apresentações de cantores de rap, trap e grime e discotecagem com DJs do gênero. 

Indo mais para a outra ponta do bairro, na Avenida Carlos Barbosa Santos 1608, fica o Recanto do Forró. O ambiente é daqueles inferninhos apertados onde bandas se apresentam geralmente com um vocal e um teclado e os visitantes dançam agarrados, suados e alcoolizados. “Quem aqui é nordestino?”, pergunta Martins Moreno, cantor de forró que vê quase 100% do seu público levantar o braço e gritar: “eu”.

Marilia Mendes, que mora na região, frequenta o Recanto do Forró desde a inauguração e afirma veementemente que o bar tem o melhor forró da zona sul de São Paulo. “Meu caro, eu já frequentei boteco com forró do Jardim Ângela ao Capão Redondo [os dois bairros na região Sul], e te digo com propriedade: nenhum supera o Recanto”, alerta Mendes.

Outro bar que segue a mesma premissa de banda de forró, ambiente escuro e quente é o Point do Fran, que fica na Avenida Grande São Paulo 77, rua próxima ao terminal de trens e ônibus — o que deixa o ambiente cheio nas noites de sexta-feira e sábado.

Não importa o gênero ou estilo, no Grajaú, a música além de ser a principal opção de lazer do bairro, influencia os costumes dos moradores, fomenta a economia local, em especial os pequenos empreendedores que armam suas barracas nas portas dos bares e ao redor das rodas de samba. Mais do que cultural, ir às apresentações e frequentar os bares na região é uma forma de resistência e esquecer momentaneamente os problemas que o bairro esconde. 

Esta materia foi publicada originalmente na edição da Revista Noize que acompanha o vinil “Sobre Viver”, de Criolo, lançado em 2022.

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27/02/2025

Jairo Malta