Exclusivo | A trip infinita de Lê Almeida no novo disco “Mantra Happening”

11/03/2016

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Leonardo Baldessarelli

Por: Leonardo Baldessarelli

Fotos: Isabela de Sousa

11/03/2016

Na última vez em que entrevistei Lê Almeida, o músico carioca – integrante de inúmeras bandas e principal cabeça do selo Transfusão Noise Records– prometeu lançar um compacto com as sobras do disco Paraleloplasmos e um cassete só com demos que sobraram de outras épocas; tudo ainda para 2015. No fim das contas, nada disso saiu do papel, mas agora sabemos que foi por um motivo mais que justificado: o músico pirou em ideias novas de composição e experimentação, e botou seu tempo na produção de novidades que a gente vai ouvir daqui pra frente, começando hoje! Lê lança com exclusividade aqui na Noize o terceiro álbum da carreira: Mantra Happening. Registrado direto na fita cassete, o disco é o primeiro gravado por ele com a participação de toda sua banda e chega um ano depois do seu último trabaho solo em Paraleloplasmos.

A primeira coisa que chama atenção em Mantra Happening é a tracklist: cinco músicas, sete a menos do que em Paraleloplasmos, mas quase 10 minutos a mais de duração. Quem se apaixonou por “Fuck the New School”, a faixa de 11 minutos que estava no último lançamento – e que às vezes passava dos 20 minutos ao vivo – vai se sentir em casa com os sons de “Mantra”. O título do disco, também, não poderia ser mais apropriado para o que está registrado: músicas longas e hipnóticas, que continuam com a base no “rock de guitarra” meio noventista e lo-fi característico de Lê, mas que ganham estruturas maiores e focadas em elementos se repetindo e ressoando. Tudo isso é reflexo de novas influências que andam fazendo a cabeça do música e sua banda, que se dizem, hoje, apaixonados por space rock e pelas possibilidades da percussão.

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Numa conversa por WhatsApp que durou alguns dias, Lê Almeida contou tudo isso que já falei e muitas outras viagens sobre Mantra Happening, sua carreira e seus shows. Para ouvir o novo álbum, é só dar o play aqui embaixo e, na sequência, ficar por dentro da entrevista. Como já falei, “Mantra’ foi todo gravado em fita cassete e marca o primeiro encontro em estúdio da banda que acompanha o músico ao vivo há muito tempo, composta por Bigu, Joab, João e, claro, o próprio Lê. Além dos quatro, o disco conta com os vocais adicionais de Clara Cosentino e a capa é assinada por Walner Del Duca. Segura firme, que a trip começa agora.

Lê, a primeira coisa que eu preciso perguntar é sobre a distância entre os discos: você demorou 5 anos entre “Mono Maçã” e “Paraleloplasmos”, mas o “Mantra” está saindo só 1 ano depois. O que rolou para isso mudar? Acha que se encontrou melhor?
O que mudou nesse intervalo entre o “Mono Maçã” e o “Paralelo” foi que a gente passou a ter o Escritório (pequeno espaço de shows que também é sede da Transfusão Noise Records, no Rio de Janeiro) e eu fui buscando um som no lugar. O espaço entre o escritório passar a existir e ele já ter um som próprio foi de muitos testes e gravações que até nem saíram ou foram acabadas. Tanto que, daqui pra frente, acho que tudo vai ser um pouco mais acelerado, pois tanto com bandas ou sozinho eu tenho experimentado demais gravando.

Antes do Mantra eu estava gravando outro disco, todo sozinho, como foram os outros. O nome era “Todas as Brisas”. Esse disco era uma experiência de fazer um som que fluísse mais ao vivo, mais rock, mais agitado, só tem una baladinha. Mas, quando ele já meio que estava ficando pronto, a gente teve a ideia de gravar o “Mantra” em sessões todas feitas a partir de fitas cassete, assim, caso os takes não fluíssem, poderíamos descartar. E na terceira sessão já fluiu, então só foi. No fim das contas os sons saíram bem legais, e bons de tocar. Nunca apresentamos eles do mesmo jeito.

É a primeira vez que tu grava com a banda inteira, certo? E, aliás, como foram essas sessões do “Mantra”? De onde surgiram esses sons que se encaixaram tão bem? Jams loucas?
Então, essa é a primeira vez sim q gravo um disco com os caras sendo “Lê Almeida”, como artista solo, mas gravando com a banda inteira. A coisa toda dessas faixas veio a partir do filme que a gente trilhou ao vivo no MIS em São Paulo. Eram umas duas faixas instrumentais longas e nos shows dessa época a gente sempre mandava algumas delas e saíam sempre de modo diferente. Depois de um tempo, a gente foi combinando de tentar gravar um disco com elas, eram só três e só uma tinha letra que era a “Hoje Eu Não Volto Sozinho”. Daí no meio das sessões a gente desenvolveu outra faixa.

Foram três sessões até chegarmos a o que está no disco. Tem toda a vibe nova da gente ter passado a tocar mais e tocar melhor e, além disso, o disco foi gravado no lugar que a gente conhece muito bem o som, pois é nosso.

E como é trampar com fita cassete? Qual a diferença que você mais sente no som?
Existem muitas coisas diferente no som por causa da gravação em cassete. Na verdade, com o tempo eu passei a ter um ouvido bem estranho para música, ouço muita coisa que as pessoas julgam como mal gravadas e acho bom demais. Então meu critério não fica fácil de compreender. Na fita, eu sempre comento que têm umas coisas que podem dar muito errado ou muito certo, mas quando dão certo ficam realmente fodas. Uma pessoa que manja de gravação e nunca ousou cassete acaba achando primitivo, mas foi o modo que vários discos lindos foram feitos. “Alien Lanes”, do Guided By Voices, continua sendo pra mim o melhor disco de rock do mundo, e foi feito em fita.

Recentemente, eu e o João produzimos o disco novo do Giallos, e a banda gravou o mesmo disco três vezes, duas no cassete e uma no digital. E qual foi a versão final? A do cassete. A gente colocou ali toda a experiência aprimorada que veio das sessões do “Mantra”. Se for pensar, o som é até melhor.

Cara, e sobre essa mudança no som, essas músicas mais compridas. De onde vieram?
O som está mudado por causa de muitas coisas diferentes que passamos a assimilar em banda mesmo. Fela Kuti, Helvetia, space rock… E eu passei a me interessar muito por percussão.

Pois é. É bem fácil comparar os sons novos a “Fuck the New School”, né? Que, aliás, virava um monstro guitarrero ao vivo. Vocês já estão pensando em como vão levar essas músicas do “Mantra” pro show?
A ideia do “Mantra” ao vivo é uma coisa meio única no set, porque se a gente tocar 4 das 5 faixas do disco já é um show completo. Chegamos até a fazer um teste no começo do ano, em um show no Escritório. Depois dessa fase de shows de lançamentos, que querendo ou não tem que ser focada no disco novo, acho q vamos manter só umas duas no set. Mas, em todo caso, a gente já tem ensaiado umas do “Brisas” pra tocar em alguns desses shows.

Eu fiquei mais vidrado em não passar a ficar tocando faixas velhas em shows muito por causa do Fela Kuti. Tinha uma lenda de que ele não tocava as faixas que já tinha gravado, tocava mesmo antes de gravar. É diferente, mas é uma onda boa, essa de tocar coisas novas em shows ou coisas do disco de outra forma. As faixas do “Mantra” às vezes ficam bem maiores do que no disco, ou mais selvagens.

E você pretende adotar bastante essa ideia do Fela de só tocar músicas novas? Ao ponto de uma hora parar de tocar sons antigos?
Essa onda do Fela eu acho genial demais porque em algum momento eu passei a pensar que nem sempre você está na inspiração e grava algo bom, então pode ficar experimentando ao vivo. Mas com certeza a a gente ainda vai tocar as velhas, mas vamos ficar mais seletivos.

Esse teu interesse pela percussão também chega ao pensamento nas possibilidades percussivas de outros instrumentos? Como, por exemplo, o poder rítmico que o baixo pode ter?
Eu, na real, até penso bastante além da percussão como novas ondas. Tipo como rolou no meio dessas gravações, que eu percebi q o Bigú (baixista) fazia coisas diferentes em “Maré” e antes eu achava que era uma coisa só.

Mas, assim, no começo das gravações fiz muita questão que o Bigú estivesse bem disposto, pois as faixas não possuem muitas bases na guitarra, quem faz quase tudo é o baixo. Então ele vira um elemento que completa os outros de modo mais intenso que o habitual. E essas coisas meio que cercam tudo no disco. Nessas novas ondas, eu comecei devagar a gravar algo a partir da bateria e do baixo, algo mais grooveado e limpo. Experiências.

E já chegou a pensar em pegar pesado nas experimentações percussivas? Tipo, sei lá, jogar coisas em paredes, gravar e usar como beat?
Eu acho que esse interesse pela percussão é mais pelo som do batuque mesmo. Talvez eu não venha a fazer mais experimental nas percussões em si, mas já faço algo diferente no arranjo e na produção das faixas, envolvendo a percussão. Em “Maré”, por exemplo, rola uma coisa de transformação da faixa pela percussão. A gente fez um mix sem o instrumental, só voz e percussão, e ficou parecendo uma cantiga de roda ou de lavadeiras, algo do tipo.

Pensando enquanto ouvia os sons, saquei bastante da influência do Helvetia e do space rock que tu comentou, mas senti algo do Deerhunter também, principalmente os sons mais longos tipo “Nothing Ever Happened”. Vocês se inspiram neles também ou acha que só têm as mesmas influências?
Eu curto bastante Deerhunter e Helvetia, mas acho também que talvez tenhamos as mesmas influências. Também não dá para saber exatamente, né? Eu sou muito influenciado pelo Brasil, acho que nunca nesse mundo vai existir algo como Mutantes ou Jorge Ben. Tom Zé. Essas coisas eu curto demais, tem altos disco que são muito bonitos.

Algo que me chamou muita atenção é a “conversa” da capa com todo o conceito do disco, a parada ritual/mantra que cerca a imagem, o nome e também a vibe dos sons. Como vocês chegaram nessa capa?
Esse desenho da capa é do Walner, que toca bateria do Top Surprise e desenha muito bem. Foi quem fez a minha primeira tatuagem, inclusive, e ele tem uma onda meio ocultista nos desenhos. Ficamos um bom tempo até chegar nesse resultado, diversos desenhos rolaram até que uma vez eu contei pra ele de um sonho que eu sempre tinha: me imaginava às vezes deitado na cama, sempre flutuando sobre ela; e isso era um sentimento bom de libertação, de poder até flutuar. Depois de contar isso para ele e dar uma referência, o Walner demorou algumas horas e me mandou exatamente o que eu tinha pensado, que é o que está na capa. Foi foda.

A mesma libertação da capa para mim também está nas faixas. Esses sons do disco são como um exercício de bem estar. Em toda a minha vida, eu nunca me senti tão bem tocando guitarra quanto eu me sinto tocando nessas faixas. Até os outros caras estão nessas. Mesmo que eu não possa falar tanto por eles, mas eu percebo o Joab, às vezes, viajando demais na bateria, de um modo que eu não via antes.

Pô, muito legal isso de você nunca ter se sentido tão bem com a guitarra. Acha que isso vem da experiência acumulada nesses anos todos, uma certa maturidade? Ou de estar junto com uma galera que está em sintonia? Ou as duas coisas?
Foda. Acho que são as duas coisas, com certeza. Eu poderia muito bem ter entrado numa viagem e os caras não, mas foi bem uma coisa de um levar o outro. E a gente está mais sagaz não só na música, como na vida. É a primeira vez que eu sinto algumas coisas. Como, por exemplo, sinto que a gente pode intimidar alguém pelo som, só com o som.

E vocês já estão levando essa vibe boa pros palcos, né? Vi que já estão rolando shows no Escritório e que logo mais tem em Goiânia, além do lançamento, no MIS, em SP. Já estão planejando uma tour?
Vamos fazer uma tour diferente da do “Paraleloplasmos” porque o João não quer mais dirigir, e então eu tive que vender uma guitarra para entrar na auto escola (já sei dirigir, mas não tenho carta. E, fora isso, vou ter que morar o mês de abril inteiro em SP por causa de uma residência, mas nesse meio tempo a gente vai ir fazendo uns shows. Queria fazer mais coisas pelo interior, meu sonho é tocar pela baixada numas festas pela madrugada. Tocar o “Mantra” inteiro, já que por aqui é muito difícil.

E sobre os outros sons que tu andou/anda fazendo? Vai lançar o “Todas as Brisas” logo? Tá com outros projetos?
O “Brisas” foi outra vibe, gravei tudo sozinho, mas de um modo mais rápido que o normal e já pensando em como seria tocado com banda. Ele deve sair no meio do ano. Estamos aproveitando que ele já está pronto para, eu e o João, fazermos alguns testes de masterização. Com certeza ele talvez tenha um som mais pesado por causa dessas experiências.

Além desses dois discos, o “Mantra” e o “Brisas”, eu tenho altas faixas soltas que tenho organizado pra em algum momento fazer um disco de sobras, mas já comecei a gravar umas coisas novas, experimentando um som mais limpo, umas guitarras mais suaves, umas batidas mais grooveadas. E também tenho tocado bastante com uma banda nova chamada Cosmos Amantes. Essa banda é a coisa mais diferente que já fiz porque a gente foi tocando ao vivo, sem ensaiar muito, então deu para notar nossa evolução no palco, sendo que parte dessa galera nunca teve banda.

Como é que está sendo levar a Transfusão Noise Records junto do trampo com o seu coroa?
Cada vez menos eu fico lá no meu pai. É bem perto do Escritório, então fico entre os dois, mas bem mais tempo no Escritório. E, na real, esse é o único modo das coisas caminharem. Se eu tivesse um emprego normal seria complicado. Os outros caras também têm um esquema parecido, de emprego diferente. Daí dá para combinar as coisas numa boa.

Por fim, qual é a do dog na foto de capa do teu Facebook? Achei ele e a imagem (abaixo) lindões.
Aquele dog é o Hulk, que já morreu. A foto é velha, aqui de casa. Agora temos outros dois, todos vira-latas.

Cochorro

Lê confirmou que Mantra Happening sai em CD e cassete, e também no iTunes, Spotify e todas essas coisas aí. O show de lançamento do disco acontece no dia 18 de março, sexta-feira, no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. Mais informações sobre o show no evento oficial e no poster abaixo. Antes disso, Lê toca em Goiânia no sábado, 11, na Complexo, em evento organizado pela Propósito Records. Mais informações também no evento.

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11/03/2016

Redator de social media, jornalista, músico, emo, jogador de bocha, astrólogo e benzedeiro nas horas vagas. Um colono que se encontrou na cidade grande e agora pensa que sabe escrever sobre qualquer coisa.
Leonardo Baldessarelli

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