À primeira vista, o perfil @soundwavesoffwax pode parecer apenas mais um feed de resenhas musicais ou a coleção de discos de uma Gen Z buscando um lifestyle diferenciado. Mas basta ouvir a introdução de qualquer um dos mais de 160 vídeos publicados para ter certeza de que há algo especial ali.
A canadense Jula, de 24 anos, já conquistou mais de 430 mil seguidores no Instagram e quase 85 mil seguidores no Tik Tok com seus conteúdos sobre música — e, principalmente, pela motivação por trás deles. “Bem-vindos a mais um dia ouvindo a coleção de discos do meu falecido pai” é a frase que ela usa para iniciar cada vídeo, levando os espectadores a uma jornada musical que passa por ópera, punk, new wave, rock psicodélico, jazz, blues, entre outros gêneros.
Após a morte do pai, em 2022, Jula sabia que queria ficar com a coleção de discos que ele começou a montar ainda na infância, mas não sabia bem o que fazer com ela. “Depois que ele faleceu, eu não fiz nada com os discos — tipo, eu nem entrei no quarto onde ele os guardava por um tempo”, revela em entrevista ao Washington Post.
Ao retornar para a casa onde cresceu, ela decidiu ficar no quarto onde o pai guardava a coleção. Passou semanas organizando os discos e refletindo sobre o significado deles. Então, começou a ouvi-los, um por dia, pela manhã.
No meio do processo de luto, percebeu que sentia falta de conversar com alguém sobre as músicas, os discos e, claro, sobre o pai. Foi quando um amigo sugeriu que ela compartilhasse suas impressões nas redes sociais.
Jula achou que atrairia apenas alguns poucos colecionadores, mas seu primeiro post viralizou. “É importante, para mim, conversar com pessoas que são amantes da música, assim como meu pai”, comenta.
Embora conheça bem os gostos musicais do pai, Jula ainda se surpreende em sua jornada. De vez em quando, encontra discos inusitados e ecléticos escondidos nas prateleiras: um álbum de piadas, uma coletânea de jingles da Coca-Cola, um disco de Jan and Dean inspirado no Batman, com músicas de surf e efeitos sonoros que até lembram a HQ ou a série clássica do heroi. Ao descobrir discos assim, ela imagina o que pode ter levado o pai a se interessar por eles: será que eram guilty pleasures que ele ouvia sozinho à noite?
Memória por meio da mídia física
A música tem o poder de despertar emoções, ativar sentidos e resgatar memórias. São momentos de ternura, alegria e saudade, guardados em harmonias, notas e letras que ganham um significado único para cada ouvinte. Algumas lembranças fazem Jula embargar a voz, como o amor do pai por Paul Simmon.
“Ele estava sempre falando de música. Durante toda a minha vida, foi sempre a coisa que mais nos conectou ou sobre a qual mais conversávamos”, relembra. “Eu tinha uns oito anos e ele lia as letras das músicas e me explicava o duplo sentido de algumas. Quando cresci, comecei a mostrar as músicas que eu gostava e continuamos assim para o resto da vida dele.”
As respostas que esperava encontrar sobre ele ao longo do percurso por sua coleção se transformam em perguntas para a mãe: “converso constantemente com ela e pergunto: ‘Você ouviu tal disco?’. Ou tento descobrir quando ele comprou, quantos anos tinha, se gostou, porque algumas escolhas são bem peculiares. […] De certa forma, estou fazendo isso por ele e com ele. O espírito dele está comigo, torcendo e dançando ao som do que estou fazendo com esse legado.”