“É preciso sair da ilha para ver a ilha”, afirma Luê sobre a necessidade de se reconectar com as raízes paraenses no disco Brasileira do Norte (2024). Com 16 faixas, o álbum resgata as suas origens na música popular, ao mesmo tempo que dialoga com a sonoridade do pop global.
Com dez anos de carreira, incluindo dois discos solo e um álbum como Baby, duo com Mateo Piracés-Ugarte, da Francisco el Hombre, a artista não sabia qual seria o próximo passo até entender que precisava voltar para o início da sua conexão com a música. Filha de Júnior Soares, co-fundador do Arraial do Pavulagem, o maior boi de Belém do Pará, ela cresceu admirando os cortejos do grupo.
“Me sentia diluída entre tantas referências, porque eu consumo muita música pop e música tradicional, mas me sentia perdida. Eu não sabia o que queria falar”, pontua a compositora. Antes de elaborar o álbum, esses anseios apareceram no EP 091 (2023), que conta com releituras de canções do Pavulagem.
“Entendi que precisava voltar para o núcleo de tudo: o lugar de onde eu venho. O mais verdadeiro que eu poderia trazer para o meu trabalho é essa riqueza cultural, junto das informações que bebi desde criança por conta do trabalho do meu pai. Fui atrás do colo, da minha terrinha, da minha cultura.”
O disco conta com participações de nomes de diferentes gerações da música amazônica, entre eles Gaby Amarantos, Fafá de Belém, Felipe Cordeiro, Raidol, Victor Xamã, Dona Onete e Zaynara. “Eu sou a brasileira do Norte. No disco, falo da minha saudade e do meu orgulho desse lugar”, reflete a cantora.
Luê percorreu um longo caminho até voltar para casa. Depois de se formar em violino clássico na UFPA, ela se estabeleceu em São Paulo para arriscar a carreira artística: “Foi importante sair. Quando a gente é de um lugar recriminado e invisibilizado, nos sentimos excluídos das coisas, então queremos romper a fronteira. Sentia a necessidade de ver o que tinha além daqui”.
Para além da saudade, a distância a inspirou na composição e formatação do registro. “É chiquérrimo vir de um lugar tão rico culturalmente. Eu saí e a coisa cresceu muito mais dentro de mim”, reflete a artista. Há dez anos, Luê precisou se distanciar do Pará para encontrar o seu lugar dentro da cena independente nacional, mas o tempo provou que as respostas estavam mais perto do que ela imaginava.
“Tivemos uma onda encabeçada pela Fafá de Belém, Gaby Amarantos e Calpyso. Hoje estamos vivendo uma nova onda, pois finalmente as pessoas estão olhando para cá. A gente precisa criar essa rede de artistas daqui porque a cena não se sustenta sozinha. Não dá pra querer brilhar só, tem que estar junto”, afirma sobre o momento atual da música paraense.
A artista apresentou o repertório do novo trabalho no palco do festival Psica, no final de dezembro do ano passado. Com a família na plateia, ela apresentou as novidades, além de incluir uma homenagem na releitura de “Noite de São João”: “O Pavulagem foi a minha primeira escola da vida”. Para 2025, ela pretende levar o trabalho para outros territórios e continuar espalhando os ritmos nortistas para o resto do país.