Luê cria conexões entre o regional e o global em “Brasileira do Norte”

14/08/2024

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Divulgação/Julia Mataruna

14/08/2024

Brasileira do Norte, terceiro álbum da cantora e compositora Luê, foi lançado nas plataformas de streaming no início de agosto. A artista paraense mistura a cultura nortista com o pop eletrônico para conectar mundos, teoricamente, distantes.

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A música é como um território de experimentação para Luê, que traz referências variadas para compor as 16 faixas do álbum: “Fazer arte pra mim é juntar um aglomerado de vivências, absorvê-las, deixar maturar pra então, na hora certa poder devolver pro mundo como um desabafo, ou um parto, em forma de música”, revela. 

O trabalho traz participações especiais, como as conterrâneas Gaby Amarantos, Fafá de Belém, Dona Onete, Zaynara, entre outros artistas do Norte e Nordeste do país. “Eu sou de Belém do Pará, e o lugar de onde venho é uma fonte inesgotável de riquezas naturais, e culturais. Mesmo na ânsia por pertencer ao mundo, a minha bússola apontou pro Norte e para minha primeira escola de música da vida, que é a regional feita na Amazônia”, explica a compositora.

Com coproducão de Mateo Piracés-Ugarte, da Francisco el Hombre, o trabalho cria conexões entre o local e o mundial: “Gosto de misturar e busco o ponto de encontro entre duas paixões. Por um lado, o regionalismo, ou seja, ritmos tradicionais da região amazônica como boi, zouk, retumbão, marabaixo, e aquilo que se tem por global, o que está soando mundo afora na cultura pop, a presença dos sintetizadores trazendo aquela acidez urbana.”

Luê conta mais sobre a inquietação que levou à concepção do álbum no faixa a faixa a seguir:

“Luê-Luê“: Adoro interlúdios. O disco está cheio deles e já iniciamos com um muito especial porque conta com a presença da nossa rainha do carimbó chamegado, a maior brasileira do norte Dona Onete; e segundo, porque esse áudio que usamos é uma gravação original de 2012, de um dia em que eu e meu pai, Jr. Soares, fomos à casa da Onete, quando eu procurava o músicas dela pra gravar. Para minha surpresa, ela fez uma música pra mim e citava meu nome. Me senti honrada, mas por algum motivo a música acabou não entrando naquele disco (A Fim de Onda, 2013), mas o tempo é danado. Anos depois, meu pai encontrou esse áudio e me mandou. Na hora que eu ouvi, tive certeza de que entraria no disco. Essa sensação de “bastidores” é bem especial.

“Brasileira do Norte” (feat. Dona Onete): A mulher do Norte é uma das figuras mais icônicas desse país, então, pra escrever sobre elas, comecei a observar com mais afinco o comportamento das minhas amigas, das mulheres da minha família e mesmo daquelas que eu não conheço, mas também me vejo refletida. Todas têm algumas características em comum: uma pimenta e uma pureza, um riso solto. Um jeito de ser água de rio, que simplesmente flui em tanta delicadeza e força ao mesmo tempo. “Brasileira do Norte” é a minha homenagem às mulheres nortistas, e nessa faixa a Dona Onete participa dando continuidade ao interlúdio do início. Pra mim, ela é a maior representação dessa mulher.

“Baile da saudade”(feat. Zaynara): Brasileira do Norte é um disco identitário, como o próprio nome já sugere, e nele busquei trazer vários símbolos que fazem parte do imaginário e cotidiano das pessoas da minha região. O “Baile da Saudade” é um desses símbolos. São eventos originários da década de 1990, marcados pelo saudosismo ao evocar a memória das festas de brega de décadas passadas, onde gêneros musicais como boleros, cúmbias e merengues são os mais tocados pelos DJs. Nessa faixa, eu conto a história de um romance que se inicia em um “Baile da Saudade” através da dança e do toque.

“Ajuruteua” (feat. Felix Robatto): Ajuruteua é o nome de uma praia localizada a 36km da cidade de Bragança, nordeste do estado do Pará. Meu pai é de Bragança, assim como uma boa parte da minha família. Eu praticamente me criei entre Belém e Bragança e vivi muitos momentos incríveis na praia de Ajuruteua. Esses lugares, de certo modo, moldaram quem eu sou. Nessa faixa eu trouxe uma cena que se repete muito lá em casa: minha família em roda tocando violão, cantando e fazendo festa até tarde, enquanto a natureza ao redor vai ganhando novas cores com o passar das horas.

“Mãe“: Esse é mais um interlúdio do disco e conta com participação da primeira brasileira do norte que eu conheci, minha mãe. Pedi pra minha irmã gravar um áudio dela falando sobre Ajuruteua. Ela não sabia que entraria no disco.

“Calejei” (feat. Fafá de Belém): Algumas músicas eu fiz como cápsulas do tempo, como uma mensagem pra Luê mais jovem, pra Luê de agora e para quem serei no futuro. “Calejei” fala sobre a passagem do tempo, mas é amor próprio antes de tudo. É verdade que o tempo calejou, mas me sinto como um bom vinho, buscando ser melhor sempre, tentando ser coerente ainda que contraditória e cada dia mais gostosa. Essa é uma música que me imagino cantando para o resto da vida e conto com a participação de mais uma brasileira do norte icônica, que é Fafá de Belém.

“Sorvete” (feat. Victor Xamã): Temos brasileiros do norte no disco. “Sorvete” é uma parceria minha com Victor Xamã, rapper de Manaus, de quem sou muito fã! Nessa faixa, eu trouxe mais um símbolo bem comum na vida do belenense, o sorvete da Cairú no meu sabor favorito que é o Mestiço (mistura dos sabores açaí e tapioca). Na letra, a gente tem o jogo de sedução que se desenrola entre duas pessoas após um encontro casual pelas ruas de Belém. É uma música cheia de segundas intenções, sexy e divertida ao mesmo tempo.

“Será que você entende?“: Nesse interlúdio, a gente meio que reproduziu o que seria uma ligação de telefone em que só se ouve a minha voz questionando se quem me ouve do outro lado entende a sensação de solidão e não pertencimento que sinto, mesmo cercada de amor. É uma introdução pro que virá na faixa a seguir.

“Saudade” (feat. Johnny Hooker): Nessa faixa, parece que a saudade em questão é de alguém, mas na verdade, é de um lugar. Da minha casa, da minha cidade. A saudade de sentir pertencente. Essa música é de um amigo querido chamado Manoel Andrade, que inclusive, tocou vários dos teclados do disco, e foi uma das primeiras músicas desse projeto. Ele fez ela pra mim depois de um papo que tivemos sobre o que eu queria trazer nesse disco, sobre ser uma artista do norte do país e a dificuldade de romper barreiras para alcançar espaços de trabalho no eixo do Brasil. Chamei Johnny Hooker pra cantar comigo, amigo e artista genial que não é do norte, mas a gente sabe que norte e nordeste são irmãos. Ele entende dessa saudade tão bem quanto eu ou qualquer pessoa que mora longe de sua terra natal.

“Boizinho”: Não foi proposital, mas no final, percebi uma dualidade entre dia e noite bem fortes nesse disco. Ele começa mais tropical, mais dia, quase que dá pra sentir um tom alaranjado do sol se pondo, até que começa a anoitecer. “Boizinho” é uma chamada pra gente adentrar uma outra camada da minha viagem sonora, que é a música popular regional, especificamente as toadas de boi misturadas à minha outra paixão, que são os sintetizadores. Nas próximas músicas começa o entrelace mais intenso de tambor e beat.

“Enluarada” (feat. Izy Mistura e a Yasmin Olí): Foi uma das primeiras músicas que eu compus na vida, lembro exatamente da sensação até hoje. Nessa noite, a lua estava cheia, mas eu não sabia disso até abrir a janela e aquela luz tomar conta do meu quarto. Queria que essa aura de mistério permanecesse não só na letra e canção, mas também nos arranjos, então chamei dois artistas com potência vocal absurda pra formar um coro de vozes, o Izy Mistura e a Yasmin Olí. Eles foram impecáveis.

“Deusa”(feat. Gaby Amarantos): Quero e busco ser deusa de mim mesma diariamente. Sonho em ser livre e corajosa.  Essa música é sobre se livrar de crenças limitantes que desde pequenas nos foram colocadas como regras, e não acho uma tarefa fácil, mas é urgente inverter a lógica do olhar patriarcal sobre nós e fazer disso um exercício diário mesmo. Convidei uma artista que, além de tudo, é amiga e uma das mulheres que eu mais admiro nessa vida, que é a Gaby Amarantos. Subvertemos o papel da mulher na sociedade: aqui ela é o ser desejante, e não o desejado; ela é a protagonista da sua vida.

“Brea” (feat. Raidol): Belém é uma terra quente e úmida, logo, você vai pingar calor e esse suor vai secar na tua pele deixando ela meio grudentinha. Lá, a gente chama esse “fenômeno” de brea.  É inevitável. Os mais calorentos detestam, mas eu até gosto e sinto saudade especialmente agora que faz frio em São Paulo. Nessa faixa, eu conto com a participação de Raidol, artista paraense que eu adoro. É uma música curtinha, vazia, só com nossas vozes e um violão. Um ponto fora da curva do disco, ela é como se fosse uma bossinha com clima tropical de verão amazônico.

“Verão no Pará” (feat. Felipe Cordeiro): No Norte o que chamamos de verão amazônico, que é quando as temperaturas ficam mais quentes e as chuvas dão trégua, acontece no inverno no restante do país. Essa música foi feita em pleno inverno na cidade de São Paulo, onde eu moro, e na letra, eu falo sobre a saudade do calor, do sol na pele e dos banhos nas águas mornas dos rios.

“Dançadeira do Arrozal“: Música de Ronaldo Silva e Márcio Macedo, dois grandes artistas do Norte. Sou apaixonada pela obra do Ronaldo Silva, um dos nossos mestres, também membro e um dos fundadores do Arraial do Pavulagem, grupo importantíssimo para nossa região do qual, inclusive, meu pai faz parte. Estava caçando músicas do Ronaldo pra somar no repertório do disco. Ele me mandou algumas e eu senti que era essa. A melodia me pegou primeiro, a letra me pegou na sequência. Gosto da pureza dessa mulher dançando carimbó na beira da praia e não tinha como não ter a participação especial de Lia Sophia nessa música, outra brasileira do norte maravilhosa que sabe difundir o carimbó como ninguém nesse Brasil afora.

“Onça“Essa é a música em que eu levanto a bandeira do Pará no maior símbolo de orgulho possível e viro onça para defender os nossos. Fiz uma analogia ao bicho onça e ao tambor-onça, símbolo da Marujada de São Benedito, manifestação religiosa/cultural com mais de 200 anos de tradição que acontece em Bragança. Nos arranjos, além do tambor-onça, trouxemos também o retumbão, ritmo característico da festividade, assim como a presença dos vocais dos rezadores da comitiva de São Benedito.  A Marujada é uma tradição muito importante na história da minha família e isso tinha que ser celebrado no meu disco.

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