Kanye West é um ótima representação do momento que vivemos na cultura pop: seu disco nem saiu e já estamos falando dele, suas frases saem pela boca em um dia e no outro estão rodando o mundo desfiguradas, em blogs e sites por aí. Sua carreira é mais uma que serve para pensarmos em como a web mudou o rumo das coisas na indústria fonográfica e como essas transformações afetaram os outros veículos de mídia e a forma como consumimos cultura.
O rapper usa todas essas ferramentas de maneira extrema. Sua personalidade está muito bem representada em “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” e em tudo que sai sobre ele na mídia: West é ao mesmo tempo arrogante e perfeccionista. Ele não tem certeza que é o melhor MC do mundo, mas acredita piamente que é. Essa característica típicamente americana da competitividade faz com que ele misture o esforço imposto pelo ego com muito trabalho, e só lance algo novo quando tem certeza que ninguém pode batê-lo. As vezes ele acerta, outras erra feio.
Errou muito mais nas suas atitudes do que na música. Trocou farpas com George W. Bush, subiu no palco do VMA’s para protestar de maneira ridícula por duas vezes (uma em 2006 na premiação europeia e outra em 2009 no caso Taylor Swift), entre tantas outras burradas feitas no impulso, claramente coisas de alguém afetado pelo excesso de perseguição da mídia misturado à megalomania temperada pela insegurança. (Pô, o cara colocou diamantes no dente!). Tudo isso aliado à sua personalidade egocêntrica faz com que Kanye West não seja o cara mais admirável, ainda mais aqui no Brasil, que possui uma postura completamente diferente no tratamento ao hip-hop (nem cabe aqui citar motivos, basicamente a coisa lá é infinitamente mais mainstream, envolvendo milhares de fatores e dólares).
E tudo isso está em “My Beautiful Dark Twisted Fantasy”. O perfeccionismo deu resultado e gerou um grande disco. A produção é incrivelmente original – o rapper tem certeza que está trabalhando com sua arte como Picasso molhava pincéis na paleta de cores. O disco é o mais glamuroso e excessivo álbum que ele já fez, várias participações, músicas longas, efeitos, sons, camadas, detalhes, ele tenta tudo. Por isso mesmo é que o álbum representa muito bem o homem. É como se essa certeza que ele tem de que é o melhor artista da atualidade transformasse o álbum em algo massivo – se a capa pingasse ouro, o CD fosse de mármore e pago pela igreja talvez ele finalmente estivesse satisfeito. As varias versões de capas são um exemplo dessa loucura toda:
O fato de a maioria das faixas já terem sido divulgados na série G.O.O.D. Friday’s ou no curta (de 34 minutos!) para a música “Runaway”, não diluiu o produto final, que possui versões mais bem finalizadas para serem apreciadas como ele deseja: uma obra de arte com início meio e fim. Por mais pop que ele já seja, o álbum não é tão radiofônico quanto se possa imaginar. Talvez “All Of The Lights” com participação de Rihanna seja a principal excessão, com a ótima sacada dos metais na abertura e uma batida furiosa.
Porém, em termos de participação feminina, a melhor delas fica com Nicki Minaj em “Monster”, que quebrou tudo ao lado de Rick Ross, Bon Iver e Jay-Z. O Rockafella man também aparece em “So Appalled” e recentemente se rasgou em elogios à West, indicando que o EP programado pelos dois em parceria para o ano que vem pode se tornar um álbum completo. O clima das produções é realmente o mais “dark” da carreira de Kanye, com bases obscuras e cheio de longos “outtros” (finais de música), uma prova da sua capacidade de produção ao manter tudo isso interessante e com sentido.
Pra quem gosta da coisa, o site Fakeshoredrive.com separou a lista de samples do disco e colocou-as para download aqui. Confere:
01 Mike Oldfield – “In High Places” (Dark Fantasy)
02 The Turtles – “You Showed Me” (Gorgeous)
03 Cold Grits – “It’s Your Thing” (Power)
04 King Crimson – “21st Century Schizoid Man” (Power)
05 Continent No. 6 – “Afromerica” (Power)
06 Manfred Mann’s Earth Band – “You” (So Appalled)
07 Smokey Robinson – ‘Will You Still Love Me Tomorrow” (Devil In A New Dress)
08 Pete Rock & C.L. Smooth – “The Basment” (Runaway)
09 The Mojo Men – “She’s My Baby” (Hell Of A Life)
10 Black Sabbath – “Iron Man” (Hell Of A Life)
11 Aphex Twin – “Avril 14th” (Blame Game)
12 Bon Iver – “Woods” (Lost In The World)
13 Manu Dibango – “Soul Makossa” (Lost In The World)
14 Lyn Collins – “Think” (Lost In The World)
15 Gil-Scott Heron – “Comment #1? (Lost In The World)
16 Backyard Heavies – “Expo ’83? (Runaway)
17 Tony Joe White – “Stud-Spider” (Hell Of A Life)
Algumas faixas extras vão cair logo logo na Itunes Store, como essa com Big Sean, Charlie Wilson & Beyonce:
O disco está solto por aí, escute e comprove. Ou continue odiando-o.