Entrevista | Playing For Change e a world music de verdade

16/12/2015

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Heinz Boesing

Por: Heinz Boesing

Fotos: Divulgação

16/12/2015

“Por um mundo melhor”. Quantas vezes você já se deparou com essa frase? E vinda de quantas pessoas diferentes? Por mais que as intenções de cada um que a proferiu sejam boas, muitas vezes elas não saem do papel, ou melhor, da cuca. Não passam a fronteira do pensamento e, assim como o eco perde força, se esvaem antes mesmo de se tornarem tangíveis.

Claro que para o mundo se tornar um lugar melhor temos que botar a mão na massa. Agir. E agir através da música foi a forma que o cofundador do Playing For Change, Mark Johnson, encontrou para tornar esse sonho realidade. Para ele, a música é muito mais do que apenas diversão, é a resposta para resgatar a essência da humanidade e, de fato, tornar o mundo um lugar melhor para todos.

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Mark Johnson ao centro, cortesia Playing For Change.

Há 10 anos, ele e Whitney Kroenke, cofundadora do projeto, criaram o conceito de interpretações colaborativas chamado Songs Around the World. A primeira faixa foi tocada por 35 músicos, de 10 países diferentes. Nenhum deles se conhecia pessoalmente, mas estavam juntos por uma causa. A música era “Stand By Me”, de Benjamin Earl King, e acabou se tornando um dos hinos do projeto.

O projeto também conta com a Fundação Playing For Change, que oferece aulas gratuitas de dança, música e línguas. Atualmente, a iniciativa tem nove escolas e programas espalhados pela América do Sul, Gana, Mali, Ruanda, Nepal e Tailândia. O resultado? Mais de 700 crianças participam das aulas culturais e artísticas, dadas por professores locais. A Fundação também ajuda a sociedade na qual está inserida, contribuindo com as necessidades básicas, como comida, água potável, remédios, roupas, livros, materiais escolares, energia solar e computadores. Mais de 15 mil pessoas foram impactadas pelas ações do grupo, trazendo melhorias e mais qualidade de vida para as pessoas e comunidade.

Mark percebeu no Brasil uma imensa energia e reciprocidade do povo com o Playing For Change e seus ideais. Desde a primeira vez que o grupo aterrissou em terras tupiniquins, reconheceu a força e hospitalidade do público. Por isso, resolveu gravar um CD e DVD por aqui, mais precisamente no Teatro Ópera de Arame, em Curitiba. Composta por 10 faixas, a obra intitulada “Live in Brazil” foi criada para celebrar essa união entre o PFC e o nosso país, cravando definitivamente a bandeira Playing For Change no país. O show na capital paranaense foi uma forma de angariar fundos para a construção da primeira escola por aqui.

Trocamos uma ideia com o cofundador do projeto logo após o lançamento de “Live in Brazil”.

De que forma o Brasil contribui com o Playing For Change para unir as pessoas através da música? Houve uma grande aceitação da causa do grupo por aqui, foi por isso que vocês gravaram “Live in Brazil”?
Certo. Porque o Brasil é um país que sempre abriu o seu coração para o projeto Playing For Change. E eu sinto que a cultura, música, ritmo e alegria são parte do sangue do brasileiro. E você pode sentir isso. Então, quando trazemos o Playing For Change, seja o Songs Around The World ou a banda Playing For Change, a gente sempre tem uma forte conexão com esse povo. Para esse novo álbum ao vivo, queríamos fazer algo realmente especial, no Brasil. Nós reunimos a maior e melhor banda do PFC que a gente já montou para que eles tocassem em Curitiba, na Teatro Ópera de Arame. Esse concerto tinha que ser gravado e filmado para CD e DVD já que 100% da renda do show era para construir a primeira Escola de Música Playing For Change no Brasil. Então, esse realmente foi um evento especial por muitas razões. E foi ótimo celebrar isso com o povo brasileiro.

Muito legal da parte de vocês ter essas iniciativas!
É um projeto lindo e temos muitas escolas de música ao redor do planeta. Então, agora conectaremos as crianças do Brasil com as crianças que moram na África, na Ásia. A ideia é possibilitá-las de ver o mundo através da música e da arte. É isso que eu amo, sempre foi sobre a música, o projeto sempre foi sobre a alma. E sobre conectar a humanidade. E eu sinto que a gente tem uma ótima conexão com o Brasil, porque eles sabem que música é mais do que apenas entretenimento, é importante e é algo para se acreditar.

Ficamos felizes em saber que você e o PFC tem essa visão sobre o brasileiro.
Nesse álbum a gente tinha 12 músicos no palco, de 10 países. E a gente também tinha um grande músico do Brasil, o nome dele é Paulo Heman. Ele toca instrumentos de percussão, tocou no álbum inteiro. Foi ótimo incluir um músico brasileiro no palco.

Como foi feita a seleção das músicas do concerto? Elas vão dos blues ao reggae, de autorais aos covers. A variedade de estilos na escolha do repertório representa essa união de diferentes culturas que o PFC quer disseminar no mundo?
Exatamente. Porque, antes de tudo, é uma ótimo ter músicos de diferentes culturas tocando, pois conseguimos misturar estilos. Então tem reggae, blues, soul music com salsa, rumba e zulu music… E é aí que você cria algo novo. Você sabe, “world music”, é quando o mundo toca música junto, é quando você tem algo realmente especial. São muitos talentos de diferentes culturas musicais se fundindo no palco. Para mim, é isso que faz esses shows e a banda Playing For Change tão especiais. É completamente novo. Um novo jeito de conectar todos esses estilos e tantas pessoas. O nosso repertório é uma mistura das mais familiarizadas, como Stand by Me e A Change Is Gonna Come, são hinos para o projeto, pois elas falam direto ao coração e sobre o que é o projeto. A gente também quer que as pessoas escutem e entendam a música do Congo, por isso tocamos faixas como “Matinda” e “Mokumba”. Também queríamos introduzir a música e cultura da África do Sul, então tocamos “Pata Pata”, do projeto de Miriam Makeba. Esse foi um tipo de mistura. E você conhece o Bob Marley. Ele é uma espécie de herói para o projeto. Por isso, queríamos ao menos honrar ele com uma música, que foi “Get Up Stand Up”. Essa música também compõe o álbum PFC 3: Songs Around The World.

A ideia de unir pessoas de diferentes culturas de forma tão positiva através da música é fascinante. Vocês veem resultados por onde passam? O esforço vale a pena?
É claro! Você sabe, o fogo que acende esse projeto são os olhares das crianças e das pessoas ao redor do mundo. Porque nós todos compartilhamos uma coisa, nós compartilhamos a humanidade. A arte humana. Então, quando cantamos músicas como “Back to Our Roots”, estamos falando em voltar para raízes da humanidade. E é aí que podemos achar as soluções para todos os nossos problemas. Porque nós não somos um povo dividido, somos um povo unido. E, talvez, demore um som de cada vez para chegar até lá. É isso que o projeto sempre representou.

Como os artistas absorvem a transição da rua para o palco e qual a sua reação ao tocar em parceria com grandes nomes como Keith Richards e Robert Plant?
Essa é coisa mais maravilhosa de se ver. Muito desses músicos vêm das ruas, e para eles a possibilidade de participar de uma turnê ao redor do mundo é uma das realizações que me mais me deixa orgulhoso. Porque nós podemos ter todos esses talentos incríveis, uni-los, e mostrar para as pessoas o quão forte nós podemos ser com a música. É ótimo se divertir com ela, mas também é possível mudar o mundo através dela. E esses músicos têm muita convicção, muito talento, então eu realmente acho que eles representam o que a música é. Quando você vê Grandpa Elliot, ele esteve na rua por 60 anos.

Wow! 60 anos?!
Yeah! E agora ele está em turnê mundial. No Brasil, as pessoas o tratavam como se ele fosse o Elvis. As pessoas estavam o agraciando! Ele é cego. E quando eu estava caminhando no meio do público com ele, ele apertava a minha a mão, porque não conseguia acreditar quantas pessoas estavam gritando por ele. Para mim isso é a coisa mais bonita que a música nos mostra. Não importa a sua raça, religião ou sua crença política, pois quando a música toca e você está inspirado, é quando estamos verdadeiramente unidos.

Como vocês identificam os músicos que compõe o grupo? O que todos integrantes têm em comum?
Muitos nós encontramos nas ruas, durante as nossas viagens. Eles tocam em Songs Around The World e é como se nós realmente construíssemos nossa família musical pelo globo. É através das viagens em busca de cada canção, como em “Get Up Stand Up” e “Stand By Me”. E quando encontramos os músicos, a gente conversa com eles para saber como nós podemos nos envolver de outras maneiras. Então, alguns deles se juntam à banda Playing For Change, que está sempre mudando. Fazer parte da banda mostra que você acredita em algo maior do que você. Esse é um projeto livre de ego. Não é o meu projeto ou seu, é o nosso projeto. É isso que a música é, nossa. Todo mundo tem a música, todo mundo! Então, essa é a ideia principal, é ter talentos de diferentes culturas que querem participar e pertencer a algo maior do que eles. Essa é maior qualidade dos membros da banda Playing For Change. Isso é o que aconteceu com Paulo Heman. Ele participou de algumas músicas do PFC 3. A gente conheceu ele em uma favela do Rio de Janeiro, e ele se juntou a nós, tocou na banda e participou de shows. Essa é uma conexão especial.

Gravações PFC 3, cortesia Playing For Change.

Qual a relação da banda com os artistas brasileiros? Quais as parcerias e colaborações que o grupo tem com os artistas locais?
A gente está sempre construindo uma relação com os artistas brasileiros. O que estamos fazendo é viajar até favelas diversas e nos encontrando com diferentes grupos musicais e músicos. E aí nós os adicionamos em Songs Around The World. Eu já estive no Brasil com o grupo em mais de 50 ocasiões, 51… Estamos sempre construindo uma família Playing For Change brasileira e encontrando esses artistas. A gente adoraria colaborar no futuro com Gilberto Gil e Caetano. Seria maravilhoso! E com o Seu Jorge também. Assim como nós também amamos a música underground. Já colaboramos com o artista de rua Kobra. Esse é um projeto das ruas. Então, é importante chegar nas ruas, nas favelas e se reunir com os músicos. Escutar a voz do povo e dar uma voz a eles! Lhes dar um microfone. E o Brasil é um dos países mais legais neste sentido, para ampliar as conexões do Playing for Change.

E vocês também fizeram um trabalho com o grupo AfroReggae. Como foi?
Sim. Eles são uma das nossas inspirações, porque eles conseguem unir e reunir pessoas através da música. E quando fomos visitá-los, eles estavam construindo uma espécie de instalação, no Rio de Janeiro. Com um punho grande apontando para o céu. É um lugar ótimo. Onde as crianças podem aprender música, dança, hip-hop… Enfim, eu realmente estava inspirado com o que eles estavam fazendo. Então, a gente colaborou com eles para um de nossos Songs Around The World, fizemos uma música chamada “Satchita”. A Sandra de Sá também participou conosco. Ela é ótima. A gente filmou e gravou com ela, fomos até as ruas na favela e adicionamos o AfroReggae nos tambores. Foi demais!

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16/12/2015

Heinz Boesing

Heinz Boesing