Psica dá aula de como fazer festival ao reverenciar o território amazônico

08/01/2024

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Por: Thaís Regina

Fotos: Vitoria Leona, Daniel Clemente, Adriely Ferreira, Ana Serrão, Matt Souza e Liliane Moreira

08/01/2024

Ir no Festival Psica é como fazer um amigo. Um festival de música que reúne pessoas do Pará, Maranhão, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e tantos outros estados não poderia ser diferente. De barco, ônibus, moto, avião, às vezes com todos esses meios de transporte combinados, as pessoas se encontram em Belém, capital do Pará, em terra, água e sonoridade amazônica. 

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Da edição de 2022 para 2023, o evento cresceu muito. Em sua 11ª edição, realizada entre 15 e 17 de dezembro do ano passado, a estrutura se despediu do Espaço Náutico Marine Club e ocupou o Mangueirão, como é conhecido o Estádio Olímpico do Pará. Por lá, a organização distribuiu os dois palcos principais em lados opostos do gramado, com a aparelhagem tomando o centro, além de mais dois palcos menores na área de entrada.

Com headliners como Alcione, Jorge Ben, Gaby Amarantos e Viviane Batidão, o Psica se destaca como um festival de música que assume uma responsabilidade com o território em que se apresenta. Assim, a regra do passaporte é singular: são três dias de festival, sendo que o primeiro dia é livre para todo o público e os dois dias seguintes são pagos. O ingresso do passaporte em 2023 era de R$200.

Se na edição de 2022, o primeiro dia do festival utilizava a mesma estrutura dos dias seguintes, no Marine Club, causando certo desconforto com o transporte; em 2023, o primeiro dia de festival ocupou a Cidade Velha, no centro histórico de Belém, espaço que abriga o mercado público Ver-o-peso e, por onde o açaí chega das ilhas até a capital – a discotecagem da Batekoo, inclusive, aconteceu de frente aos barcos e as fileiras incontáveis de sacos de açaí.

Ao marcar presença em um espaço histórico e de efervescência política – é na Cidade Velha que também se localiza o Instituto Iacitata Amazônia Viva, por exemplo, que conecta os belenenses a uma rede de produtores agroecológicos paraenses, de povos indígenas e assentamentos do MST –, o festival disputa a rua como espaço de troca e cultura livre, resgatando também a história da cultura de aparelhagem.

Com um line-up forte no dia gratuito do evento, os shows foram distribuídos em quatro palcos que contornavam a Cidade Velha. A primeira noite foi de Mateus Aleluia, Clube da Guitarrada e da aparelhagem Lendário Rubi e Ouro Negro. Emocionado, Aleluia falou sobre a importância de estar no coração do mundo, a Amazônia, e arrancou lágrimas com sua serena gana de vida.

Já o Clube da Guitarrada, grupo que se reúne mensalmente para retomar repertórios clássicos do gênero e explorar seus trabalhos autorais, fez um show reverencial, em que grandes nomes da guitarrada subiram ao palco, como Aldo Sena, Mestre Curica e Mestre Solano. O show virou um baile, em que era impossível ficar parado, e não raro se ouviam gritos como “minha música” ou “essa é da minha infância”.

Também vale destacar a Amazônia Jazz Band, que elabora uma orquestração de guitarra e bateria elétrica com um robusto naipe de sopro, buscando uma linguagem que some o carimbó ao jazz; junto à Orquestra Som de Pau Oco, Amazônia Jazz Band convidaram mestres e mestras para o palco, homenageando Jucirema Abatazeira, Nazaré do Ó, Lourival Igarapé, Cizico e Nazaré Pereira.

O segundo dia de festival abriu com Azymuth e Odair José, um encontro que retornou ao disco O Filho de José e Maria (1977), além de passar por clássicos do Azymuth. Em lágrimas, Majur fez um espetáculo que entrega sua graduação em Beyoncé e a Gang do Eletro disparou a energia do público do jeito paraense: com muitos fogos, serpentina e fumaça. O destaque da noite foi o show único de Jorge Ben Jor, a apresentação impecável de Don L e os DJs da equipe de aparelhagem de som Tudão Crocodilo – para os íntimos, o Croco. 

Exemplo da entrega diferenciada dos artistas para Belém, Jorge Ben Jor rearranjou todas as músicas de seu repertório para esse show. Entre “Oba, Lá Vem Ela” versão reggae e “Homem da Gravata Florida” em voz e piano, houve espaço para o artista cantar o samba-enredo de 1993 da Salgueiro, “Explode Coração”, uma singela homenagem aos belenenses, cantando “Lá vou eu/ Me levo pelo mar da sedução/ Sou mais um aventureiro/ Rumo ao Rio de Janeiro/ Adeus, Belém do Pará”. “Eu estou todinho arrepiado”, Jorge se desmanchou para o público em “Taj Mahal”.

Don L apresentou possivelmente seu melhor show do ano, pois o artista estava mais solto no palco, dominando um repertório de Caro Vapor / Vida e Veneno de Don L (2013) à Roteiro pra Aïnouz (Vol. 2) (2021). Tudão Crocodilo abriu portas para uma série de homenagens à Gaby Amarantos, vencedora do Grammy Latino de 2023 com o disco Technoshow, que com a bandeira do movimento Amazônia de Pé, subiu em cima da estrutura física do crocodilo para cantar alguns dos seus hits.

No último dia, o destaque foi o show de Alcione, com participação da MC Tha, FBC, Viviane Batidão e a equipe de aparelhagem de som Carabao. Em um show pirofágico, com fogos, chamas, serpentinas, picotes de papel e fumaça, Viviane Batidão coordena dançarinos e segura a atenção do público em uma energia hipnotizante, sempre ansiando por seu próximo movimento.

O show de O AMOR, O PERDÃO E A TECNOLOGIA IRÃO NOS LEVAR PARA OUTRO PLANETA (2023) é o melhor show do rapper até agora. Munido de uma banda excelente, com guitarra, baixo, duas cantoras de backing vocal, bateria, DJ e um naipe de sopro potente, com sax, trompete e trombone, FBC tocou pandeiro enquanto embalava os jovens com “Químico Amor” e “Antissocial”.

Até as músicas mais genéricas do disco, nessa formação, ganharam um charme. Show para botar o mais cético para dançar. Com participação de Nill e Don L, o groove de FBC rendeu até o “Endoida, caralho”, grito de excitação incomparável dos paraenses, que nasceu nas aparelhagens de som e aparece em toda boa festa. Como não endoidar? Depois da melhor versão do último disco do rapper, FBC emendou o repertório de Baile (2021) e saiu do palco atrasado cantarolando Delírios, atendendo ao pedido de bis do público. FBC não queria deixar Belém e, sinceramente, quem quer? É uma cidade que treme jambu, com suas memórias de resistência a cada esquina, envoltas em mormaço que derrete sabor tucupi e tacacá.

Ir no Festival Psica é como fazer um amigo. E toda amizade é um pouco uma paixão. Mas fazer um amigo é uma equação mais complexa do que parece. Ser aberto é fundamental, ter gostos em comum é bom, mas nada disso garante um vínculo; e se você se preocupar demais com como fazer um amigo, você pode perder a melhor parte: a chance de conhecer alguém e escolher essa pessoa enquanto se é escolhido também. O encontro é precioso, oportunidade rara e cara de baixar a guarda e perguntar para alguém que nasceu e cresceu do outro lado deste país continental qual é seu sonho para o Brasil e ver se Brasil é sonho e que sonhos outros são sonhados entre as arquiteturas coloniais e histórias cabanas.

E como são bons os amigos. Ah, ser amigo como Don L e Nego Gallo, que depois de anos do Costa a Costa reuniram-se no palco em Belém do Pará. O Psica é o festival que promove hoje os encontros mais rebeldes e relevantes da juventude brasileira, que quer menos festival de banco e mais bandeiras da Amazônia de Pé durante um show que celebra – e contrata – a cultura popular e local.

É a vez da aparelhagem, da ballroom e do baile funk. “Vocês estão entendendo que agora o estado do Pará tem um Grammy Latino? E a rainha do tecnomelody”, disse Gaby Amarantos em sua participação durante o show de Viviane Batidão. “Esses são movimentos comandados por mulheres, movimentos que o Brasil ainda precisa conhecer. É a nossa vez mais uma vez”, arrematou.

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08/01/2024

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Thaís Regina