Dúvidas e certezas no 1º show do “Costa do Marfim”

13/10/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

13/10/2014

Fotos: Lucas Neves

Reinventar a si mesmo. Não foram poucos os artistas que se perderam na trilha que leva até a reconstrução da própria arte. O risco é alto, mas esse é o caminho natural de uma banda que se propõe a crescer sem parar no tempo. Seria leviano da minha parte dizer se a Cachorro Grande conseguirá consolidar perante o grande público a ruptura que apresentou no disco Costa Do Marfim, cujo lançamento oficial aconteceu no bar Opinião, em Porto Alegre, no último dia 9… Mas o que se pode dizer sem medo de errar é que a banda realmente mudou.

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Enquanto procurava meu lugar na plateia, lembrei da viagem que fiz com a banda, quando eles falaram como estavam tentando mudar seu som há alguns anos e que só conseguiram fazer isso agora. Fiquei em um canto e vi que o show estava sendo um ponto de encontro da classe artística da cidade: Fred Chernobyl, Gustavo Telles, o pessoal da Dingo Bells, Maurício Chaise e o produtor do álbum Edu K espremiam-se entre ombros e copos de cerveja para ver como a Cachorro se sairia. Às 23h25, a banda entrou no palco e dava para sentir no ar a curiosidade de quem não fazia ideia do que esperar daquela noite.

Cachorro Grande Costa do Marfim 1

Beto, Gross, Rodolfo, Pelotas e Boizinho assumiram seus postos vestidos de forma extravagante, trocando os terninhos por casacos felpudos e camisas estampadas, enquanto soava alto “Costa Do Marfim”, a vinheta instrumental que abre o disco. Sem delongas, começaram a tocar “Nuvens de Fumaça” e “Eu não vou mudar” – faixas novas que muitos ali nunca tinham ouvido. Não deixou de ser uma surpresa ver um núcleo de fãs no meio da pista que sabiam cantar as letras novas demonstrando franca alegria desde o primeiro grito de Beto.

Cachorro Grande Costa do Marfim 2

A maioria que não conhecia as novidades aproveitou para mergulhar na estrutura audiovisual gigante que estava montada. Uma parede de telas fechava completamente o fundo do palco e, durante o show todo, ficaram passando ali imagens retrôs e psicodélicas: padrões geométricos-flechas-mandalas-filmes orientais-gueixas-desenhos animados-cenas de família-super 8-Cachorro Grande dançando… Os telões eram um show à parte que, por mais incrível que fosse (aliás, justamente por isso) fazia qualquer um ficar em dúvida se olhava pros músicos ou para as telas.

Os aplausos vieram fortes, mas com aquela ponta de incerteza de quem aplaude mais pela banda em si do que pela música. Na sequência, vieram “Crispian Mills” (cantada pelo Rodolfo), “Use o assento pra flutuar”, “Eu quis jogar” (cantada pelo Gross) e “O que vai ser”. Foram apenas sete músicas das onze novas e, lamentavelmente, ficaram de fora do repertório as faixas que apresentam um rompimento mais ousado entre os discos anteriores da banda, como as experimentais “Nós vamos fazer você se ligar” e “Torpor Partes 2 & 5”, que tem cerca de 11 e 8 minutos de duração respectivamente. Na verdade, “Torpor” chegou a ser iniciada, mas logo foi emendada com “Que Loucura” na segunda parte do show.

Cachorro Grande Costa do Marfim 3

Ouvindo a Cachorro Grande hoje, fiquei tentado a considerar as letras novas como um retrato de como o grupo está se sentindo. Se analisarmos alguns versos, veremos que a banda aparente estar com um pé no passado e outro no futuro – e tão ansiosa quanto o seu público sobre esse processo. “Nuvens de Fumaça”, por exemplo, é uma faixa legal, mas que fala da mesma embriaguez narcótica que o grupo já cantou em muitas músicas ao longo dos anos. “Use o assento pra flutuar” é mais forte, até por trazer versos que parecem mostrar o receio natural de alguém que está se lançando no escuro sem saber onde vai parar: “Complicado, o que eu posso fazer? / Preocupado, com medo te perder”, “Quanto tempo você acha que isso vai durar? / Quanto tempo você acha que eu vou aguentar?”. Já “Eu não vou mudar”, onde Beto explora uma forma de cantar bem diferente, é uma música que soa como uma revolta à parcela do público que exige da banda aquela inércia que só leva a mais do mesmo: “Eu quero sonhar mas não com você / E sempre acordar podendo pensar / No que eu vou fazer” e “Se você não vai ouvir o que estou dizendo / Não quero ficar perto de você/ Eu não aguento”.

Setlist Cachorro Grande Lançamento Costa do Marfim

Por mais interessantes que sejam as músicas novas, é bem sensato ficar em dúvida se o público antigo está disposto a abraçar o novo momento da Cachorro Grande, que está muito mais pra Primal Scream do que The Kinks, muito menos pop-chiclete e mais sombrio. O melhor é que o som deles segue sendo, acima de tudo, muito honesto. Eu não serei carrancudo a ponto de dizer que não me emocionei quando vi casais correrem pra frente do palco e começaram a se beijar aos primeiros acordes de “Sinceramente”. A segunda metade do show foi marcada por grandes sucessos como esse, mas muito mais legal do que ver a banda andando no terreno seguro dos hits é sentir na pele a tensão apaixonante de quem está se arriscando.

Cachorro Grande Costa do Marfim 5

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13/10/2014

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