A apoteose de Mac DeMarco no Balaclava Fest #2

23/11/2015

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Nicolas Henriques

Por: Nicolas Henriques

Fotos: Camila Mazzini

23/11/2015

Num sábado com calendário bem competitivo e ofertas de shows para todos os gostos, de um eterno Morrissey a uma eterna Gal Costa, fui ao Balaclava Fest #2 acompanhar o cultuado som levemente melancólico, irônico, ensolarado porém triste, mas festivo ainda, de Mac DeMarco. Não é fácil classificar o cantor mesmo. Se você pega para ouvir seus riffs de guitarra, a lembrança de um Grateful Dead vem logo a mente, mas suas letras não possuem o ar esperançoso e louco por experiências como muitas do icônico conjunto de Jerry Garcia. Não há espaço para uma Sugar Magnolia ou um Casey Jones. Na verdade, pelas letras, Mac DeMarco é romântico, fofo e quase piegas, poderia até ser brega, mas sua voz preguiçosa, como se tivesse acabado de acordar, carrega certa tristeza. Acredito ser nessa mistura de sentimentos, ora ensolarado, ora sombrio, que encontra-se certo fascínio na figura simpática e caótica de Mac. Ele é uma pessoa que se cria empatia imediata, e sua maneira de agir no palco, entrevistas e canções, sempre inesperado e completamente emocional, confirmam essa figura fantástica, Pã em meio a um panteão de deuses que tocavam na mesma noite. Não tinha como dar errado.

Chegando no Audio Club, que nunca decepciona, fiquei surpreso com a faixa etária dos presentes no festival: pessoal mais novo, entre seus 18 e 22 anos, muitos trajando um estilo neogrunge normcore similar ao próprio modo de Mac, com bonés de posto de gasolina e camisas jeans de brechó amarradas na cintura. Confesso que não sabia da repercussão do artista entre as pessoas mais novas, e fiquei muito feliz de ver isso, pois achava que seu som atrairia saudosos e nostálgicos. Acreditava, na verdade, que eu seria um dos mais novos ali. Ver que seu som possui algo de novo é algo curioso pra mim, ainda mais por enxergar tantas características mais oitentistas e noventistas em suas canções. Massa.

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Quando cheguei, levemente atrasado, estava terminando o show de Mahmed, o qual pude acompanhar uma única música apenas. Som etéreo e onírico, um instrumental bem arranjado que nos faz ter vontade de ouvir deitado na sala, viajando, tranquilo. Após a banda potiguar, chegou a vez dos paulistas do Terno-Rei, com seu dream pop que flerta com um post-rock e certa sonoridade brasileira. É um som contemplativo, que leva a um estado mais de torpor. Se as músicas pudessem ser relevos topográficos, Terno-Rei está para a depressão, com um som que te coloca em um estado de terra abaixo do mar (uma grande loucura conceitual em si mesmo), enquanto Mac DeMarco é da ordem do vulcão. É uma combinação interessante, que são opostas, mas complementares. Ouvindo Terno-Rei você conseguia se acalmar e chegar num estado mais tranquilo, quase anestesiado, para depois explodir no show seguinte.

Quando chega a vez de Mac DeMarco, a plateia está ansiosa e começa a ovacionar e aplaudir cada roadie que ajeita um microfone. Uma música épica, meio new age, meio trilha sonora de cinema dolby surround, anuncia a chegada da banda, que é aplaudida ininterruptamente. Com um macacão de caçador camuflado, com apenas um lado preso, Mac entra no palco e apresenta a banda, formada por Andrew Charles White (guitarra), Pierce McGarry (baixo), Joe McMurray (bateria) e Jon Lent (teclado), de maneira carismática e falando em alta rotação, já insinuando o frenesi que será o show. Pede, por fim, para toda a plateia se sentir confortável, antes de começar o riff deadheadístico de “The Way You’d Love Her”. A plateia vai abaixo, mas nem bem a música acaba, o cantor mostra que o show dançará por todos seus álbuns e começa “Salad Days”, com luzes rosas deixando o clima em certa psicodelia sexy, como se estivéssemos presenciando a trilha sonora de um motel intergalático de um sonho qualquer de David Lynch. Na verdade, essa luz se intensificou em “No Other Heart”, com os lasers verdes dos seguranças da casa, um laser X9 que denuncia qualquer tentativa da galera curtir um pouco mais o show. Essa luz catalisada e misturada gerou aquilo que podemos chamar de um som cósmico casual, como se as canções do cantor servissem de mantra diário para entrar em uma nova frequência de vida, mais desapegada, tranquila e de boa.

Parece que cada segundo que pirava e deixava de prestar atenção no show, algo novo acontecia. A banda inteira é muito carismática, movendo-se pra cima e pra baixo, agradecendo cada canção e interagindo com a plateia de uma maneira muito humana, quase horizontal, sem levar em conta que ali eles são os donos da noite. Posso estar viajando, mas me pareceu uma nova forma de relação entre pessoas onde, não importa quem você seja, todos podem ser tratados mais como iguais. Enquanto entrava nessas pequenas digressões lisérgicas, o riff de guitarra de suave dedilhar de “The Stars Keep on Calling My Name” atravessara meus ouvidos, enquanto luzes azuis oceanos penetraram minhas retinas, atingindo meu hipotálamo e minha perna não conseguia mais parar de mexer. Parecia que estava prestes a ter uma epifania, quando a fumaça no palco torna a luz verde difusa e “Another One”, balada triste sobre o fim do amor e a troca de objeto amoroso pela pessoa amada. Mac mesmo, em uma performance que mostra ciente ele não ser o tal para sua amada, pega uma máscara assustadora e faz uma dança meio de gueixa saída de algum clipe do Aphex Twin.

As luzes azuis que nos levam a submergir a mares internos continuam com “Cooking Up Something Good”. Preciso ir ao banheiro e, enquanto estou lá, bate em mim o som viciante e moroso de “Ode to Viceroy”, esse som feérico suburbano, que não vem das florestas, mas da praia e das cidades, como se cada prédio pudesse ser, no futuro, entes que conversam com você em meio a um ambiente fantástico. Todas as musicas de Mac são fáceis. Completamente transáveis, com riffs pegajosos e gostosos, mas também são músicas de karaokê, que dá vontade de cantar junto. É um novo easy listening do rock. Nesse momento chegou até rolar uma microfonia e ninguém ligou, porque seu som orna com certo clima lo-fi e amador. Começou “Without Me”, que, ao fim, o cantor grita um “oh, baby!” e o som passa para um ska um pouco mais dançante, lembrando um The Police (ou Paralamas), meio diferente do som usual do artista. É uma versão exclusiva para o show de “Let Her Go”. A mudança de tempo e ritmo é benéfica pra música. Faz um contraponto a letra quase zen de desapego.

O clima de ska e reggae continuou no show pela próxima música, a deliciosa “Just to Put Me Down”, que contou com a luz mais bonita que já vi em algum show: do azul ao amarelo, lembrando pequenos lápiz unidos gerando uma espécie de fragmentação do amanhecer, na qual, através de algum efeito, pudéssemos ver todas as pequenas cores e nuances que compõe o início de um dia. Eram oito focos de luzes, que dançavam circularmente, tal qual uma ciranda de anjos. A luz na canção seguinte fez o contraponto do amanhecer, e tal qual um entardecer, ou um lápis de madeira com sete cores em um, típico de escolas construtivistas, em tons mais terrosos, entra “A Heart Like Hers”. Percebi ali algo que já tinha ouvido falar de outros músicos, na qual o timing, o swing, o mojo, é tão ou mais importante que a técnica. Música é feeling. E carisma ajuda muito na construção do feeling, pois a banda inteira é carismática e faz piada com os patrocinadores da casa de show, no caso, uma marca de energético.

A música a seguir é uma ode ao Grateful Dead, com um riff que consegue lembrar todos os dedilhados da banda californiana. “Freakin’ Out The Neighborhood” mexe com a plateia, que não consegue parar de cantar ou de fazer suas próprias versões de air guitar, contorcendo-se com os agudos que Andrew Charles White constroi ao longo da canção. Em uma forma de agradecimento irônico a plateia presente, a banda joga meias sujas de shows anteriores para seus fãs. Tudo é irônico. Tudo tem uma tirada, mas não é de maneira pejorativa. É aquela coisa legal e engraçada, que você não se sente alvo da piada, mas um participante de um chiste para com o mundo. Entra “I’ve Been Waiting For Her”, cantado com um refrão exagerado, agudo, engraçado, tudo é exagerado na música, a ponto de quem um cara, ao meu lado, também entra em movimento catártico e começa a dançar break ao meu lado. Senti-me numa espécie de festa de fraternidade sem os babacas quarterbacks. Só o clima maneiro. Uma kapha kapha phi hipster, no bom sentido.

Já encantado com a figura de Mac, entra minha música favorita, com luzes rosas para coroar o seu som um tanto quanto vaporwave nada barato. O teclado sinistro e a forma como a canção é levada, que lembra de certa forma “Contato Com o Mundo Racional”, de Tim Maia, faz-nos voltar a nossas próprias câmaras de reflexão. Essa música é um VHS antigo dos anos 90 transformado em sonoridade pura. Coisa fina. Essa música também me lembra outro grande cantor dessa geração, Connan Mockasin, que é outro que parece sempre estar tirando onda com você, fazendo um som que quase não dá para ser levado a sério, mas a qualidade das canções mostra que estamos errados em duvidar de qualquer coisa que seja.

Entra, para fechar o show, “Still Together”. Ele manda agudos meio tirolês com um baixo pesado que parece travar tudo um berro de um bode no monte. Ou buzina de um caminhão. A música se estende num jam gigantesco e absurdo, repleto de referências. Um triângulo roxo e azul no meio do palco aparece por cinco segundo, parece código de uma seita secreta. O teclado fica tocando sons cósmicos. Mac está no chão, contorcendo-se. Dá vontade de entrar nesse jam de corpo e alma, de transmutar-se em cada um dos instrumentos e ser aquilo; de comer a guitarra, bateria, baixo e teclado e começar a tocar tudo com meus sentidos; meu olho começar a tremer como se fossem bumbos, minhas mãos tremelicaram tal qual guitarra. O longo jam volta a lembrar Connan Mockasin com “Forepher Dolvin Love”, música que é uma união de sons e estilos e universos. Mac pula na platéia na hora que a guitarra começa a ficar mais pesada. Luzes roxas e brancas pulsantes causariam convulsões em alguns. Guitarra solando e Mac está entre o público. Luzes trocam para o azul e prateado. Banda continua solando, agora um “Sweet Child O’ Mine”. Mac se engancha nos pilares do Audio e começa a escalar a barreira de proteção do segundo andar, enganchando-se ali e se jogando do alto da galera, num ato de confiança e entrega completa ao espetáculo, ao show, à plateia. A música continua, o show quase acaba.

O pessoal começa a ir embora, os equipamentos são tirados, parece que vai acabar. Mas a banda volta e recoloca os microfones. São duas horas da manhã, uma hora e quinze de show já tinham se passado, quando Mac DeMarco e companhia voltam para um maravilhoso cover punk indie metaleiro de “Enter Sandman”, do Metallica. Mac grita, parecendo um Iggy Pop vindo do inferno. Uma cacofonia lembra o apocalipse. Seria o fim dos tempos ou o fim do show apenas? Não dá para saber. Tudo acaba e se faz silêncio. Mac é ovacionado. Esse som do final é um amálgama de que o rock talvez tenha acabado mesmo, todas as referências se misturam num fim de som sem sentido e sem necessidade de se rotular em gêneros. E a sensação que passa é que, se de fato o gênero acabou, seu mais novo rei está pouco se fodendo pra isso.

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Com o fim do show do Mac DeMarco, atônito, me dirigi ao palco menor para acompanhar o pequeno show do Séculos Apaixonados, banda excelente, com Gabriel Guerra, nosso improvável Mac DeMarco, destilando seu carisma em piadas e canções únicas, com letras poderosas e uma apresentação impecável que fez todo mundo dançar o estranho caldeirão de referências bregas da banda carioca. Grande fim de noite.

No ano passado, Mac DeMarco passou por aqui e a NOIZE levou ele num parquinho pra fazer um som. Veja como foi essa pira:

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23/11/2015

Sou pesquisador e escrevo resenhas de shows pagando de crítico musical porque gosto muito de música e minha verdadeira intenção era ser multi-instrumentista ou vocalista de alguma banda. O problema é que falta habilidade para tocar até campainhas mais complexas e meu alcance vocálico lembra uma taquara rachada.
Nicolas Henriques

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