Real Estate e o som que traz um conforto, apesar de tudo

24/11/2014

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Por: Revista NOIZE

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24/11/2014

Fotos: Mina Warchavchik e Fabio Junior

Real Estate é uma ótima “banda pôr do sol”: o som é simples, gostosinho de ouvir como o crepúsculo na passagem do verão para o outono, quando a brisa fresca já começa a dar suas caras, embora o calor continue, mais manso, é verdade, mas sem nos deixar despreparados para uma virada brusca na temperatura. Pores do sol assim são os mais gostosos para se passar acompanhado. Envolver no abraço a pessoa amada como uma foto brega do Getty Images, sentar em uma canga e ficar ali, tranquilo, sem grandes pretensões enquanto o sol não sumir completamente de vista. Em cima de toda essa despretensão levemente brega, algumas reflexões sobre o futuro surgem misturados com passado e presente. O que parece meio piegas e morno vai se revelando complexo, desnudando camadas de interpretação, e aquele outrora singelo céu laranja e rosa passa a ser também um campo de exploração interna. A pessoa ao seu lado passa pelo mesmo processo silencioso. Assim como naquela metáfora do rio, os indivíduos daquele casal não serão mais os mesmos após um belo pôr do sol, mais unidos sem nem saberem porque. Em toda aparente simplicidade da situação, maturidade e aprendizado. Pode ser que seja só comigo, mas tenho essa sensação quando ouço o Real Estate. Quando soube que eles fariam um show aqui, fiquei muito ansioso para ouvir esse fim de tarde e entender se tudo que eu já havia sentido ouvindo-os antes era possível apenas no álbum, tornando-os uma foto de pôr do sol de karaokê dos anos 80, ou não, algo mais real e consistente.

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As duas bandas escolhidas para abrir o show, Quarto Negro e Câmera, faziam um som amarradinho, puxado em referências do indie dos anos 90, como Pavement e Sonic Youth, e do post-rock do Mogwai. Deu para ir se aclimatando ao gelo que o Beco estava, como normalmente acontece em casas de show mais vazias. Pelos atrasos, já deu para ver que o show do Real Estate não começaria pontualmente às dez nem com reza brava, mas poderia ter atrasado menos por um único motivo: após as bandas, o DJ set que entrou descalibrou completamente o clima do lugar, colocando umas músicas que nada tinham a ver com o pôr do sol real-estatiano. Não sei vocês, mas acho que, na noite de um show específico, todos os artistas que vão se apresentar antes ou depois devem estabelecer certo diálogo com a atração principal. As duas bandas de abertura tinham alguma ressonância com o Real Estate, mas o DJ dava uma pequena miada no rolê. Uma hora e pouco depois do prometido, lá pelas onze e qualquer coisa, os cinco integrantes da banda de Nova Jérsei subiram ao palco, aliviando parte da plateia.

Real State em SP 06

Fiquei à direita do palco, de frente para Alex Bleeker, o baixista e carismático líder da banda. Era ele quem mais falava com a plateia, agradecia profundamente o Brasil, falando o quanto estava amando o país, as pessoas e toda a energia do lugar. Um fofo, e ainda mais porque não soavam forçados seus elogios; ele, assim como todos os outros membros da banda, não possuem aquela aura de rockstar de arena que sempre está com o treinamento de mídia na ponta da língua ou apenas quer causar sendo excessivamente simpático ou blasé. Era uma simpatia madura e contida, típica de quem está realmente satisfeito com o que está vivendo, mas que não é muito bom em demonstrar todo o carinho. Martin Courtney, o vocalista principal da banda, também conversava com a plateia, pedindo desculpas pelo som abafado da casa. A culpa não era da banda. O Beco que não é lá o melhor lugar para shows aqui em São Paulo. Lembro de um show do Gogol Bordello que o som parecia sair de dentro de uma concha encontrada no mar. Após afinarem os instrumentos, checarem o som e acertar uma ou outra microfonia, a banda começou. E, sem brincadeira, já tacou “Had to Hear” para a plateia ir abaixo.

“Had to Hear” é daquelas músicas que melhor definiram Atlas (2014), o excelente último álbum do Real Estate (dos melhores do ano). A pegada fim de verão onírico, o som do pôr do sol, a letra com uma pequena psicodelia melancólica, o finalzinho instrumental. A música encaixadinha. É uma música difícil para eu ouvir, embora a ame. Lembro de uma mensagem de voz que fiz imitando as dedilhadas de Matt Mondanile no solo instrumental; quase um minuto de uma tentativa patética de parecer uma guitarra sendo enviada sem o menor constrangimento. Procurei a torto e a direito essa mensagem de voz e não achei. Lembrei que muitas mensagens de voz meu celular não mandava por falta de crédito e 3G horroroso. Fiquei um pouco triste ao notar que essa talvez tenha se perdido, queria colocar aqui porque, por mais terrível que seja minha versão, ela mostra um pouco a pegada da banda: simplicidade, algo que tem um quê de improviso destrambelhado, mas tudo muito bem pensado, com coração, sem enrolação e gostoso de ouvir para quem está recebendo a mensagem. Ouvir “Had to Hear” deu nó na garganta, uma lágrima caiu (ou duas, três, quinze), mas, já dizia Arlindão, o show tem que continuar.

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Embalados pelo começo promissor com a música inicial de Atlas, a segunda a ser tocada ao vivo foi “Past Lives”, também a segunda do álbum, seguida por “Primitive”, a sétima. Como praticamente todas as músicas do Real Estate, o que impera é a calmaria onírica da guitarra suave, da voz levemente distante e do teclado seguro, alicerce para todas as pequenas experimentações da banda. De olhos fechados dá para sentir a brisa fresca do mar, o cheiro salino, uma alegria comezinha. Outra banda que me causa a mesma sensação é o Beach House; mesmo com um som diferente e mais onírico ainda. São bandas que, de alguma forma, o som ressoa e reverbera para além dos ouvidos, num movimento mais centrípeto, tentando encontrar espaço em algo interno. Não chego nem a reparar tanto nas letras, que é geralmente minha forma de internalizar uma música. Fico apenas sentindo aquela repetição leve, progressiva e contínua. Posso estar errado, mas o padrão, a repetição nas músicas do Real Estate é o que torna o som da banda tão gostoso e familiar, algo mais da ordem do mantra, principalmente nas partes instrumentais.

Real State em SP 07

Após as três músicas iniciais, vieram dois hits do álbum anterior, “Green Aisles” e “Easy”, seguido por “Horizon”, de Atlas, e “Beach Comber”, do primeiro álbum da banda, de 2009. Essa transição entre álbuns reforça a questão da consistência do som deles: todas poderiam estar em qualquer lançamento da banda destes últimos cinco anos, e nenhuma soaria antiquada ou vanguarda demais. Mas, ao mesmo tempo, esmiuçando a música, é possível notar o amadurecimento lírico do Real Estate. É uma banda que resolveu mexer pouco, mas sempre, seus álbuns. É uma forma de crescer devagar, orgânico, como planta na natureza; uma banda que não apaga seu passado para começar do zero de uma forma estranha. Sem causar estranheza ou grandes rupturas, vão ampliando seu escopo. A continuação do show foi alternando momentos de todos os álbuns da banda, assim como os vocalistas: Alex Bleeker cantou “How Might I Live”, Matt Mondanile soltou a voz em “All the Same” e Martin Courtney cantou as outras. Sempre simpáticos e elogiando muito a cidade e a plateia, a banda fazia piadas e brincava com todos, menos com o som da casa.

Real State em SP 03

No bis, a banda voltou para duas músicas: “Wonder Years”, do álbum Days, e um excelente cover de “No Other One”, do Weezer, que, na minha opinião, ficou melhor que a original (eita!, sinto que mexi num vespeiro, mas tudo bem), ganhando certo ar melancólico que o Weezer não consegue transmitir tão bem graças ao jeitão mais sarcástico da própria banda.

Em resumo, o Real Estate é uma banda que conseguiu tornar a noite ótima, com um som simples, sem enrolações, simpatia e um bocadinho assim de carimbó & charme. Apesar de todos os problemas que o Beco acabou apresentando na noite. Com bandas boas como o Real Estate, é possível esquecer os problemas do lugar e repetir a ida. Mas, num próximo show deles aqui, vale um novo lugar.

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24/11/2014

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