No último fim de semana, o festival Vaca Amarela 2015 levou 45 shows para o Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia. O line up dos três dias revelou um evento focado na diversidade de estilos, indo além do rótulo de “festival de rock”. A 14ª edição do evento mostrou ainda que é preciso reforçar as discussões em relação à forma de realização de eventos do tipo, à valorização dos espaços culturais da cidade e, principalmente, da cena musical independente do país.
Foram montados dois palcos, um ao lado do outro, o que evitou a correria de quem queria/precisava acompanhar todos os shows. O imenso centro cultural estava organizado de forma que não foram criadas grandes distrações; nada de rodas gigantes ou lounge “baladinha” com DJ sets. O negócio ali era assistir show. Talvez esse seja um dos motivos do pouco público nos horários iniciais, principalmente nos dois primeiros dias. Estandes de lojas, bares e uma área de alimentação organizados cuidaram de ocupar o restante do espaço.
Mas a sexta-feira de Vaca Amarela começou antes da abertura dos portões do CCON. Durante o dia rolou a Desconferência, um momento reservado para se falar sobre diferentes assuntos em relação à produção musical independente do país. Entre os convidados das rodas de conversa estavam produtores, artistas e demais interessados, promovendo uma troca de ideias e de ações, já que nem só de shows se vive um festival.
4 de setembro
O primeiro dia teve Emicida como atração principal, pouquíssimo tempo depois do lançamento de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015), seu segundo disco. Mas o restante da programação conseguiu cumprir o papel de destacar um pouco do que vem sido feito musicalmente no país, dando espaço para novos e não-tão-novos artistas.
A abertura ficou por conta das pratas da casa. Meio Termo deu o start, seguido de Components e Chá de Gim, que chamou a atenção de quem já estava por ali com seu desenvolto e curioso vocalista. Stefanini subiu ao palco meio tímido, meio nervoso, com o repertório do seu primeiro EP Onde, que já rendeu abertura para o show da dinamarquesa MØ, em São Paulo. As batidas eletrônicas, o teclado e os sintetizadores já anunciavam que o rock não dominaria a programação.
Entre os destaques dos novos nomes goianos está a Luziluzia, banda que é metade Boogarins (com Raphael Vaz no vocal e baixo e Benke Ferraz na guitarra) e metade Carne Doce (Ricardo Machado na bateria e João Victor na guitarra). Além de músicas do primeiro álbum Come On Feel the Riverbreeze, lançado no ano passado pela Balaclava Records, o grupo tocou uma faixa inédita depois de pedidos por “Polinesia”. “Vai ter música nova, que é bem melhor”, retrucou o vocalista. Logo depois, o projeto João Canta Brandão começava no palco ao lado.
A Baleia quebrou a onda goiana da noite apresentando o Quebra Azul, seu disco de estreia. Apesar de terem o “apresentado” para Goiânia pela primeira vez, o álbum já está completando dois anos. O show corrido talvez não tenha conseguido passar todo o potencial de Quebra Azul – problema comum de festivais, que disponibilizam pouco tempo para cada banda. Já era de se esperar. Eles tocaram uma faixa inédita, prévia do próximo disco – que tem previsão de sair no início de outubro – e a correria e alguns problemas com o som foram superados. Quase toda a plateia teve a atenção roubada naquele momento. Também do Rio de Janeiro, a Hell Oh! apresentou seu indie rock cheio de referências evidentes.
Os quatro últimos shows da primeira noite de Vaca Amarela mereceram o destaque que tiveram na programação. O Inky, de São Paulo, mostrou versões estendidas de faixas do Primal Swag (2014), primeiro disco do grupo, que é liderado por Luiza Pereira no vocal e sintetizadores. O baixista Guilherme Silva também assume o microfone em algumas músicas.
Em seguida começava O Terno, queridinho entre os novos nomes da música brasileira, com suas referências sessenta e setentistas. Também em 2014 lançaram um disco homônimo, o segundo da carreira, seguinte ao 66 (2012). A plateia cantando junto com Tim Bernardes em algumas faixas e as experimentações no palco fizeram a apresentação ser memorável.
Outro ponto alto da noite foi a Carne Doce, que carregou a responsabilidade de ser o penúltimo show. A desenvoltura e energia transmitidas do palco Daniel Belleza se devem, principalmente, pela vocalista Salma Jô, que já se tornou uma espécia de diva do público local. Os elogios a ela são gritados a todo momento da plateia, que vem crescendo e se tornando fiel – algumas figuras dali são presença certa em shows do Carne Doce. O final ficou com “Adoração”, proporcionando um êxtase geral.
O mais esperado show da noite começou agressivo e forte, assim como o Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. Emicida foi o primeiro representante do rap no festival, subindo ao palco encapuzado para apresentar “8”, presente no último disco. A faixa tem samples de “Nego Drama” e “Quanto Vale o Show?” do grupo Racionais MC’s, uma homenagem aos “reis” do rap nacional. Teve também uma saudação a Caetano Veloso com “Haiti” e hits de O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui mesclados a músicas novas como “Boa Esperança”, “Mãe” e “Passarinho” – que teve a guitarrista Anna Tréa substituindo Vanessa da Mata nos vocais. Depois de voltar ao palco para um bis, Emicida terminou a noite com “Salve Black”, que também encerra o novo disco.
5 de setembro
O segundo dia de Vaca Amarela começou mais cedo, com muito sol, às 16h. A Skavarone abriu o sábado, que teve Tulipa Ruiz como show principal. Gasper e o grupo O Clann representaram o rap na programação, que incluía o som psicodélico da Peixefante e os já conhecidos de outros carnavais da banda Dry, que se destacaram entre as apresentações iniciais.
Ainda na onda de se misturar diferentes sonoridades num mesmo dia entrou Lei di Dai, conhecida – e apresentada por ela mesma – como “a rainha do Dancehall” brasileiro. Dividindo o palco com dançarinos que não pararam por um minuto, ela conseguiu descontrair a plateia. “Dança aí, pra eu saber que você tá curtindo”, ela gritou – apontando pra mim, que (ainda) não tinha entrado na vibe. O hard rock de The Muddy Brothers ficou entre as batidas de Lei di Dai e o funk da carioca Deize Tigrona, com suas letras escrachadas e batidas tradicionais do estilo.
A Violins é uma das bandas goianas que mais era esperada pelo público de sábado. Desde 2001 na estrada, os integrantes anunciaram o hiato há pouco mais de dois anos, realizando raras apresentações que atraem os antigos e novos fãs. O power trio Overfuzz foi a última banda local da noite, com destaque para a performance do baterista Victor.
Entre estes dois grupos da casa esteve a espanhola Indee Styla, que conquistou os presentes pelo carisma. “Estou me expressando como posso, mas vocês entenderam, né?”, perguntou após tentar conversar com a plateia em portugês. Ela mostrou suas habilidades de dançarina em meio às batidas eletrônicas cheias de influências como hip hop, dancehall e rap.
O penúltimo show ficou com o rapper Síntese, que se apresentou com o Projetonave. Com letras carregadas de espiritualidade, ele foi convidado a se apresentar ao lado do grupo após participar do projeto Nasbase, em que MCs se juntam ao Projetonave em sessões de improvisação. Já passaram por lá Emicida e Flora Matos, por exemplo. Uma fila se formou pra tentar conversar com Neto, o Síntese, depois da apresentação.
O Dancê de Tulipa Ruiz fechou a noite de sábado com a dramaticidade que já estamos acostumados. A ousadia da cantora foi tanta, que ela não cedeu a diversos pedidos de músicas como “Efêmera”, deixando que seu último disco brilhasse. A intensa Tulipa apareceu envolta em um tecido roxo para “Víbora” e “Só Sei Dançar Com Você” teve a tradicional performance enrolada no microfone. Luiz Chagas, seu pai, realiza um show à parte como guitarrista da banda. Quem estava a assistindo pela primeira vez – ou não – ganhou o agradecimento da cantora, que saudou Daniel Belleza – um dos homenageados do festival e que estava na plateia. Por fim, Tulipa chegou ao meio do público deixando muitos cantarem no seu microfone. O final ficou com “É”, que foi acompanhada no refrão pela banda e pela plateia.
6 de setembro
O Vaca Amarela chegou ao último dia com o maior público do fim de semana. Isso já podia ser observado desde o início do domingo; ainda durante a tarde já haviam mais pessoas circulando do que nos outros dois dias. Com programação marcada pelo hardcore, metalcore e algumas vertentes do rap, a responsabilidade de fechar os três dias de festival foi dada para a ConeCrewDiretoria. A banda Fresno, de Porto Alegre, também era uma as atrações principais.
Mas fugindo um pouco dos headliners, a Dogman e a Cherry Devil conseguiram mostrar um hard rock direto, a primeira com uma pegada grunge e a segunda dialogando com o stoner. Ambas são marcadas pelos vocais – com o extra de Haig, vocalista da Dogman, ser uma figura extremamente carismática. A Novonada apresentou seu “rock antropofágico”, que conquistou um público atento para suas performances instrumentais durante o show.
A Aurora Rules provou que o seu metal/post-hardcore tem público fiel na cidade, que acompanhava aos gritos as letras. Entre a melancólica Fresno e sua legião de fãs – que vibrou com faixas de “Revanche” e “Infinito” – e a controversa ConeCrewDiretoria, estava a goiana Rollin Chamas. A performance dos caras é uma tradição na cidade, com direito a churrasquinho, vocalista fantasiado e chuva de cerveja, pra citar um pouco. O show foi tão escrachado e intenso que o festival poderia ter sido encerrado ali mesmo.
Mas o Vaca Amarela ainda não acabou. No dia 18 de setembro os alemães da Kadavar fazem um show no Centro Cultural Martim Cererê dentro do Vaca Drops, projeto que integra a programação do festival e leva artistas para diferentes locais da cidade. Já passaram pelo Drops o grupo Francisco El Hombre e o cantor Di Melo, o Imorrível.