Vaca Amarela 2015 e a discussão da música independente

08/09/2015

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Por: Luisa Guimarães

Fotos: Renato Vital

08/09/2015

No último fim de semana, o festival Vaca Amarela 2015 levou 45 shows para o Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia. O line up dos três dias revelou um evento focado na diversidade de estilos, indo além do rótulo de “festival de rock”. A 14ª edição do evento mostrou ainda que é preciso reforçar as discussões em relação à forma de realização de eventos do tipo, à valorização dos espaços culturais da cidade e, principalmente, da cena musical independente do país.

Foram montados dois palcos, um ao lado do outro, o que evitou a correria de quem queria/precisava acompanhar todos os shows. O imenso centro cultural estava organizado de forma que não foram criadas grandes distrações; nada de rodas gigantes ou lounge “baladinha” com DJ sets. O negócio ali era assistir show. Talvez esse seja um dos motivos do pouco público nos horários iniciais, principalmente nos dois primeiros dias. Estandes de lojas, bares e uma área de alimentação organizados cuidaram de ocupar o restante do espaço.

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Mas a sexta-feira de Vaca Amarela começou antes da abertura dos portões do CCON. Durante o dia rolou a Desconferência, um momento reservado para se falar sobre diferentes assuntos em relação à produção musical independente do país. Entre os convidados das rodas de conversa estavam produtores, artistas e demais interessados, promovendo uma troca de ideias e de ações, já que nem só de shows se vive um festival.

4 de setembro

O primeiro dia teve Emicida como atração principal, pouquíssimo tempo depois do lançamento de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015), seu segundo disco. Mas o restante da programação conseguiu cumprir o papel de destacar um pouco do que vem sido feito musicalmente no país, dando espaço para novos e não-tão-novos artistas.

A abertura ficou por conta das pratas da casa. Meio Termo deu o start, seguido de Components e Chá de Gim, que chamou a atenção de quem já estava por ali com seu desenvolto e curioso vocalista. Stefanini subiu ao palco meio tímido, meio nervoso, com o repertório do seu primeiro EP Onde, que já rendeu abertura para o show da dinamarquesa , em São Paulo. As batidas eletrônicas, o teclado e os sintetizadores já anunciavam que o rock não dominaria a programação.

Entre os destaques dos novos nomes goianos está a Luziluzia, banda que é metade Boogarins (com Raphael Vaz no vocal e baixo e Benke Ferraz na guitarra) e metade Carne Doce (Ricardo Machado na bateria e João Victor na guitarra). Além de músicas do primeiro álbum Come On Feel the Riverbreeze, lançado no ano passado pela Balaclava Records, o grupo tocou uma faixa inédita depois de pedidos por “Polinesia”. “Vai ter música nova, que é bem melhor”, retrucou o vocalista. Logo depois, o projeto João Canta Brandão começava no palco ao lado.

Luziluzia 

A Baleia quebrou a onda goiana da noite apresentando o Quebra Azul, seu disco de estreia. Apesar de terem o “apresentado” para Goiânia pela primeira vez, o álbum já está completando dois anos. O show corrido talvez não tenha conseguido passar todo o potencial de Quebra Azul – problema comum de festivais, que disponibilizam pouco tempo para cada banda. Já era de se esperar. Eles tocaram uma faixa inédita, prévia do próximo disco – que tem previsão de sair no início de outubro – e a correria e alguns problemas com o som foram superados. Quase toda a plateia teve a atenção roubada naquele momento. Também do Rio de Janeiro, a Hell Oh! apresentou seu indie rock cheio de referências evidentes.

Baleia

Os quatro últimos shows da primeira noite de Vaca Amarela mereceram o destaque que tiveram na programação. O Inky, de São Paulo, mostrou versões estendidas de faixas do Primal Swag (2014), primeiro disco do grupo, que é liderado por Luiza Pereira no vocal e sintetizadores. O baixista Guilherme Silva também assume o microfone em algumas músicas.

Inky

Em seguida começava O Terno, queridinho entre os novos nomes da música brasileira, com suas referências sessenta e setentistas. Também em 2014 lançaram um disco homônimo, o segundo da carreira, seguinte ao 66 (2012). A plateia cantando junto com Tim Bernardes em algumas faixas e as experimentações no palco fizeram a apresentação ser memorável.

O Terno

Outro ponto alto da noite foi a Carne Doce, que carregou a responsabilidade de ser o penúltimo show. A desenvoltura e energia transmitidas do palco Daniel Belleza se devem, principalmente, pela vocalista Salma Jô, que já se tornou uma espécia de diva do público local. Os elogios a ela são gritados a todo momento da plateia, que vem crescendo e se tornando fiel – algumas figuras dali são presença certa em shows do Carne Doce. O final ficou com “Adoração”, proporcionando um êxtase geral.

Carne Doce

O mais esperado show da noite começou agressivo e forte, assim como o Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. Emicida foi o primeiro representante do rap no festival, subindo ao palco encapuzado para apresentar “8”, presente no último disco. A faixa tem samples de “Nego Drama” e “Quanto Vale o Show?” do grupo Racionais MC’s, uma homenagem aos “reis” do rap nacional. Teve também uma saudação a Caetano Veloso com “Haiti” e hits de O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui mesclados a músicas novas como “Boa Esperança”, “Mãe” e “Passarinho” – que teve a guitarrista Anna Tréa substituindo Vanessa da Mata nos vocais. Depois de voltar ao palco para um bis, Emicida terminou a noite com “Salve Black”, que também encerra o novo disco.

Emicida

5 de setembro

O segundo dia de Vaca Amarela começou mais cedo, com muito sol, às 16h. A Skavarone abriu o sábado, que teve Tulipa Ruiz como show principal. Gasper e o grupo O Clann representaram o rap na programação, que incluía o som psicodélico da Peixefante e os já conhecidos de outros carnavais da banda Dry, que se destacaram entre as apresentações iniciais.

Dry

Ainda na onda de se misturar diferentes sonoridades num mesmo dia entrou Lei di Dai, conhecida – e apresentada por ela mesma – como “a rainha do Dancehall” brasileiro. Dividindo o palco com dançarinos que não pararam por um minuto, ela conseguiu descontrair a plateia. “Dança aí, pra eu saber que você tá curtindo”, ela gritou – apontando pra mim, que (ainda) não tinha entrado na vibe. O hard rock de The Muddy Brothers ficou entre as batidas de Lei di Dai e o funk da carioca Deize Tigrona, com suas letras escrachadas e batidas tradicionais do estilo.

A Violins é uma das bandas goianas que mais era esperada pelo público de sábado. Desde 2001 na estrada, os integrantes anunciaram o hiato há pouco mais de dois anos, realizando raras apresentações que atraem os antigos e novos fãs. O power trio Overfuzz foi a última banda local da noite, com destaque para a performance do baterista Victor.

Entre estes dois grupos da casa esteve a espanhola Indee Styla, que conquistou os presentes pelo carisma. “Estou me expressando como posso, mas vocês entenderam, né?”, perguntou após tentar conversar com a plateia em portugês. Ela mostrou suas habilidades de dançarina em meio às batidas eletrônicas cheias de influências como hip hop, dancehall e rap.

Indee Styla

O penúltimo show ficou com o rapper Síntese, que se apresentou com o Projetonave. Com letras carregadas de espiritualidade, ele foi convidado a se apresentar ao lado do grupo após participar do projeto Nasbase, em que MCs se juntam ao Projetonave em sessões de improvisação. Já passaram por lá Emicida e Flora Matos, por exemplo. Uma fila se formou pra tentar conversar com Neto, o Síntese, depois da apresentação.

Síntese

O Dancê de Tulipa Ruiz fechou a noite de sábado com a dramaticidade que já estamos acostumados. A ousadia da cantora foi tanta, que ela não cedeu a diversos pedidos de músicas como “Efêmera”, deixando que seu último disco brilhasse. A intensa Tulipa apareceu envolta em um tecido roxo para “Víbora” e “Só Sei Dançar Com Você” teve a tradicional performance enrolada no microfone. Luiz Chagas, seu pai, realiza um show à parte como guitarrista da banda. Quem estava a assistindo pela primeira vez – ou não – ganhou o agradecimento da cantora, que saudou Daniel Belleza – um dos homenageados do festival e que estava na plateia. Por fim, Tulipa chegou ao meio do público deixando muitos cantarem no seu microfone. O final ficou com “É”, que foi acompanhada no refrão pela banda e pela plateia.

Tulipa Ruiz

6 de setembro

O Vaca Amarela chegou ao último dia com o maior público do fim de semana. Isso já podia ser observado desde o início do domingo; ainda durante a tarde já haviam mais pessoas circulando do que nos outros dois dias. Com programação marcada pelo hardcore, metalcore e algumas vertentes do rap, a responsabilidade de fechar os três dias de festival foi dada para a ConeCrewDiretoria. A banda Fresno, de Porto Alegre, também era uma as atrações principais.

Mas fugindo um pouco dos headliners, a Dogman e a Cherry Devil conseguiram mostrar um hard rock direto, a primeira com uma pegada grunge e a segunda dialogando com o stoner. Ambas são marcadas pelos vocais – com o extra de Haig, vocalista da Dogman, ser uma figura extremamente carismática. A Novonada apresentou seu “rock antropofágico”, que conquistou um público atento para suas performances instrumentais durante o show.

Dogman

A Aurora Rules provou que o seu metal/post-hardcore tem público fiel na cidade, que acompanhava aos gritos as letras. Entre a melancólica Fresno e sua legião de fãs – que vibrou com faixas de “Revanche” e “Infinito” – e a controversa ConeCrewDiretoria, estava a goiana Rollin Chamas. A performance dos caras é uma tradição na cidade, com direito a churrasquinho, vocalista fantasiado e chuva de cerveja, pra citar um pouco. O show foi tão escrachado e intenso que o festival poderia ter sido encerrado ali mesmo.

Rollin Chamas

Mas o Vaca Amarela ainda não acabou. No dia 18 de setembro os alemães da Kadavar fazem um show no Centro Cultural Martim Cererê dentro do Vaca Drops, projeto que integra a programação do festival e leva artistas para diferentes locais da cidade. Já passaram pelo Drops o grupo Francisco El Hombre e o cantor Di Melo, o Imorrível.

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08/09/2015

Luisa Guimarães