A segunda noite da maratona do 13º Se Rasgum começou com tons avermelhados. Era visível a quantidade de pessoas que haviam ido até o Insano Marina Club vestidos de vermelho e o motivo estava claro: Letrux estava prestes a se apresentar pela primeira vez em Belém e a cidade estava fazendo questão de lhe receber bem.
A programação começou por volta das 20h com o show da banda Enquadro, um excelente grupo instrumental de Belém, que inclusive conta com o guitarrista Lucas Estrela em sua formação. Como é de praxe em festivais, a primeira apresentação pegou o momento em que a plateia ainda estava chegando ao local, mas desde o início já era nítido que havia um público maior do que na noite anterior. O grupo paraense Joana Marte, que entrou no palco em seguida, tocou para um número considerável de gente suas composições que unem uma pegada de rock setentista com traços de regionalismo, apontando para uma direção que, em alguns momentos, remete ao movimento da psicodelia nordestina.
Depois deles, veio a Molho Negro, uma das bandas de Belém que vem chamando mais atenção nacionalmente. Quando eles apareceram, uma verdadeira legião de fãs levantou a voz para recebe-los e essa galera acompanhou o show inteiro cantando as músicas, muitas vezes em coro. Quem tem a audácia de pensar que o rock morreu precisa vir a Belém.
Por aqui, a receita de guitarra + baixo + bateria funciona perfeitamente, tanto que os pioneiros do punk brasileiro, Os Replicantes, foram aclamados quando foram tocar. Para uma banda formada lá em Porto Alegre há mais de 30 anos, a plateia paraense foi muito calorosa. Um grande núcleo de pessoas sabia cantar as músicas mais clássicas do grupo e só deixava de acompanhar a vocalista Júlia Barth se fosse pra começar mais uma roda punk.
A essa altura, já estava mais do que evidente que a diversidade é um dos pilares do Se Rasgum. Então, não houve estranhamento algum quando cessaram os gritos e guitarras e começaram os beats inconfundíveis da Gang do Eletro. Dessa vez, quem estava com eles era a cantora Nanna Reis e a proposta era apresentar o mesmo show que eles montaram para o festival 100 years of Copyright, que aconteceu em Berlim no mês passado. A apresentação tinha o mote de homenagear o Daft Punk, uma das grandes influências do grupo paraense, e foi impossível ficar parado assistindo às versões tecnobrega de músicas como “Lose Yourself to Dance” e “Get Lucky”.
Devidamente suados de tanto dançar, todos estavam prontos para o que viria a seguir: o primeiro show do Metá Metá em Belém do Pará. E que show, Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França, acompanhados de baixo e guitarra, não deixaram pedra sobre pedra. Sua mistura de batuque de povo da rua com noise caótico e sambas tortos deixou as pessoas fora de si.
Devido ao caráter tão intenso dos shows que aconteceram até aqui, a atração seguinte, Barbagallo, soou um pouco deslocada do line-up. Para quem não conhece, no início do ano, o francês Julien Barbagallo, baterista do Tame Impala, lançou esse seu projeto solo e o show de ontem foi o primeiro da turnê que ele está fazendo pela América do Sul, que passa ainda pelo Balaclava Fest, em São Paulo, e pelo festival Coquetel Molotov, em Recife. Seu som apresenta um folk psicodélico bem interessante, no entanto, boa parte da plateia parecia não conhecer suas músicas e, por outro lado, querer muito ver a Letrux.
Em função disso, muito antes de acabar o show do Barbagallo já havia uma multidão se formando para garantir um bom lugar para ver a Letrux no outro palco. A pressão foi se tornando esmagadora a cada minuto que passava e, quando Letícia Novaes e sua banda entraram, a plateia já estava lotadíssima, espremida e louca para vê-los. O clima (ou melhor, climão) do espetáculo foi de pura catarse, tanto do público alucinado quanto da própria banda, que se entregou por inteiro. Até as pequenas falhas que aconteceram no microfone da Letícia foram incorporadas pelo grupo e, no fim, apenas serviram de convite para a plateia cantar (ainda) mais alto as músicas, que todos sabiam de cor.
Além de apresentar as faixas do álbum Letrux Em Noite de Climão (2017), Letícia ainda conversou bastante com o público, disse o quanto estava emocionada por estar ali e pontuou, assim como Metá Metá e Os Replicantes, sua preocupação com cenário político nacional a partir do ano que vem. Nesse momento, ela declarou seu amor incondicional à Madonna, uma entre vários artistas internacionais que se manifestaram sobre as eleições recentes no Brasil, e aí engatou uma versão sensacional do clássico “Ray Of Light”.
Hoje, na última noite do evento, o Se Rasgum traz ainda os shows de Céu, Carne Doce, Tuyo, Maurício Pereira e AK/DK com Uaná System. Haja folêgo!