As histórias de João Araújo

01/12/2013

The specified slider id does not exist.

Powered by WP Bannerize

Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

01/12/2013

Foto: Fernando Rabello/Folhapress

João Araújo, produtor musical e fundador da gravadora Som Livre, morreu na manhã de ontem, aos 78 anos. Ele foi um dos mais importantes nomes da indústria fonográfica brasileira e responsável pelo surgimento de artistas que se tornaram referências para a nossa MPB, como Novos Baianos, Rita Lee, Caetano Veloso e Jorge Ben Jor.

*

Na época em que o disco de vinil tinha um peso incontestável para o sucesso, João Araújo não ajudou, pelo menos no inicio, o filho Cazuza no universo da música e no mercado de LPs. Embora acreditasse no talento do seu único herdeiro, Araújo preferiu deixar a sua carreira de produtor musical em um segundo plano para evitar acusações de nepotismo e de favorecimento. No entanto, o produtor Guto Graça Melo e o jornalista Ezequiel Neves convenceram o diretor da Som Livre a lançar o disco de estreia do Barão Vermelho, em 1982.

joaoaraujocomcazuza

A morte de Cazuza foi um trauma do qual Araújo jamais se recuperou. Ele evitava assistir qualquer homenagem ao filho, fosse nos palcos ou na televisão.

Em 2007, ano em que o ganhou o Grammy Latino pela sua contribuição à música, João Araújo também foi eleito presidente de honra da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD). “A trajetória de João Araújo se confunde com a história da música brasileira moderna e seus principais movimentos das últimas décadas, desde a bossa nova, Jovem Guarda, tropicalismo e a consolidação do pop rock. Sua contribuição para o fortalecimento da indústria da música no Brasil é inestimável”, havia declarado Paulo Rosa, presidente da ABPD, na cerimônia.

João Araújo era uma pessoa reservada e não costuma conceder entrevistas com facilidade. Mesmo assim, reunimos aqui as suas melhores histórias, contadas anos atrás para as revistas Istoé, Quem e demais veículos de comunicação nacionais:

Cazuza

cazuzapai

“No primeiro momento, eu achava a música do Cazuza muito ruim. Fui com o Moraes Moreira ver o primeiro show do Barão Vermelho em um cafofo em São Conrado. Os instrumentos, coitadinhos. Mas senti uma luz no Cazuza, cantava de forma diferente. Antes disso, eu nem sabia que ele mexia com música”.

“Cazuza era ótimo para tirar as pessoas da crise. Sempre foi otimista e eu vendia otimismo para ele. Telefonava comentando qualquer notinha de jornal que falasse de algum avanço contra a Aids. Eu dizia: ‘Cazuza, daqui a pouco vai ser como diabete, controlada com remédio, não vai matar mais’. Eu tinha de falar isso, mesmo sabendo que não era assim. Ele sabia que não tinha saída, mas fazia a mesma coisa com os outros”.

“Tínhamos uma relação de profundo amor. Claro que brigávamos e uma vez eu o expulsei de casa. Ele sempre foi rebelde demais. Certo dia, com uns 20 e poucos anos, ele entrou em casa e disse, sem mais nem menos: ‘estou indo para a Bahia’. Perguntei se ele já tinha falado com a Lucinha e ele respondeu: ‘não vou falar com ninguém, eu vou e pronto’. Eu também engrossei: ‘você só vai se passar por cima do meu cadáver’. Ele foi para o banho, eu entrei também debaixo do chuveiro e foi uma pancadaria aquática. Isso tudo acabou umas três horas depois, com beijos e abraços. Eu queria mostrar a ele que tinha alguém, além de Deus, no qual ele não acreditava muito, a quem devia dar satisfação: eu e a mãe dele”.

Bossa nova

joaoaraujovinicius

“Vou contar uma coisa: a primeira pessoa que sacou a bossa nova foi o Manuel Bandeira, que era muito amigo do Jairo, pai da Nara Leão. Uma vez por mês ele ia tomar uns gorós no apartamento do seu Jairo, no Lido, e via uns meninos sentados lá embaixo com um violão, cantando baixinho. Eles eram, nada mais, nada menos, Roberto Menescal, João Gilberto, Carlos Lyra e Luizinho Eça. Começavam a botar a cabeça para fora”.

“Até o Vinícius de Moraes eu botei para cantar, no primeiro disco de bossa nova. O Vinícius cantarolava sempre para nós uma música que ele adorava: ‘quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar’. Eu cismava que ele tinha de gravar aquilo. Ele dizia: ‘não, João, eu não sou cantor, não, meu negócio é ser poetinha’. Eu insisti até conseguir. O Tom Jobim era igual ao Vinícius, achava que não era cantor”.

“O Chico Buarque era muito garoto quando surgiu a bossa nova. Eu o conheci quando a Nara estava para gravar um disco para mim. Ela me ligou de São Paulo e disse: “seu João, tenho de parar de gravar o disco porque conheci uma pessoa que reformulou minha cabeça toda. Vou ter de jogar fora o que fiz, pelo menos seis músicas, porque encontrei seis joias, de um cara que ninguém conhece. Vou botá-lo no telefone para falar com o senhor. Fala aí, Chico’. Aí vem Chico Buarque, que sempre fez esse estilo de não falar, de ser tímido: ‘olá, seu João, eu sou o Chico. Tenho umas musiquinhas aqui que a Nara gostou e tal. O senhor tem alguma coisa contra?’ Essas ‘musiquinhas’ eram ‘A Banda’, ‘Quem te Viu Quem te Vê’. Foi um atrás do outro. Fantástico”.

Ditadura militar

ditaduramilitar

Foto: Evandro Teixeira

“A Som Livre gravou todos os festivais de música, inclusive quando o Geraldo Vandré ficou em segundo lugar com ‘Pra Não Dizer que Não Falei das Flores’ e passou a ser perseguido. Essa música tinha só duas posições, mas a letra era fortíssima. Os militares, no início, não se deram conta porque, se não me engano, o Vandré tinha sido das Forças Armadas. Tinha bom trânsito, não era um ativista. Passou a ser a partir daí”.

“Eu estava no conselho organizador e dirigia o festival da Rede Globo quando um sujeito chegou e disse: “manda uma pessoa dizer para o Vandré que, quando ele acabar de cantar, não pode ficar de bobeira, deve sair pelos fundos do palco, virar à direita e entrar em uma caminhonete com uma faixa amarela. Já está tudo preparado para ele fugir porque vão prendê-lo’. E o que ele fez? Em vez de sair pela direita, foi pela esquerda, onde também tinha uma caminhonete com faixa amarela, mas era do jornal Diário de Notícias. Ele entrou na caminhonete e o pegaram lá”.

“A Rede Globo teve problemas com a ditadura eu também tive. Um dia, voltando da Europa, encontrei no escritório um papel assim: ‘convite/intimação’ da Polícia Federal. Eu nem sabia onde era, pedi a um advogado da Globo para me acompanhar. Entrei às 14h e saí às 20h. Fui fichado. Teve um delegado que pôs o revólver 38 na mesa e disse: ‘agora o senhor fala’. Eu perguntei: ‘mas falo o quê?’ E ele: ‘não me venha com saídas estratégicas, o senhor sabe. Festival, meu amigo, fala daquele festival, aquela barafunda que vocês fizeram’. O cara era contundente, violento. Estava bravo por causa de uma música da Baby Consuelo que dizia: ‘você pode fumar baseado’. Ele disse que era um estímulo nosso à maconha”.

Tags:, , , , , , , , , , , , , ,

01/12/2013

Revista NOIZE

Revista NOIZE