Sobre Banda do Mar no Audio e casas perfeitamente construídas

06/11/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

06/11/2014

Fotos: Audio, Divulgação

Todas as casas seguem um mesmo princípio para serem construídas: tijolo (ou madeira, cimento, pedra, tanto faz) por tijolo (não vou me repetir aqui). Tirando cavernas, que já estão ali todas preparadinhas, ou outros abrigos naturais, não tem muito como fugir dessa ordem. É sempre aos poucos, devagar e sempre, até que uma hora, voilá!, está pronta. Se os tijolos (ou madeira, cimento, pedra, tanto faz) forem bem colocados, com carinho e esmero, a casa vai suportar tempestades e quaisquer tipos de intempéries. Se peças forem comidas, esquecidas, desviadas ou deixadas de lado no afã de querer morar logo e estabelecer um local para chamar de lar, grandes chances da casa ir abaixo em períodos mais tempestivos. Lei natural da civilização, difícil de fugir à regra; quiçá impossível.

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Mallu, Marcelo e Fred: o show da Banda do Mar no Audio, em São Paulo. Fotos: Audio, Divulgação

Com bandas e músicas, o princípio da construção da casa pode ser aplicado também. Vários artistas, talentosos e com potencial, resolvem se lançar em carreiras solo e projetos paralelos logo após o primeiro ou segundo álbum de sua banda, com a crença de que sua genialidade também será reconhecida e legitimada em outros voos. Muitos derretem suas asas de cera nessa tentativa, justamente por terem ido com muita sede ao pote, achado que já era o momento de conseguir o que tanto sonhavam e acabam descobrindo como o sol, lá em cima, queima e cega. Vida bandida para esses artistas, mas não foi o caso da Banda do Mar. Eles são a casinha – de verão – bem construída, todos os esforços anteriores culminando num clima fofo, todo redondo, como aquela casa na praia pela qual você sempre passa e pensa em um dia ter para chamar de sua, folgar um dezembro e um janeiro inteiros sentado na varanda, sentindo a maresia e vendo crianças catarem conchinhas. O show foi a síntese de todo esse sentimento gostoso que a banda transmite.

Mallu, Marcelo e Fred: o show da Banda do Mar no Audio, em São Paulo. Fotos: Audio, Divulgação

Depois de uma bem-vinda chuva aqui em São Paulo que molhou aproximadamente quatro pessoas e um cachorro, o clima era de alívio, com pessoas tirando fotos no Instagram do céu nublado e olhando admiradas para qualquer nuvem carregada, e o Audio estava lotado. Bem lotado. Em nenhum dos outros shows que fui tinha visto o lugar tão lotado assim. No do Spiritualized, tinha até sofás para sentarmos e curtirmos o show numa nice. No da Banda do Mar, não. Era o primeiro show deles em São Paulo. Era o Camelo. Era a Mallu. Era o português lá, Fred Ferreira (pô, ele também tem fãs). Eram todos os fãs dos três reunidos num ambiente com três mil pessoas. Não tinha como dar errado. Todo mundo ali já tinha, de cor e salteado, todas as músicas do álbum deles, dos solos de Camelo e da Mallu e, óbvio, do Los Hermanos. Se os três não quisessem tocar naquele dia, bastaria entrar no palco, soltar o primeiro acorde e ficar ali vendo a galera cantar absolutamente todas as músicas. Mas eles queriam cantar. E alegrar todos os tipos de fãs que ali estavam.

Marcelo Camelo começou com “Cidade Nova”, já levando a plateia ao delírio, fazendo todos acharem normal de imaginar o seu par ideal. Era a música para mostrar que o show seria fofo, tanto para casais como para solteiros. Que seria um show sentimental, com momentos em que todo mundo poderia simplesmente parar e entrar naquele estado de transe, na qual flashes e imagens de momentos bons da vida ganham corpo, espaço e cheiro, e você só se dá conta quando momentos também bons da realidade te trazem de volta. Com o espírito luso incrustado na banda, dava para dizer que o show seria carregado de nostalgia e saudades.

Mallu, Marcelo e Fred: o show da Banda do Mar no Audio, em São Paulo. Fotos: Audio, Divulgação

Na música seguinte, foi a vez de Mallu (ah, Mallu) encantar com “Me sinto ótima”. E a dupla seguiu, cheia de amores com a plateia e entre si, cantando cada um uma música. Vieram “Hey Nana”, com Camelo, “Mais ninguém”, com Mallu, “Pode ser”, de novo com Marcelo, “Mia”, com Magalhães (meio ridícula essa tentativa de não repetir o nome e ficar usando sobrenomes, não?), e “Faz tempo”, com Marcelo Camelo fechando a primeira parte do show, completamente dedicada a canções do álbum da Banda do Mar. Na segunda parte, o saudosismo entrou na voadora, dando nó na garganta de praticamente 102% da plateia presente, com todos os sucessos das carreiras solo dos dois e também com um clássico do Los Hermanos.

Mallu, Marcelo e Fred: o show da Banda do Mar no Audio, em São Paulo. Fotos: Audio, Divulgação

Em “Além do que se vê”, quem ainda não tinha se emocionado com o casal no palco trocando olhares cúmplices, abraços, cheirinhos e afagos, não aguentou. Marcelo Camelo, sozinho, no violão, levou a plateia às lágrimas. Ele sabe como controlar a galera, jogando o microfone para todo mundo cantar junto, aplaudindo e carregando na emoção da música. Lembro de um cara atrás de mim, cantando a plenos pulmões toda a letra, jogando seus cabelos para trás e colocando as mãos ao rosto a cada pequena pausa, exasperado de emoção, sentindo de volta toda a história de sua vida que aquela música fez parte: um amor que não deu certo, alguém que foi injusto e não quis ouvi-lo, a chance de redenção que nunca chegou. Ao final da música, chorando, cumprimentei o cara e nos irmanamos de uma maneira religiosa, algo comum para muitos ali que já foram em muitos shows do Los Hermanos. Foi um dos grandes momentos do show, em que tudo convergira para ali. Foi a música do meio, o núcleo que dividira o show e transformara todas as outras canções anteriores em fragmentos afetivos daquela cena. E todas as posteriores como um pedaço da história carregada daquele momento. A plateia já estava em catarse absoluta. Todo o restante do show seria apenas a confirmação da experiência místico-religiosa que as duas principais figuras da banda exercem sobre seus fãs, como dois grandes gurus de gerações não tão distintas, mas não a mesma, que agora se encontram graças ao amor dos dois. (Nossa!, como viajei. Foi mal galera, mas fiquei emocionado mesmo nessa parte do show.)

Mallu, Marcelo e Fred: o show da Banda do Mar no Audio, em São Paulo. Fotos: Audio, Divulgação

A terceira parte do show contou com mais covers dos dois, com “Janta” e suas frases destruidoras (poderia fazer uma análise inteira em cima dessa música usando a mesma metáfora da construção das casas, de como existem momentos em que casas construídas para dois são feitas sozinho só pela necessidade de um lar, de como seguir com a construção para ter vontade ou sentir saudades – aludindo a música – é algo da ordem de um luto, de como o tempo é uma construção paradoxalmente forte e perecível num relacionamento, enfim, de como a vida há de continuar, apesar de tudo) e “Cena”, as músicas restantes do álbum da Banda do Mar e um bis sentimental, que contara com a já citada “Cena”, “Morena” e “Muitos Chocolates”. Tudo certo, tudo redondo. Uma casa construída com tijolos sólidos, bonitos e duradouros, com história forte para os dois, tanto o Camelo quanto a Mallu, alçarem os voos que quiserem, como quiserem, pois eles já têm o que pode ser chamado de lar, tanto entre os dois como com os seus fãs e suas carreiras. A casa ideal. O Taj Mahal para ser vivido em vida. Só dá para reiterar que ambos estão entre os mais importantes músicos dessa nova geração e estão de parabéns por tudo que conseguiram realizar naquele Audio abafado e repleto de amor.

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06/11/2014

Revista NOIZE

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