“Cantar deve ser um ato político”, diz Edy Star

29/01/2025

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Por: Damy Coelho

Fotos: Andres Costa/Divulgação

29/01/2025

Ele nasceu em 1938 como Edivaldo Souza, mas não tardou a brilhar como Edy Star. E não haveria nome artístico melhor: com multitalentos e alma de estrela, sua presença ilumina qualquer ambiente. Mesmo na nossa conversa por telefone, a presença de Edy se fez tão marcante que era como se estivéssemos tomando um cafezinho na mesma sala de estar.

Deve ser por isso que Erasmo e Roberto Carlos compuseram “Claustrofobia” com pensamento nele. A letra da faixa, que abre o primeiro álbum lançado pelo artista há 50 anos, Sweet Edy (1974), diz: “Parem de me sufocar/que não sou de muito papo, não/Enquanto puder respirar/Vou tocando o meu violão…”.

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Reconhecido hoje como pioneiro queer e do glam rock brasileiro — apesar de não levar esse último título muito a sério — Edy Star se fez nas mais variadas artes: no circo, no palco, nos cabarés, na pintura, nos musicais. Nunca se deixou esmaecer diante do preconceito ou da repressão. Trajando looks considerados extravagantes ou “afeminados” em plena ditadura militar, ele brilhou. Fez amigos na classe artística como Raul Seixas e Caetano Veloso, lançou um álbum com composições de gigantes, assinadas especialmente para ele.

Na nossa conversa, comento que Edy é tão querido que chega a ser “incancelável”, e ele solta uma gargalhada sincera. Pudera: aos 87 anos, sua história segue despertando admiração e curiosidade. Recentemente, ganhou duas obras que remontam sua trajetória, desde a infância em Juazeiro, na Bahia, até brilhar em palcos: o livro Eu só fiz viver: a história oral desavergonhada de Edy Star, do historiador Ricardo Santhiago, e o filme Antes que me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star, de Fernando Moraes. “Fico meio surpreso com essas obras sobre mim. Não me dou essa importância toda”, confessa, sem se deixar inflar pelo ego.


Nasce uma estrela


Quando jovem, ainda nos anos 1960, Edy largou um emprego estável na Petrobrás para fugir com o circo (literalmente). Fez tanto sucesso com suas performances que foi disputado pelos principais picadeiros do país. Não tardou para ir para a TV. Sua persona unia ritmo e imagem de forma contagiante: a câmera parece gostar dele.

Em 1974, deu seu pontapé na música com Sweet Edy, hoje um disco considerado cult, que mistura rock e ritmos brasileiros: a edição mais recente, lançado pelo 80 Selo Fonográfico e Record Collector Brasil, conta com capa gatefold, vinil holográfico e duas faixas-bônus, “Baiock” e “Ai de Mim”.

Hoje, aos 87 anos, Edy não para, porque “se parar, enferruja”. Lançou, em 2023, um álbum dedicado às canções de Sérgio Sampaio, chamado Meu Amigo Sergio Sampaio. Da mesma série, “Meu Amigo”, tem engatilhadas versões de Raul Seixas — o disco só não saiu ainda por dificuldades burocráticas para a liberação das faixas — e Zé Rodrix, e ainda planeja um novo álbum de inéditas. Para a nossa sorte, sua arte continua e segue reverberando.

Confira nossa entrevista abaixo:

Recentemente foram lançados um livro e um filme sobre sua vida. O que você acha disso?

Eu fico meio surpreso, sabe? Não me dou essa importância toda… eu não planejei nada disso. Não sei nem o que explicar, só fui fazendo, né, minha filha? Fui batendo o pé para mostrar meu trabalho. Eu gosto de cantar, gosto de pintar, eu gosto de viver. Digo sempre a minha vida é tão incrível que eu não preciso inventar nada!

E você tem essa veia artística dentro de você, né. Para a música, a pintura, os palcos… tem alguma manifestação artística que você prefira?

Eu não tenho uma grande voz, mas gosto muito de cantar. Também gosto de pintar, mas não é como nos anos 1970, quando eu trabalhava numa galeria de arte e tinha uma pressão para produzir. Sou uma pessoa comum que gosta de cantar, gosto de música boa, tive grandes amigos compositores. Hoje eu queria voltar a fazer teatro… quem sabe, gravar um disco. Estou fazendo um em homenagem ao Raul Seixas e já estou pensando no próximo com músicas do Zé Rodrix. Tem de continuar, se parar, enferruja!

Estou cheio de planos, querida! Mas estou cansado de planejar e não acontecer. Eu faço a produção sozinho quase sempre, contrato equipe… então, é tudo mais difícil. Mas sim, o próximo lançamento que gostaria de fazer é esse disco pra celebrar os 80 anos de Raul.

E como se dá essa escolha, por cantar o repertório dessas figuras? É uma questão de amizade, afinidade?

Não é só isso. Tenho até mais amizade com outros compositores. Mas é sobre a qualidade que esses trabalhos têm. Gosto muito do repertório de Caetano, nos temos uma amizade de muitos anos…

Que nasceu ainda na Bahia…

Sim, em Santo Amaro da Purificação! Conheci ele quando eu ainda trabalhava na Petrobras. Gilberto Gil me ajudou a entrar para a televisão… depois, tive contato com Pepeu Gomes, Baby Consuelo Tony Tornado... GalBethânia, que eu amo. Quem não ama Bethânia, né? [risos].

E dos artistas da nova geração, tem alguém que você admire?

Claro! Muitos da Bahia, como Coral, aquela voz maravilhosa… Assucena. Catto! Eu amo.

Agora, vamos falar do seu primeiro álbum, Sweet Edy… tem alguma música que hoje é sua favorita?

Ah, sim, “Bem Entendido”. É um hino gay! Ainda nem existia esse termo, “gay”. A letra foi feita por Renato Piau e Sergio Natureza, num tom de brincadeira, porque, na época, falavam que fulano era “entendido” ao invés de gay. Então, “estamos bem entendidos, combinados…” [diz, citando a letra].

Tem uma entrevista sua para o Jô Soares que eu amo, você diz que no Brasil não tem “gay”, tem é “bicha”.

Ah, eu fui criado assim, né? Na minha época, os jornais usavam até “anormal”. O “baile dos anormais”…

Me conta da sua mudança para Madri, no fim dos anos 1980. Foi em um momento muito difícil?

Eu estava numa fase péssima no Brasil. Era muito perseguido pela censura federal. A ditadura já estava acabando, mas eu ainda era muito visado. Falavam que iam “dar um jeito” em mim… me fazer desaparecer, né? Entrei numa depressão terrível, pensei que minha vida tinha acabado. Então, antes que acabasse, eu quis conhecer a Espanha, um país que eu gosto. Lá, encontrei uma amiga e, pouco tempo depois, ela me ajudou a arrumar um trabalho, a voltar para os palcos. Mas quase todo ano eu voltava ao Brasil, por causa do Carnaval! Com o passar do tempo, foi ficando mais difícil.

Voltar aos lugares onde você viveu dói muito, querida. Dói, porque não é a mesma coisa. Não é a mesma turma, a cidade não é a mesma, a vida já não é igual, os costumes não são iguais… dói muito. É preferível visitar uma cidade nova.

Então, quando voltei ao Brasil, me mudei para São Paulo. E eu amo! É multicultura, multitemperatura… num dia faz calor, passa algumas horas e chove, inunda tudo…. é uma maravilha [risos].

Para fechar, uma curiosidade: você é transgressor em muitos aspectos, para além da questão da sexualidade. Qual manifestação você acha que dá mais oportunidade para a transgressão: o rock ou o teatro?

Ah… o teatro. Quando eu fui cantar, eu já levei um pouco da transgressão, do humor do teatro. Eu me lembro de alguns momentos: quando fiz [a peça] Belo Indiferente, de Jean Cocteau, que exigia atuação feminina. No Brasil, quem fez fui eu, por indicação de Bibi Ferreira! Ou quando eu comecei a cantar na boate Cowboy [no Rio de Janeiro]. Eu fui chamado pela censura porque cantava uma música de Gonzaguinha e transformava aquilo num ato político. Fui chamado várias vezes pelo censor. Porque eu cantava daquele jeito, que era um verdadeiro panfleto. Tanto cantar quanto atuar, era um ato político. E acho que tem de ser mesmo um ato político. Principalmente hoje.

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29/01/2025

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Damy Coelho