Há algo de maior nessa minha ida à Brasília para assistir e cobrir o Porão do Rock 2013. Parto na direção do cerrado com uma vela acesa para que o destino me leve ao encontro de uma pista qualquer da presença sobrehumana, do inexplicável, o grande nada espiritual que rege o movimento das estrelas e das marés, que absorve os espíritos numa comunhão cósmica, que flui pelas veias das BRs, sibila em nossos ventos, faz brotar indústrias em cima de favelas e espalha carros por tudo, como se fosse uma doença que limpa com destruição, estufando o peito tísico com o sentimento de que o ufanista não desiste nunca, vence até.
O que será, afinal de contas, hoje em dia, o “milagre brasileiro”?! Como não relacioná-lo à propaganda econômica da época da ditadura militar e ainda acreditar nele como uma força invisível, que faz do habitante destas terras um algo que ainda valha a pena de se depositar esperanças?! Como tentar transformá-lo em um espírito novo que vá revitalizar o jovem que toma as ruas com gritos e enxergá-lo como uma força do bem – ou que virou a casaca pro bem, vá lá -, o fantasma do gigante desperto, que nos faça orgulhosos cidadãos do mundo?! Por onde anda o Milagre Brasileiro? ?Vou procurá-lo num festival de rock pesado no centro do Brasil, na capital do país. Achei que tinha a ver.
Fui-me aos alfarrábios. Para me preparar, busquei uma “literatura” de referência primordial, uma das maiores peças de audiovisual roqueiro do Brasil, o documentário “Quem Kiss Teve”, que concentra-se no público dos primeiros shows tupiniquins do Kiss, em 1983, e faz um relato sociológico genial. Transborda Milagre Brasileiro.
O Porão desse ano não vai ter Kiss, mas vai ter Suicidal Tendencies, Soulfly, Krisiun, Matanza, e mais um monte de banda de som pesado, mostrando que a evolução sonora, da máquina, do público, do merchandising e da bebedeira das pessoas num espetáculo desses, de 83 pra cá, pode me indicar onde encontrar o espírito que busco.
O Milagre Brasileiro pode ser o festival em si, um acontecimento anual, em sua décima sexta edição, com atrações internacionais da pesada e uma segmentação temática, ou de curadoria ousada, extremamente bem sucedida, que junta os mais diversos tipos de brasileiros, e os reúne em um espírito roqueiro transcendente, que vibra com seus subgraves, e dança para santos astrais muito loucos.
Para buscá-lo não vou sozinho. Levo comigo do sul o amigo escritor Só Mascarenhas, que é morto e vive em Aceguá, na fronteira com o Uruguai, e veio de ônibus, num Ouro e Prata de Bagé, onde estava para visitar uns parentes próximos e trocar causos com os amigos, na praça de fronte ao banco. Pareceu-me apenas justo convidá-lo para ir comigo, ao notar que ficou muito entusiasmado com a inspiração que lhe causou o fato de eu ter contado sobre o câncer do Finatti.
Deixa eu explicar: estará em Brasília o conhecido jornalista musical paulista Humberto Finatti, que descobriu há alguns meses que está com câncer na garganta – e desde então chama o seu câncer carinhosamente de Monstrinho. Contei que o Finatti me escreveu dizendo que marcou sua radioterapia pra semana que vem, pra que pudesse aproveitar o Porão, e já havia reservado um Jack Daniels para tomar enquanto for assistir o Mark Lanegan. O Só Mascarenhas vai mandar de Brasília pro mundo uma coluna chamada “Eu, o Finatti e o Câncer Dele”, disposta a narrar cada suor jorrado em seus papos candangos, suas dores e alegrias, seus arrojos e jogatinas, contando com a coadjuvância de astros de primeira, como o Egípcio Polaco do Cerrado e o Beatificado Toscani – qua vai pra lá só pra assistir o Soulfly.?Que o Milagre Brasileiro esteja com o Finatti!