Quando começaram os shows do último dia do 13º Se Rasgum, no sábado, 3/11, havia um sentimento geral de ansiedade para ver artistas como Céu, Carne Doce e Tuyo, mas também aquela sensação de não querer que o fim do evento chegue.
A noite começou com o projeto Guitarrada das Manas, a primeira banda do clássico gênero paraense formada apenas por mulheres. Como nas outras noites, o público ainda estava chegando ao evento quando começou o show delas, mas quando a segunda atração, Pelé do Manifesto, entrou no palco já havia uma multidão para assistir. Está florescendo uma cena de rap muito significativa em Belém, já havíamos visto o show do Bruno B.O. na noite anterior e Pelé também chegou mostrando um nível altíssimo de letras e melodias. Sua banda era impressionante e é impossível não comentar a qualidade dos vocais das cantoras Malu Gadelha, que acompanhou todo o show, e Luê, que fez uma participação especial.
Depois do Pelé, começou no outro palco o show da Liége, mais uma artista que vem despontando na efervescente cena musical paraense. Sua música ora incorpora a distorção roqueira, ora pende para temas mais dançantes, e seu canto emocionante é uma encarnação do poder da mulher amazônica. A banda que lhe acompanha, inclusive, é toda formada por mulheres – infelizmente, sua guitarrista havia sofrido um acidente e precisou ser substituída de última hora para o show do Se Rasgum.
A atração seguinte foi a Teach Me Tiger, uma interessante banda de Belo Horizonte – ainda que seja uma dupla formada por uma paulistana, Chris Martins, e um belga, Yannick Falisse. Seu som se encaixaria no rótulo de indie, mas a densidade experimental das suas músicas levam o trabalho para outra dimensão, propiciando uma experiência de agradável estranhamento em muita gente.
Após esse show provocativo, que convidou o público a prestar atenção para entender o que estava acontecendo, veio o extremo oposto. A uruguaia Alfonsina chegou com uma apresentação absolutamente irresistível, era impossível não se envolver imediatamente com o show dela. Alfonsina é um nomes mais aclamados do cenário alternativo do Uruguai hoje e sua música é bem fincada na raiz do rock n’ roll clássico, ainda assim, a cantora e guitarrista consegue trazer muita personalidade para o suas composições. As músicas são agressivas e sedutoras, em alguns momentos há um toque mais dançante e, em outros, uma sensualidade que de alguma forma remete à música francesa.
E então, veio uma das bandas mais aguardadas do evento, a Tuyo. O trio se apresentou para um público completamente entregue, que sabia cantar de cor boa parte das músicas e que mal podia esperar para vê-los ao vivo pela primeira vez no Pará. A banda se mostrou profundamente emocionada pelo carinho e a troca que teve com o público foi linda de se ver. Enquanto Machado segurava os beats e o violão, as complexas melodias vocais de Lio e Lay ecoavam por todo Se Rasgum com a potência de um trovão. Foi de arrepiar.
Nessa noite, o line-up estava ainda maior do que nas anteriores, ao todo foram dez shows principais – fora as pequenas gigs que aconteciam de tempos em tempos no pequeno palco situado ao lado da praça de alimentação do evento. Dentre as atrações principais, a seguinte foi Maurício Pereira, que chegou acompanhado de uma banda sensacional para apresentar um show belíssimo, forte e delicado ao mesmo tempo, focado na sua carreira solo. Tim Bernardes, filho de Maurício, foi citado várias vezes no show, até porque o baterista que estava no palco era o Gabriel Basile, que também toca no O Terno.
O show de Maurício foi intenso, mas o seguinte, do Carne Doce, foi uma verdadeira catarse. A banda nunca tinha tocado em Belém e, desde antes de eles subirem ao palco, a plateia já estava urrando, clamando pelos goianos. Primeiro, os quatro instrumentistas subiram e começaram a introdução de “Comida Amarga” e, quando a vocalista Salma Jô chegou, a plateia veio abaixo. A performance incendiária da banda foi gasolina para o fogo do Se Rasgum e a único problema que alguém poderia apontar na apresentação deles foi que não durou para sempre.
Já era tarde quando a dupla inglesa AK/DK começou seu segundo show no festival (durante a programação de aquecimento para o evento, eles haviam tocado no bar Ziggy). Apesar da hora, se sentir cansado não era uma opção se você estivesse em frente à parede de som que eles são capazes de produzir. Com duas baterias e uma série de programações eletrônicas, a dupla faz uma pancadaria dançante que se encaixou perfeitamente à proposta dos DJs do Uaná System, que fizeram uma participação no show.
A fritação deles dividiu o público do evento, uma multidão ficou vendo-os alucinada, mas outra multidão começou a se aglomerar no outro palco para garantir um bom lugar para ver a atração que fecharia o evento: Céu. A lua minguante já estava alta quando a cantora chegou mostrando por que havia sido escolhida para encerrar o evento.
Pela primeira vez no Se Rasgum, Céu veio fazer um show de encerramento da turnê do elogiadíssimo Tropix. E, logo que pisou no palco, ela foi recebida por uma gritaria descontrolada. Isto é um fato que se repetiu em muitos shows, se tem algo que caracteriza o público de Belém é o seu calor.
A apresentação da Céu foi incrível, com uma carreira sólida que já atravessou 13 anos e conquistou público em vários países, ela é uma artista que passa muita segurança de si. Ainda que tenha tido um filho há pouco tempo, sua movimentação no palco foi eletrizante e as pessoas cantaram com ela todas as músicas do show, talvez a única exceção tenha sido o cover de “Enjoy The Silence”, do Depeche Mode, que ela fez. Seu show teve direito a bis e foi o mais longo do festival. Quando acabou, já era algo como 4h da manhã, mas isso não quer dizer que a noite tivesse acabado. Teve muita gente que ficou até de manhã no Insano Marina Pub pirando no som dos DJs que transformaram o local em uma festa.
Depois de tudo isso, quem esteve presente no 13º Se Rasgum com certeza saiu de alma lavada. Contando com um lista de atrações impressionante e representativa, com um número significativo de mulheres e artistas LGBT em destaque, apresentando uma estrutura excelente, tanto nos palcos quanto na área de alimentação, e trazendo o lema “se fere nossa existência, seremos resistência”, o festival se mantém como um dos eventos mais importantes do gênero em todo país. Vida longa ao Se Rasgum.