Visto de cima, o mar de cabeças cantando em uníssono as canções de Ainda há Tempo, álbum de 2006 relançado em março, faz pensar sobre o que mudou desde a primeira passagem de Criolo por aqui, há quatro anos. À exceção do lançamento de Convoque seu Buda (2014), no Pepsi On Stage, os encontros do cara com o fiel público gaúcho são sempre no Opinião – ontem, tão lotado quanto em todos os shows anteriores, ou mais lotado do que nunca? Difícil saber.
Aos 40 anos, 27 de carreira, Criolo está menos messiânico e mais leve, mas não deixa de ser político. Logo depois da primeira música, “No Sapatinho”, manifestou-se em defesa dos estudantes gaúchos que, em 15 de junho, ocuparam a Secretaria da Fazenda (Sefaz) e, agora, correm o risco de serem presos. O show prosseguiu com os hits absolutos “Duas de Cinco” e “Lion Man”. Quem esperava um discurso mais contundente em clima de Olimpíada, entretanto, satisfez-se com o momento ”Fora Temer” puxado pelo público e a gritaria pela desmilitarização da polícia antes do bis.
A leveza também se dá, em parte, pelo formato mais enxuto: Criolo parece confortável acompanhado apenas dos DJs DanDan e Marco. Daniel Ganjamen, na mesa de som, mixa ao vivo e assina a direção musical da turnê. O palco mais vazio tem como cenário uma imensa tela de LED com animações criadas pelo artista plástico Alexandre Orion. A banda, entretanto, faz falta em alguns momentos, especialmente nas canções de Nó na Orelha (2011). A plateia, que canta junto absolutamente todas as canções, não parece se importar.
Um dos momentos mais bonitos e importantes da noite foi a mensagem da Anistia Internacional. Criolo assina a trilha da campanha “Jovem Negro Vivo” desde 2014 e, nesta turnê, está acompanhado de uma equipe que recolhe assinaturas para a petição. A mensagem:
Dos 30 mil jovens vítimas de homicídios por ano no Brasil, 77% são negros.
A plateia de Criolo em Porto Alegre, entretanto, tornou-se majoritariamente branca – o que tem certa carga simbólica. O artista não faz distinção diante de seu público, eu que faço. Se antes, as canções de Ainda há Tempo eram a cereja do bolo, que identificavam os fãs mais antigos na massa, do relançamento para cá, deu tempo de todo mundo decorá-las. Com três discos de estúdio e uma penca de hits, Criolo tornou-se um gigante, provavelmente o grande ícone desta geração. Mas terá sua mensagem inicial se perdido em meio a tanta popularidade? Uma das meninas da Anistia me contou, na saída do show, que um rapaz perguntou “o que isso tem a ver?” depois de ser convidado à assinar a petição. O genocídio dos jovens negros no Brasil? Com Criolo? Ora, na melhor das hipóteses, tudo.
Provavelmente o fã o fez logo depois de cantar emocionado “as pessoas não estão más, elas só estão perdidas”, na canção-estrela do bis, “Ainda há tempo”.