Duda Beat: “Tenho tesão pelo esquisito, isso faz parte do meu universo”

08/10/2024

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Rafa Rocha

08/10/2024

Eduarda Bittencourt teve um sonho e foi em busca dele. Assumindo o nome artístico de Duda Beat, a pernambucana radicada no Rio de Janeiro decidiu transformar em música o conteúdo que vinha elaborando após anos de acúmulo de dores emocionais. Seu álbum de estreia, Sinto Muito (2018), foi uma forma que encontrou para transmutar sentimentos pessoais. Mas, ao dividir suas emoções com o público, Duda também deu voz a muitos, que, assim como ela, precisavam curar suas mágoas em uma pista de dança. Com sua sofrência pop, Sinto Muito conquistou rapidamente o Brasil.  

Nos anos seguintes, a projeção do seu trabalho só cresceu, levando a artista a se apresentar de Norte a Sul do país, fazer shows na Europa, ganhar prêmios e somar números milionários de execuções nas plataformas de streaming. A trajetória ascendente, porém, esbarrou na pandemia de Covid-19. O segundo disco de Duda começou a ser gravado na mesma época em que os casos da doença chegaram ao Brasil e toda a sua produção foi atravessada pela angústia e pelo isolamento decorrentes disso. 

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Ao lado dos produtores Lux Ferreira e Tomás Tróia, que também é o seu marido, Duda Beat concebeu o trabalho mais dark de sua vida. Com sua capa preta, Te Amo Lá Fora dá continuidade a discografia dela contrastando com o branco que estampava a capa do álbum anterior. Mais desiludida, no melhor sentido da palavra, Duda mostra agora por que merece o posto de diva.

Olhando para trás, como você avalia o ciclo do Sinto Muito (2018)? 

Acho que foi um ótimo primeiro disco. Foi mais simples, em termos de arranjo, e tinha uma ingenuidade muito bonita ali, de início de carreira. Acho muito lindo a capa dele ser branca. Se a gente pensar nas cores, o primeiro disco é branco, o segundo é preto, tem uma simbologia por trás disso, né? O primeiro é completamente iludido e o segundo é muito mais desiludido, é muito mais eu caindo na real. Mas é um primeiro disco maravilhoso, tem sei lá quantos milhões de plays, e acho que conquistou o coração das pessoas pela ingenuidade e pela verdade que ele tem. 

Olho pra trás e tenho muito orgulho de tudo que está ali. Sou uma artista que quero chegar aos 80 anos e ver que as minhas músicas envelheceram bem. E eu acho que isso vai acontecer com o Sinto Muito e com o Te Amo Lá Fora também. O Te Amo Lá Fora, em termos de arranjo, é muito mais elaborado e é um disco que, daqui a dez anos, as pessoas vão entender talvez melhor do que agora. É pra frente, é vanguarda.  

Nos últimos anos, você construiu um público sólido, alcançou números expressivos nas plataformas de streaming, viajou pelo Brasil, para o exterior… O que você sente que aprendeu com a vida na estrada? 

Aprendi tanta coisa… Ao mesmo tempo em que eu aprendi, como ser humano, a ser mais firme nas minhas decisões e a me colocar em primeiro lugar, eu aprendi a compartilhar com as pessoas que eu amo de uma forma muito bonita. A estrada faz com que a gente tenha essa segunda família, que é a nossa equipe, que são as pessoas que a gente escolheu para estar ali, vivendo aquele sonho junto com a gente. E eu só tenho amigos na minha gig, isso é muito maravilhoso. Então, uma das coisas que eu mais aprendi foi isso, compartilhar e viver esse sonho com os meus amigos. O meu palco é um palco muito democrático, é um show onde todo mundo brilha, cada um tem o seu momento ali. Eu acho que é isso, o que essa vida me ensina é a compartilhar com as pessoas que eu amo. 

E quando começou o processo de elaboração do Te Amo Lá Fora?  

Faz muito tempo, antes de lançar o Sinto Muito, o Te Amo Lá Fora já dava seus sinais. Por exemplo, “Melô de Ilusão”, que veio do Sinto Muito, já estava ali no coração do Te Amo Lá Fora. “Nem Um Pouquinho” também foi feita entre uma coisa e outra. Acho que o Te Amo Lá Fora começa na sala do Lux [Ferreira], no apartamento em que ele morava, na Gávea, com a gente testando o primeiro arranjo da “Nem Um Pouquinho”.

Quando foi isso? 

2018, logo depois de lançar o Sinto Muito. A gente não pára, eu faço um disco já pensando no outro. Quando a gente lança um disco, já ouviu milhares de vezes aquele disco, então a gente sempre está apontando pra frente.

Tanto o Sinto Muito quanto o Te Amo Lá Fora trazem um viés autobiográfico, em que você se expõe. Como você se sente em relação a isso? 

Pra mim, é muito natural. Eu sempre fui uma pessoa que falava pra Deus e o mundo quando estava apaixonada, sempre fui uma pessoa muito livro aberto na minha vida, e isso se projeta na minha carreira. Todo mundo sabe em quem eu vou votar, todo mundo sabe o que eu penso, eu sou muito transparente nas minhas escolhas. Quero que os meus fãs tenham acesso à verdadeira eu.

Então, não foi uma dificuldade me abrir e expor essas coisas que estavam no meu coração, não. Pelo contrário, fez parte da minha cura. É como se fosse um diário que todo mundo pode ler. Se esse diário vai ajudar outras pessoas a superar algumas coisas, está tudo certo, sabe? Pode ler o meu diário. O propósito maior é me curar, curar outras pessoas. A confirmação disso veio logo depois que lancei o Sinto Muito, com a quantidade de mensagem que recebi sobre o quanto o meu disco, minhas letras, ajudaram outras pessoas a superar o fim de um relacionamento. Isso é o propósito da arte, é você transformar a vida de alguém. 

O que você sente quando lê mensagens desse tipo? 

Fico muito feliz e tocada, porque a arte cumpriu o seu papel. Tenho falado bastante sobre isso, muita gente chega pra falar comigo, chorando às vezes, sentindo a dor de um término de uma coisa, e a gente só se abraça, sabe? Tento passar o máximo do que eu aprendi nessa vida para as pessoas que vêm falar comigo. Por cantar sofrência, as pessoas que sofrem vêm até mim pra conversar. Essa troca é maravilhosa, ouvir o que elas têm pra dizer faz parte da cura da pessoa e da minha também. Então, fico muito feliz e realizada porque vejo que o ciclo se fechou, a arte cumpriu realmente o seu papel de transformar, de ajudar. 

E quando você começou a compor e gravar o disco Te Amo Lá Fora

A gente mergulhou de fato nesse universo um pouquinho antes de começar a pandemia. O último show antes da pandemia foi em João Pessoa e, vendo depois, ele tinha uma cara de despedida. Fui pra um lugar que eu nunca tinha ido, estava a minha família inteira comigo. Tinha uma cara de despedida e de “volto logo”. E aí eu já tinha tirado uns 15 dias com os meninos pra fazer uma imersão e começar a compor as músicas desse disco, que até então não tinha nome. E a gente foi, um pouco depois desse show, em março [de 2020]. Enquanto estávamos já isolados, a gente descobriu que o país e o mundo estavam vivendo uma pandemia. E aí continuamos isolados.

Vocês ficaram numa casinha compondo?

Uma casinha massa, compondo, e nessa casinha a gente fez “Meu Pisêro”, “Tu e Eu”, foi um momento muito criativo. Minha rotina era maravilhosa, porque eu acordava cedo, tomava o meu café, botava a minha canga do lado da piscina, perto da natureza, escrevia as canções… Aí depois íamos pra sala, o estúdio estava meio que montado, começávamos a trabalhar, teve música que os meninos fizeram a base antes, e aí de manhã eu acordava e escrevia a música… Então, foi uma forma muito gostosa, muito prazerosa. Esse momento de composição é um momento muito maravilhoso, que eu acho que muito pouco se fala sobre. É um momento mágico, quando a mágica acontece. A gente desenhou praticamente o disco inteiro lá, dez canções.

Quem estava lá?

Eu, Tomás, Lux, aí depois chegou Camila e Luiza [de Alexandre], e Gabriel [Bittencourt] também estava com a gente. Aí voltamos com o disco todo desenhado, tinha canções que a letra ficou pela metade e eu terminei no isolamento em casa. Foi um jeito diferente de fazer disco né, o Tomás mandava [as faixas] para o Patrick [Laplan], que gravava o baixo [à distância]. O Lux é meu vizinho, então era a única pessoa que a gente estava encontrando. Era eu, ele e Tomás aqui em casa trabalhando, dando corpo ao disco. 

Foi um disco atravessado pela pandemia, você sente que esse contexto está de alguma forma impresso no álbum? 

Completamente, é um disco melancólico. Por mais que eu esteja mais desiludida e mais empoderada, é um disco onde eu estou de fato encarando esses assombros que o amor traz. Essa ansiedade, essa coisa no meio da noite, quando você acorda chorosa, meio triste. Ele reflete completamente essa angústia que a gente viveu nesses últimos dois anos, ainda vive, porque a pandemia não acabou, né? Então, é o meu disco black, que foi lançado durante uma pandemia, sem show. É um disco dark por isso. Eu acredito até que eu iniciei essa coisa dark no Brasil, foi com o Te Amo Lá Fora

Comenta um pouco isso, é uma certa tendência, né?

É uma certa tendência, né, hoje em dia. Mas fico muito feliz em ter sido a primeira a fazer essa coisa dark assim e a assumir o dark, o vampiresco, a unhona grande… Os meus clipes falam isso, “Meu Pisêro” e “Nem Um Pouquinho”. Acabou virando uma febre depois. Fico feliz, porque eu acredito que também sou referência, nesse sentido principalmente, para o Brasil. Depois que saiu o encarte inteiro do Te Amo Lá Fora, as pessoas olharam pra mim com um olhar diferente, de tendência. Eu sinto que a gente iniciou aí essa era, e isso me deixa muito realizada. 

O Te Amo Lá Fora abre com um sample da Cila do Coco, enfatizando essa sua raiz pernambucana. Como você vê essa relação entre as músicas ancestrais do Brasil e a música pop contemporânea? 

Abraçar a nossa individualidade é também olhar para as nossas origens e raízes, né? Isso é da maior importância. Todo disco meu vai ter uma referência sobre o que eu ouvi quando era criança, porque faz parte de mim, né? Para o próximo disco, quero trazer um outro ritmo do Nordeste, que eu ainda não explorei, e é óbvio que vai ter muito de pop mundial, porque é o que eu faço, eu trago as coisas de fora [do país] para dentro, e de dentro pra fora, mas sempre quero que tenha, nos meus discos, homenagens às minhas origens.

É por isso também que eu acabo sendo uma referência e tenho um certo protagonismo em uma nova cena, nesse sentido de ser uma pessoa do underground que furou a bolha. Isso tem muito a ver não só com a minha verdade colocada no mundo, mas também com esse abraço às origens. Eu gosto de artista único, que não segue fórmula. Então, eu quero ser isso também. Quero ser a pessoa que vai misturar referências. Vai ficar meio esquisito, mas é isso aí, tem a ver comigo, sabe? É abraçar as nossas esquisitices, as coisas que a gente se identifica. Cada vez mais, quero me tornar essa artista, que abraça a minha individualidade e tem o olho atento para o passado e para o futuro. 

Por isso, eu acho que os meus discos são de vanguarda, as pessoas vão entender ainda. Porque mirei muito no futuro, as misturas são novas. Não me recordo de ninguém fazendo esse tipo de mistura. É uma coisa única, é diferente, e eu tenho esse tesão pelo diferente, pelo esquisito, pelo maravilhoso, eu acho que isso tudo faz parte do meu universo desde que eu sou criança.          

Sobre os convidados do álbum, a Cila e o Trevo, o seu trabalho acaba apresentando eles para um outro espectro de público, qual a importância que você vê nesse processo?

A gente tem que se preocupar com isso, as pessoas que vieram antes da gente são maravilhosas, precisam ser exaltadas até o final. E não só as que estão no foco da mídia, tem muita gente muito talentosa que as pessoas ainda não descobriram. Se eu amo essa artista, por que eu não vou ter essa artista no meu disco? Nem tudo é sobre número, a gente precisa ter match artístico com as pessoas que a gente faz colaboração. Isso é uma coisa que está um pouco esquecida, as pessoas só querem atingir o top não sei do quê. Isso é consequência, entendeu? 

E eu tenho o maior orgulho e o maior prazer de, no meu segundo disco, abrir um pouquinho mais esse espectro do olhar das pessoas para o Trevo. O Trevo é um compositor maravilhoso! Se você escuta o disco do Trevo e o da Cila, são discos maravilhosos, que deveriam estar sendo exaltados. Por que eu não vou colocar no meu disco pessoas que eu admiro? Cila do Coco é uma das pessoas mais maravilhosas que eu já conheci, engraçada, talentosa demais… Eu me sentei com ela pra conversar e ela escreveu uma música na minha frente. 

Então, eu queria que todo mundo soubesse quem é Cila do Coco e Trevo. Eles merecem que as pessoas saibam quem eles são. É sobre isso, o Brasil é gigante, a gente tem muito talento. Eu não tenho gravadora, sou uma cantora independente, nordestina, e aí, por exemplo, a Ivete [Sangalo] foi generosa pra caralho comigo, me colocou no palco dela. É sobre isso, a gente precisa se ajudar. Mais do que querer se dar bem, a gente precisa se ajudar neste sentido artístico.

Recentemente, entrevistei a Marina Sena, na Noize #120, e ela citou você como alguém que vem abrindo portas. Na visão dela, você trouxe um olhar profissionalizante, do cenário pop, para os artistas que vem de um contexto indie. O que você acha dessa percepção?

Eu sinto muito honrada, a Marina já abriu show meu com a banda Rosa Neon, no Circo Voador. Eu e Tomás sempre fomos super fãs dela, da banda, e ver ela crescendo, conquistando o espaço dela, é muito bonito. Eu quero ser essa pessoa que é uma referência para os novos artistas, mas nesse sentido de não seguir fórmulas, de fazer o que tá com vontade, de ser verdadeiro consigo mesmo. 

Eu quero que todas as gerações me vejam como uma inspiração nesse sentido de que você pode ser o que você quiser na sua vida. Só acredita na sua verdade, coloca o que você tá a fim e vai. Acredita e vai. Faz sua mistura, faz sua parada única, faz a coisa que você gosta de ouvir. Eu gosto de ouvir os meus discos, eu não escuto sempre, mas eu quero ter discos que eu escute e fale assim: “Caraca, isso aí é massa, que bom que eu botei isso no mundo”. A gente tem que colocar no mundo o que a gente acredita, o que a gente curte. Eu fico muito feliz que ela me veja como uma referência e eu torço muito pelo sucesso dela e das próximas gerações aí que vão vir. 

O país tem uma produção musical gigante, mas todas as etapas da cadeia produtiva enfrentam muitos desafios, do artista às casas de shows, passando pelo público. O que você acha que falta no Brasil para a gente ter um mercado musical mais saudável pra todo mundo? 

Eu acho que faltam meios de visibilidade mais democráticos. A rádio, por exemplo, é uma formadora de opinião, sabe? Qualquer pessoa que faz música brasileira, no Brasil, tem que tocar na rádio, velho. Não existe isso! Tem rádios no Sudeste em que eu não toco, vamos começar por aí. Apesar de eu ter chegado onde eu cheguei, tá? Na maioria dessas negativas, o que eles falam pra mim é que a minha música tem elementos demais. A minha música é uma música brasileira, e ponto. E a rádio é educadora, formadora de opinião, todo mundo que tá fazendo música tem que estar tocando na rádio. Tem espaço pra todo mundo, o que eu acho que falta é a rádio abrir mais espaço para os novos talentos. Todas as mídias, televisão, impresso, têm que ter a antena mais ligada. Tem muita gente talentosa.

Também tem que parar com esse preconceito de falar em “sons do Nordeste”, é som brasileiro. O som do Pará é um som brasileiro, o som do Sul é um som brasileiro, a gente tem que abraçar. Em um país que tem uma extensão gigante, imagina a quantidade de gente boa fazendo música boa. Eu acho que deveria haver uma pesquisa de tudo que está acontecendo, real. Tipo, você vai na Audio Rebel [no Rio de Janeiro] e tá tocando Ana Frango Elétrico, que é maravilhosa, e por que a Ana não tá tocando na rádio? Se a música dela é deliciosa? Qualquer pessoa amaria. Falta uma pesquisa mais profunda desses meios de mídia pra apresentar novos talentos, porque o país está cheio. 

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 124 da revista NOIZE, lançada com o vinil de Te Amo Lá Fora, da Duda Beat, em 2022.

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Ariel Fagundes

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