Em faixa a faixa, Iara Rennó disseca as músicas do novo disco Orí Okàn

07/06/2023

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Por: Revista NOIZE

Fotos: Jessica Lemos/Divulgação

07/06/2023

Em Orí Okàn, Iara Rennó usa uma sonoridade minimalista para saudar os orixás por meio de cantigas do candomblé. “Não chega a ser uma voz e violão, mas o protagonismo está nas composições. Eu queria que as músicas soassem um pouco como elas foram compostas, no violão, sendo eu comigo mesma, num ambiente íntimo. Não aguentei e acabei colocando umas coisinhas a mais, mas sem perder o foco”, disse em entrevista à NOIZE na época de lançamento do primeiro single, “Iemanjá”. 

A canção que abre o disco é de autoria de Serena Assumpção e reafirma a conexão entre a obra das artistas. “Eu vejo a presença dessa música no disco como um elo entre mim e Serena Assumpção. Ela esteve muito próxima no momento da concepção de Oríkì, em 2009. Serena foi a primeira a ouvir a primeira música que eu compus pro disco “Ave Leve”. Ao mesmo tempo em que ela me incentivou a acreditar no projeto, imagino que tenha acendido nela a primeira faísca do que viria a ser o Ascensão (2016). Através desse registro, estou sublinhando a importância dessa conexão entre Serena, Iemanjá e Iara”, escreve Iara no faixa a faixa sobre o disco. 

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Lançado no final de maio pelo selo dobra discos, o nono álbum da compositora conta com 11 músicas produzidas por Iara entre Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Com o violão, a voz e a percussão em foco, o trabalho conta com participações especiais de Karina Buhr, Moreno Veloso, Zé Manoel e o trio Negresko Sis, formado por Anelis Assumpção, Céu e Thalma de Freitas. Além de reunir instrumentistas convidados como Gabi Guedes, Aline Gonçalves, Maria Beraldo e Aline Falcão.

O trabalho é um disco irmão de Oríkì, lançado há menos de um ano e indicado ao Grammy Latino. Em iorubá, Orí Okàn significa cabeça-coração, sublinhando assim a relação íntima da artista com o candomblé, universo que está inserida há mais de 20 anos. No faixa a faixa, Iara conta os processos que a levaram a cada uma das composições: 

“Iemanjá”: Eu vejo a presença dessa música no disco como um elo: uma conexão/ re-conexão, entre mim e Serena Assumpção (compositora da música), bem como entre nossas obras. Ela esteve muito próxima no momento da concepção de Oríkì, em 2009. Serena foi a primeira a ouvir a primeira música que eu compus pro disco “Ave Leve”. Ao mesmo tempo em que ela me incentivou a acreditar no projeto que ali nascia, imagino que tenha acendido nela a primeira faísca do que viria a ser o Ascensão (2016). Anos depois, em 2019 na “Pretoperitamar – O Caminho Que Vai Dar Aqui”, Anelis me chamou para colaborar com ela na direção musical e também para atuar, sem que eu tivesse planejado, Iemanjá ‘veio parar na minha boca’ na véspera da estréia. O modo como isso aconteceu, eu senti que era um desígnio, um presente de Serena para mim. Eu aceitei e, através desse registro, estou sublinhando a importância da conexão entre Serena, Iemanjá e Iara. 

“Orí Axé” com Anelis Assumpção, Céu e Thalma de Freitas: Uma das primeiras músicas compostas nessa leva dentro do terreiro, com uma letra auto-explicativa. A mensagem é simples e direta, a comunicação é instantânea, e tenho percebido que a recepção das pessoas também é. Orí Axé saúda o Orixá Orí, ao mesmo tempo em que saúda o Ilê (terreiro), ao mesmo tempo em que saúda o orixá de cada um que for entoar. Essa música me emociona sempre, ainda mais com esse vocal divino das Negresko Sis (Anelis Assumpção, Céu e Thalma de Freitas).

“Oyá Mesan”: A mais antiga das canções desse álbum, essa composição se iniciou em 2005, mas eu não sentia que ela estava pronta. Foi só em 2020 que fiz os arremates finais para concluir a música de maior responsabilidade pra mim, pelo Orixá que ela evoca. Nela, eu cito um orin (cantiga de orixá ketu) bastante conhecida pela comunidade de terreiro, “afulele ade o”, que significa algo como “o vento pode soprar/ o vento pode coroar”. Além da percussão do mestre Gabi Guedes, a faixa conta com clarone e clarinete de Maria Beraldo, que evocam, através do sopro, a força do elemento principal desta Iabá  (orixá feminina).

“Oluayê” com Zé Manoel: Essa música tem uma letra um pouco hermética, mas ela trata de uma experiência que vivi, em algum dos mundos por onde trafegamos quando adentramos no universo mágico do mistério. Oluayê é o apelido carinhoso com o qual chamamos um dos mais temidos dos orixás, o Obaluayê ou Omolu. A música veio pra mim, assim, em um momento mais íntimo. Zé Manoel me veio à cabeça não apenas pela profundidade de seu piano, mas também por sentir nele uma familiaridade com esse orixá – para quem ele canta em algumas de músicas de seu repertório. Seu timbre de beleza único caiu como uma luva. É uma das faixas que mais me emociona, e, pela magia que envolve seu nascimento, acredito que irá reverberar fundo no povo de axé. 

“Chamado de Oxumarê” com Karina Buhr: Mais uma canção que foi feita dentro do terreiro e fala sobre o “enredo de orixás”, envolvendo sonhos e pessoas, toda a magia e o mistério que operam nesse trajeto. No caso, com a própria Karina Buhr, que além de ser uma amiga de longa data, ela foi, de certo modo, a pessoa que me levou para o mesmo terreiro, e por isso acabou se tornando minha ‘mãe pequena’, e fez essa linda participação na faixa.

“Baragbô”: Mais uma feita dentro do terreiro e em homenagem ao terreiro do qual eu faço parte, o Ilê Axé, Opo Baragbo, de Babá Edigar Biyi. Essa música fala da linhagem de axé. O Baragô é um afluente do Aganju, que por sua vez saiu do Afonjá. É o caminha das águas de uma família de santo. No coro, filhos do Baragbô, Gilvan Silva, Suellen Araújo, Max B.O. e Karina Buhr. Na co-produção musical, Tiganá Santana foi quem direcionou a sonoridade da faixa para suas raízes mais profundas, mais tradicionais: o samba de roda do recôncavo.

“Stella Estrela”: Essa música foi feita na época em que Mãe Stella fez sua passagem para o Orum. Apesar de quase não ter convivido diretamente com ela, essa música me veio como uma homenagem, como grande admiradora que sou dessa Ialorixá, escritora e  pensadora fundamental para a construção social do candomblé na atualidade. Além do violão tocado por mim – assim como todos os violões do disco –, a presença fundamental do violoncelo gravado por Moreno Veloso, a evocar também o Oxóssi de Mãe Stella.

“Logun” com Moreno Veloso: Essa foi a última composição do disco a ficar pronta. Eu acho Logun Edé um orixá bastante misterioso… tenho alguns amigos queridos que são filhos de Logun, dentre eles, Moreno. Quando a música ainda era só uma fagulha, eu já pensava no axé que ela receberia com a voz dele! Uma voz com suavidade, firmeza e precisão. Essa é a nossa estreia em dueto num fonograma. Para completar as bênçãos, chamei Gabi Guedes, ogan do do terreiro do Gantois.

“Deixa lá (Por um defeito de cor)”: Essa música é dedicada a Oxalá e a família funfun – ou, como se diz muito entre nós candomblecistas, o povo “do branco”. Na co-produção musical, Tiganá Santana foi quem ‘ouviu’ na música a voz como o único instrumento necessário. O sopro da vida, que vem de Oxalá. 

“Ogyan” com Anelis Assumpção, Céu e Thalma de Freitas: Cantiga dedicada a Oxaguian, o Oxalá mais novo, essa faixa é praticamente uma vinheta, apenas a evocar uma vibração de paz, de pacificação, intensificada pelo poder das vozes dessas cantoras maravilhosas, Thalma de Freitas, Anelis Assumpção e Céu.

“Orí Okàn Cici”: Aos 45 minutos do segundo tempo, surge essa faixa, uma bênção em si, de Egbômi Cici. Ela fez parte do meu caminho desde a minha estadia como abiã no Aganju, casa da qual faz parte, na época da pesquisa e criação com os Oríkì, e anos mais tarde tornou-se minha tia de santo. Essa fala foi feita durante as filmagens do filme que sairá depois do disco (com direção de Leonil Kofo), onde ela cita um orin (cantiga) que contém a expressão “forikan” – uma contração das palavras orí + okan, e cai como uma luva pra dizer o porquê do nome do disco. Foi aliás, quando eu contei pra ela que o álbum se chamaria Orí Okàn que ela logo se lembrou dessa cantiga.

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