Conheça a vida e a obra de Itamar Assumpção  

12/06/2023

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Lucas Vieira

Por: Lucas Vieira

Fotos: Acervo MU.ITA (Museu Itamar Assumpção)/ Reprodução

12/06/2023

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 129 da revista NOIZE impressa, lançada com o vinil de Isso Vai Dar Repercussão, de Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos.

“Sou afro brasileiro puro”, canta Itamar Assumpção em “Cabelo Duro”, faixa de Isso Vai Dar Repercussão. Francisco José Itamar de Assumpção nasceu  em Tietê, cidade localizada a duas horas da capital paulista, em 13 de setembro de 1949. Com o avô, tocador de pratos, absorveu as primeiras influências musicais. Com o pai, aprendeu os sons da umbanda, atento aos ritmos do terreiro. Sozinho, os acordes no violão e nunca mais parou. 

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Na juventude, quando vivia em Londrina com os irmãos Narciso e Denise, se aventurou no teatro, fato que seria definidor para o seu desenvolvimento artístico, e principalmente na construção da sua persona no palco. Em 1972, conheceu Arrigo Barnabé, que naquela época estudava arquitetura. No Paraná, se tornou “isca de polícia”. Itamar estava no ponto de ônibus com o gravador emprestado de um amigo, quando foi preso sob a alegação racista de que o equipamento era roubado.

Após o episódio, partiu para São Paulo com a turma de Arrigo e seu irmão, o baterista Paulo Barnabé. “Eu saquei que um crioulo metido a compositor no Brasil teria que entender aquele Arrigo Barnabé. Fui lá tocar baixo e fazer arranjo naquela música atonal”, contou Itamar no programa Provocações, exibido em 2001. Além de parceiros criativos, mantiveram amizade e dividiram projetos. 

Em 1974, criam a banda Navalha e escrevem “Tô Tenso”, única composição do trio. Nos anos que passaram, Itamar teve duas filhas, Serena (1977-2016) e Anelis, nascida em 1980 – ele já era pai de Celina, filha do primeiro casamento de Zena. Mas mantiveram a presença um na vida do outro, Clara Crocodilo e Beleléu, Leléu, Eu, foram lançados no mesmo ano, 1980, com Paulo na bateria. Um ano antes, com a mesma formação, Itamar acompanhou a Sabor de Veneno no primeiro Festival Universitário da MPB, organizado pela TV Cultura. A composição de Arrigo Barnabé e Regina Porto, “Diversões Eletrônicas”, venceu o festival. Em segundo lugar, ficou “Brigando Na Lua”, do Premeditando o Breque, banda que, assim como o Grupo Rumo, integraria a Vanguarda Paulista. 

O coletivo de artistas tinham em comum a proximidade com o universo acadêmico e propostas de pensar a música brasileira por caminhos não convencionais. “O Itamar era o único que não era universitário. E talvez fosse a pessoa com o som mais pronto e bem acabado esteticamente. Ele era jovem como a gente, mas o cara era do babado, não era brincadeira”, conta Suzana Salles, integrante da Isca de Polícia e Sabor de Veneno, em depoimento ao projeto Música de São Paulo.

Embora não fosse universitário, conhecia a música popular, e somava tudo isso à experiência no teatro. Desenvolveu uma linguagem singular: “Eu não posso só fazer meu sambinha, tenho que chegar tocando contrabaixo, fazendo arranjo, compondo, montando banda, fazendo um monte de coisa, trazendo ligação com cinema, teatro, com tudo”, disse no Provocações. Benedito João dos Santos Silva Beleléu vulgo Nego Dito, é o personagem fictício, mas muito tem de autobiográfico. No disco de estreia, é protagonista em faixas como “Nego Dito” e “Luzia”. 

O registro foi o primeiro trabalho lançado pelo selo do Lira Paulistana, uma empreitada que registrou as bandas que se apresentavam no palco do teatro de mesmo nome, aberto entre 1979 e 1986 em Pinheiros. No disco, introduziu a banda que o acompanharia até o final da próxima década, a Isca de Polícia. O grupo foi formado para os shows do LP e aparece a partir do álbum seguinte, o Às Próprias Custas S.A. (1981).

Itamar ensaiava rigorosamente as canções e vivia recriando arranjos: “Teve uma música que ensaiamos durante seis meses, todas as manhãs, para apresentar em um festival na Globo”, relembra Paulo LePetit, baixista da Isca de Polícia, no documentário Daquele Instante Em Diante (2011). A partir de Sampa Midnight (1985), os poetas passam a ser os seus parceiros, teve parcerias com Alice Ruiz, Paulo Leminski e Waly Salomão, entre outros.

Até o final da década, lançaria um único disco por uma gravadora, a Continental, Intercontinental – Quem Diria! Era Só O Que Faltava!!! (1988) traz faixas como “Mal Menor” e “Zé Pelintra”. Embora hoje o mercado independente seja viável para um artista, a história era outra nos anos 1980. Sem o apoio financeiro, era difícil arcar com os custos de gravação, distribuição de discos de vinil, além de tocar no rádio e atingir o público. Para Itamar, lidar com o mercado era difícil.  De volta ao independente, na década de 1990, cria uma nova banda, as Orquídeas do Brasil com instrumentistas da Universidade Livre de Música Tom Jobim. Acompanhado do grupo de musicistas, Assim, lança a trilogia Bicho de Sete Cabeças (1993). É o período de canções delicadas como “Tua Boca” e “Milágrimas”.

Três anos depois, mistura integrantes das bandas para gravar Pra Sempre Agora – Ataulfo Alves por Itamar Assumpção (1996), disco com participação de Jards Macalé. “Itamar pega pesado e interfere com firmeza no som de Ataulfo. Destrincha. Ironiza. Brinca. Voa. Se apropria. Nada de respeito hipócrita, reverência ou submissão. A escolha já mostra a admiração. Itamar lê Ataulfo à sua moda. A de quem foi criado ouvindo batuques no terreiro”, escreve Paulo Betti no encarte da Caixa Preta. 

Em 1998, lançou seu último disco em vida, Preto Brás I – Por que que eu não pensei nisso antes?, pensado como o primeiro capítulo de uma trilogia. Com 21 faixas, o álbum apresenta o novo personagem, que batiza o disco e, segundo o músico, era um “Nego Dito do próximo milênio”. Mesmo com as dificuldades impostas pelo câncer, Itamar seguiu com a produção intensa. “Ele tinha essa compulsão por compor, são centenas de composições registradas”, conta Anelis Assumpção. Sete fazem parte do álbum Isso Vai Dar Repercussão, lançado em 2004, e outras 29 foram distribuídas entre os volumes II e III da trilogia Preto Brás (2010).

O músico morreu aos 53 anos em 12 de junho de 2003. Seus discos influenciam artistas de diferentes gerações – Cássia Eller, Juçara Marçal, Ney Matogrosso e Jadsa são alguns. Em 2012, Zélia Duncan gravou Tudo Esclarecido, álbum em que interpreta composições de Itamar, que também teve sua história de vida contada na peça Pretoperitamar (2019). O seu acervo está reunido no museu virtual MU.ITA e foi eternizado como uma estátua no Centro Cultural Penha. A memória e a obra de Itamar seguem vivas.

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12/06/2023

Lucas Vieira

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