Entrevista | Céu traz contrastes não literais em “APKÁ!”

19/09/2019

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Fábio Audi e Marcos Costa/Divulgação

19/09/2019

Na manhã da última sexta-feira 13, os fãs da Céu acordaram com um presente: nasceu APKÁ!, o quinto disco de estúdio da cantora. Produzido por Pupillo e Hervé Salters, assim como foi o anterior Tropix (2016), o novo trabalho chega equilibrando ruptura e coerência, apresentando novidades estéticas intensas ao mesmo tempo em que reforça um fio condutor evidente que perpassa todos álbuns da Céu.

Mais uma vez, a artista reorienta os rumos dessa música brasileira alternativa, pós-indie, ou como queira definir. O reggae que lhe é tão caro ainda está ali, firme e forte, mas também a disco music, a MPB, o rock n’ roll psicodélico, o pós-punk, o trip hop, e, na verdade, nenhum desses gêneros podem ser identificados no disco em seu estado puro. Pelo contrário, estão todos diluídos e sintetizados em uma composição híbrida, orgânica e eletrônica, que referencia o passado enquanto aponta o futuro.

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Dentre as 11 faixas do disco, apenas “Pardo” e “Make Sure Your Head Is Above” não foram compostas por Céu – Caetano Veloso e Dinho Almeida (vocal e guitarrista do Boogarins), respectivamente, fizeram essas músicas inéditas a pedido da artista. Seu Jorge, Tropkillaz, Marc Ribot e Leonardo Matumona completam o time de convidados que se juntaram a ela, Pupillo, Hervé e Lucas Martins e Pedro Sá, responsáveis pelas bases das faixas.

Na entrevista que você confere em seguida, Céu conta que APKÁ! é um disco de contrastes feito por alguém que está buscando respostas. Ela explica que o parto natural do seu segundo filho, Antonino, fruto de sua relação com Pupillo, foi uma experiência transformadora que serviu de estopim para desencadear a criação do disco (inclusive, o título refere-se a uma das primeiras coisas que o nenê falou). Longe da literalidade limitante, ela aborda ainda suas críticas quanto ao cenário político contemporâneo e ao processo de digitalização da vivência humana que sentimos com cada vez mais força.

Hoje (19/9), Céu faz o primeiro show do disco ao vivo, em São Paulo, e já há datas marcadas em várias cidades brasileiras nos próximos meses (confira a agenda completa no fim do texto). Dê play em APKÁ! siga abaixo.

Fábio Audi/Divulgação

No texto para imprensa sobre o lançamento do disco, o jornalista Alexandre Mathias cita você como “a cantora e compositora mais importante de sua geração”. Como você lida com esse tipo de descrição? 
Eu… Sei lá. Eu fico feliz pra caramba com essa designação, mas eu também não sei se acredito tanto nisso. Honestamente. Uma coisa eu acho que eu fiz: eu abri a porteira para as meninas escreverem. Isso é fato. Tinha muito pouca menina escrevendo quando eu comecei, acho que isso é uma coisa que posso falar de boca cheia. Mas que eu sou a melhor? Aí já não sei (risos) Eu tenho muitas dúvidas sobre isso, mas fico muito feliz com esse elogio.

Como você descreve o seu momento artístico atual?
Eu tô sabendo melhor quem eu sou, sabe? E isso é muito bom, saber quem se é, ter mais segurança no palco, ter mais conhecimento sobre onde eu transito e saber que eu estou buscando respostas. Eu posso falar que eu ainda não sei muita coisa, mas já sei algumas e, dessas algumas, eu sei o que eu sei. É bom demais isso, traz uma segurança, traz mais prazer em exercer não só o próprio ofício, mas a vida. Acho que tem a ver com a maturidade mesmo o momento em que eu tô. 

Em termos de pesquisa musical, você é uma pessoa que está sempre procurando novos sons de referências ou não?
Eu não sou de escutar muito som novo. Escuto muita coisa antiga e redescubro coisas antigas que eu não escutava tanto. No período do APKÁ!, por exemplo, fiquei bastante fissurada em Scott Walker, que é um compositor e cantor britânico que, inclusive, é uma das maiores referências do Thom Yorke. Eu não conhecia muito, mas me debrucei sobre as coisas dele. Eu escuto muita coisa antiga, na verdade. E isso me inspira muito, gosto de ouvir coisa velha. Acho que tá tudo lá já. As coisas novas são sempre releituras do que já foi feito. 

Veja o clipe de “Coreto”:

O que mais você ouviu no período do APKÁ!?
Olha, confesso que não ouvi muita coisa. Fiquei muito nessa imersão maternal e ouvi praticamente só ruído branco pra botar meu nenê pra dormir (risos), barulho de chuva, essas coisas que fazem nenê dormir bem, canções de ninar, lullabies… Mas de som mesmo eu não ouvi muita coisa, não. Não vou mentir pra você (risos).

Quando e como o disco foi gravado?
Eu comecei a formatar as canções a partir do parto do Antonino e foi andando, andando, daqui a pouco vi que tinha bastante música. Aí teve um momento em que eu peguei meu neném e a gente foi pra Berlim pra dar uma trabalhada nas bases que eu e o Pupillo tínhamos levantado aqui diretamente com o Hervé, que mora em Berlim. Depois, quando voltei, a gente continuou trabalhando, eu e o Pupillo, o que eu trouxe com o Hervé. Aí finalmente teve esse primeiro processo de trazer o Hervé pra cá e juntar os músicos, Pedro e Luquinhas, e depois o último processo finalmente. Foi muito bom, a gente tem esse jeito de ir fazendo em parcelas né, e funciona, dá tempo do Hervé também fazer coisas de pós-produção lá, ele tem muitos teclados na Europa, e pro Pupillo também, que estava com mil coisas aqui e foi fazendo aos poucos… Foi meio assim. Mas pra finalmente a gente chegar em uma sessão de estúdio lá no [estúdio Space Blues, do Alexandre] Fontanetti e gravar os caras. Depois, as vozes, eu gravei no estúdio da minha casa mesmo com o microfone mais simples do mundo, um Shure SM58, e pronto.

Isso foi no segundo semestre de 2018? 
O Antonino nasceu no carnaval de 2018, na abertura do carnaval, em fevereiro, e eu comecei a escrever. Fui pra Berlim em novembro de 2018. Quando o Hervé veio pra cá, não lembro exatamente, mas foi no começo do ano.

Como a gravidez e o parto do Antonino inspiraram o álbum?
Acho que o parto do Antonino me deu a possibilidade de vivenciar uma coisa muito plena e mágica da mulher, que é parir naturalmente, sem nenhum tipo de mecanismo, de remédio, de cirurgia, sem nenhum tipo de intrusão nesse momento que é tão pleno da mulher e que foi tirado da mulher. Nos anos 1980, a cesariana virou uma grande indústria e isso foi um poder tirado da mulher. Algumas mulheres hoje em dia, sim, fazem [parto] normal, mas são muito poucas no Brasil. O Brasil é o segundo país que mais faz cesárias no mundo. E claro que a cesária é importantíssima, eu mesmo já fiz uma e graças a Deus foi maravilhosa, mas a possibilidade de experimentar uma experiência dessas me trouxe uma potência muito incrível em termos de criação e de poder feminino, de conexão com o meu modo mais primitivo, onde eu fiquei muito inspirada. A partir daí, eu não escrevi só uma música sobre esse momento, mas também outras músicas sobre outros assuntos que estavam me inspirando, aí assim o disco começou a vir. Acho interessante eu dar luz sobre essa força que é para as mulheres a possibilidade de ter um parto natural e o quanto a gente pode ser realmente incrível e quanto estão fazendo de tudo pra tirar isso da gente. Foi por aí que a coisa começou a andar. 

A música sobre o parto é “Ocitocina (Charged)”? 
Isso, exatamente.

Fábio Audi/Divulgação

Quando o disco saiu, você escreveu um post dizendo que o APKÁ! foi “feito por uma pessoa que tá buscando respostas”. Quais são as perguntas que você quis fazer com esse álbum?
Ah, muitas perguntas… O que a gente tá fazendo? Por que tá tão ruim? Por que tem tanta ferida aberta ainda no mundo? Por que o ser humano é tão arrogante? Olha o que a gente tá fazendo com a mata, com Amazônia… Como a gente deixou as coisas ficarem nesse nível? Olha o nosso cenário político… É muita tristeza… É muito triste. Eu acho que é um dos piores momentos que a gente tá vivendo e que a gente vai pagar muito caro por tudo isso. Então, são muitas perguntas. Eu só tô tentando todo dia não ser uma pessoa escrota, sabe? Porque, no final das contas, nos nossos pequenos atos e no nosso micromundo, a gente ainda tem muitas coisas pra aprender, pra melhorar, pra perceber o outro, pra se colocar no lugar do outro, pra ver o quanto a gente pode estar ferindo o outro e quanto a gente pode estar ferindo a natureza. Então, eu acho que eu só tô tentando entender e tô tentando fazer o meu melhor. E sei que ainda tem muito a ser feito. Muito. Acho que é por isso que eu digo que eu tô procurando respostas.

Mas o disco acaba não sendo tão explícito nos seus discursos.
É que assim, é uma questão muito particular de cada um. Eu tenho política nas minhas músicas desde o meu primeiro disco [homônimo (2005)]. Desde o meu primeiro disco eu falo de feminismo, em “Bobagem”, do primeiro disco, eu falo claramente sobre uma questão do feminismo. “Sonâmbulo” [do Vagarosa (2009)] traz uma questão que eu falo hoje sobre como o ser humano tá ficando um robô, sistematizando seu emocional. Eu falo isso em “Off (Sad Siri)”, que é a música que abre o disco, onde a robô fica chateada porque o cara pagou pra ficar off. E “Forçar o Verão” é uma música claramente política, sobre o cenário político brasileiro. Então, acho que é uma questão de opinião sobre o quanto a literalidade é necessária pra você compreender o que está sendo dito. Eu não sou uma pessoa literal. Eu gosto de dar espaço para as pessoas também pensarem e levarem [as músicas] para o seu próprio universo. Pra mim, é de extrema importância dar espaço para o outro poder pegar a letra e trazer para o pensamento dele. Isso é parte do meu estilo de composição. Mas as coisas estão ali. Não é que eu tô passando alheia, tá tudo ali.

Como funciona pra ti esse fluxo criativo de expressar a si mesma versus coagular o sentimento coletivo de uma época? 
Eu acho que todo artista que é artista de alguma maneira vai trazer o sentimento coletivo na sua expressão pessoal. Porque uma coisa não está alheia à outra. É impossível. Se você vive aqui nessa experiência terráquea, você tem que estar ligado no que está acontecendo e, se você de fato está compondo com o filtro da honestidade e da sensibilidade, eu acho que, em algum lugar, isso vai aparecer. Pode aparecer mais explicitamente ou menos explicitamente, pode ser uma arte mais de entretenimento, mas se a pessoa tem uma sensibilidade grande, mesmo no entretenimento aparece política. É tudo a mesma coisa, tá interligado. É só uma questão da honestidade do artista consigo próprio e da sensibilidade com o meio.

Você cita o aplicativo da Apple “Siri”, a bateria que está “charged”, o cara que está “off”… APKÁ! traz várias referências da nossa vida digitalizada.
Sim, tem muito digitalismo. Era uma ideia de falar de contrastes. Sobre um raio de Sol versus a robô pedindo pra ele ficar robotizado ali com ela no celular. Eu queria que esse disco falasse de contrastes mesmo porque eu acho que é isso que a gente está vivendo. Totalmente. Polarização mundial, contrastes na questão do branco com o negro, a questão de um super futuro com coisas orgânicas, e como tentar entender melhor o mundo? A gente tá tentando sobreviver dentro de muitos contrastes. 

Marcos Costa/Divulgação

Sobre contrastes, o jogo entre sonoridades orgânicas e sintéticas já vem desde seu primeiro disco, mas o Tropix (2016) inaugurou essa sua fase atual, que explora roupagens mais eletrônicas. Como você enxerga esse processo?
Eu enxergo como um caminho natural de uma busca que foi culminando nisso. Meu primeiro disco traz muitas das minhas referências primordias. O Vagarosa traz a questão da gravidez também, o Vagarosa é quase um ninho, é um disco que já fala muito de amor, de dar espaço pro amor, e tem sons contemporâneos intensos. O Caravana [Sereia Bloom (2012)] já traz a guitarra. No Tropix (2016) é como se eu tivesse só deixando as coisas ainda mais claras e dando um acabamento, vamos dizer assim, para uma situação que eu tô apontando, para um lugar que eu tô apontando. E o APKÁ! é uma consequência, acho que é mais uma forma de um mesmo caminho.  

As únicas músicas do disco novo que não são suas são do Caetano Veloso e do Dinho Almeida, do Boogarins. Como surgiu a ideia de convidá-los? 
Bom, o Caetano eu chamei para fazer uma canção, eu pedi. Eu estava no puerpério, e só no puerpério mesmo para ter essa audácia de chamar o Caetano pra fazer uma música inédita pra mim. Ele, muito maravilhoso, aceitou e fez essa canção incrível [“Pardo”]. O Dinho também é um puta compositor, que eu também fiz essa encomenda, e rolou. Eu tenho uma conexão com ambos, né. Eu sou apaixonada pelo Caetano. Tenho bastante intimidade com a obra dele, conheço bem, e pra mim isso era um sonho mesmo, foi um sonho de fã realizado. E quanto ao Dinho, eu tenho uma admiração muito grande pelo trabalho dele. Acho a banda dele com uma personalidade muito interessante, fechada. Acho que eles fazem um trabalho incrível, o show deles é gigante, eu sou muito fã do show deles, do Boogarins. O Dinho, pra mim, além de um puta guitarrista e um puta cantor, eu acho ele um puta compositor. 

E sobre os convidados que tocam no disco: Seu Jorge, Tropkillaz, Marc Ribot e o Leonardo Matumona? O que você sente que eles trazem?
O Leo é um cantor [congolês] que conheci na Orquestra Mundana Refugi, eu vi um show que eles participaram, o show do meu amigo Antonio Pinto, e ele cantou, achei a voz incrível e quis chamar. O Jorge, nossa, é uma pessoa muito querida que eu acho uma verdadeira estrela, como ator, como cantor, como tudo. E é absurda a voz dele. E ele topou. E o Marc Ribot estava tocando pelo Brasil e a gente aproveitou, é outra estrela enorme que juntou-se, foi um grande prazer a parte de gravação com ele, é um cara genial que tocou em toda obra do Tom Waits e tocou com outras pessoas, enfim. Faz uma alusão a uma música do Lou Reed na música do Dinho, “Take a Walk on the Wild Side”, e eles [Marc e Lou] eram amigos. Então, é pessoa com muita história e muita história que, pra mim, tinha muita importância. Como pessoa, não como a Céu cantora, mas como ouvinte, como fã de música. Pra mim, ter o Marc Ribot no meu disco é tipo sur-re-al. É assim que eu chamo as pessoas, quando elas me tocam muito. Independente do nome, é pela voz, pelo som, pelo que ela tem a trazer para a música. O Tropkillaz são outros monstros, sabem fazer as pessoas balançarem como ninguém, o show deles é fantástico. A gente começou essa parceria aqui em São Paulo, já tocamos alguns shows juntos e a gente curtiu muito. Foi uma parceria que deu muito certo, adoraria dar continuidade, aí chamei eles pra fazer essa produção no disco, eles toparam, muito queridos.

O disco foi lançado de surpresa na madrugada da última sexta, por que foi assim?
Foi pelo fã mesmo. Pela alegria de você acordar e, no outro dia, ter um disco inteiro pra escutar. Teve um momento em que a gente até pensou em fazer um single, mas acho que, sei lá, pra mim, por enquanto nesse momento, fez mais sentido trazer a obra inteira e de uma vez. E a gente tá achando bem interessante o resultado porque acabou surtindo mesmo esse efeito, de o fã ter se sentido valorizado. [O disco] não passou por, enfim, mil coisas que geralmente passam antes. Foi direto pra galera. E eu achei isso muito, muito legal. 

Será que de uma forma isso valoriza mais o formato do álbum, sem diluir em singles? 
De uma certa maneira, sim. Ainda valoriza. Eu me construi muito em cima desse formato, né. Talvez eu ainda esteja com dificuldade de fazer singles, isso é uma coisa da nova geração. E as pessoas funcionam também dessa maneira. Mas eu ainda tenho um apego ao álbum inteiro e aí prefiro que as pessoas escolham seus próprios singles em vez de eu mesmo impor algum.

Turnê APKÁ

19.09 – São Paulo | Sesc Pompeia
20.09 – São Paulo | Sesc Pompeia
21.09 – Guarulhos | Sesc Guarulhos
22.09 – Guarulhos | Sesc Guarulhos
28.09 – Brasília | Festival Ocupa Brasília
05.10 – Jundiaí | Sesc Jundiaí
19.10 – Belo Horizonte | Sesc Palladium
10.11 – Salvador | Festival Radioca
16.11 – Curitiba | Goat Fest
21.11 – Porto Alegre | Opinião
23.11 – Bauru
07.12 – Rio de Janeiro | Circo Voador


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19/09/2019

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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