Na tarde do dia 11 de abril, a NOIZE foi até o bairro Bom Fim, em Porto Alegre, onde fica a casa de Arthur Teixeira, vocalista da banda Volantes. João Augusto, o Jojô, guitarrista, também estava lá. Dentro de pouco mais de 24 horas, os dois estariam no Pepsi On Stage, onde a Volantes abriria o show do Placebo. Nessa segunda parte, bem humorados, entre discussões sobre cervejas estrangeiras e festas portoalegrenses, os dois músicos conversaram (com a revista e entre si) sobre a cena musical do Rio Grande do Sul, a maldição de ser roqueiro, a carreira de Paul McCartney, a turnê pelo sudeste e a semelhança entre a ilha de Lost e a carreira da Volantes.
Hoje, publicamos a segunda parte da entrevista, que foi dividida em três. Boa leitura!
Texto: Gustavo Foster
Fotos: Ana Laura Malmaceda
NOIZE: Tu acha que tem alguém que tenha referências como as de vocês, aqui (no Rio Grande do Sul), pelo menos?
Arthur: David Bowie. (risos)
Tu nota algum tipo de preconceito, por não ser assim (como a maioria das bandas gaúchas)?
A: Nããão (irônico)! Por que tu acha que eu fiz a camisa “ROCK GAÚCHO + REBOLATION” (antes da entrevista, Arthur mostrou uma camiseta feita para a festa LooksLikePOA Hand Made T-Shirt. A ideia da festa era que todos fossem com camisetas feitas em casa. Na sua camiseta, Arthur escreveu “ROCK GAÚCHO + REBOLATION = VOLANTES”)? É uma provocação. Tipo, agora tudo bem. Agora a Volantes é legal. Há dois anos atrás, se a gente saísse com o teclado pra ensaiar ali no Marquise (Marquise 51, estúdio portoalegrense), a gente apanhava no trajeto. “Tecladinho mimimi”!
Jojô (interrompendo): É, e é palha. Até em estúdios, a gente chegava “bah, ô meu..” – o Arthur tem um pedal de voz – “…tem como tu ver o lance ali da voz pra nós?”. Tá, dava 20 minutos: “bah, o cara não apareceu”, sabe?
A: É, os caras ficavam “putz, que saco esses caras”. Rola um preconceito tri grande com a gente, de ser uma banda chata e cheio desses bibibi aí. “Esses cara não tocam, mesmo”, e a gente vê que é um pouco de falta de amplitude das pessoas, porque, que nem eu te falei, a gente gosta de música pop como um todo. Cara, eu ouço mais músicas toscas que aqueles caras. Eu sou apaixonado por Queens of the Stone Age, também, por Led Zeppelin, White Stripes. São bandas que eu curto pra caralho, então não é questão de eu achar palha. Não é isso, eu só vejo como diferente. E aqui, no rock gaúcho, a gente tem muito esse preconceito. Eu acho que o rock gaúcho tá numa zona de conforto há muito tempo, que foi onde a galera estabilizou como rock gaucho e achou bacana. Era legal aquela estética. Daí saiu o Cachorro Grande. Cachorro Grande é a ultima referência pra Porto Alegre. Se tu for ver, a gente (o rock gaúcho) não tinha uma referência nos anos 90 como a gente tinha nos anos 80, que era Engenheiros (do Hawaii) e Nenhum de Nós. Todas as bandas que vieram depois ficaram tentando ser o Nenhum de Nós e o Engenheiros, porque era a referência deles. Eu não tô condenando. E, depois, a gente ficou muito tempo sem nada. Ninguém queria ser Papas da Língua, ninguém queria ser Comunidade Nin-Jitsu, ou Cidadão Quem (bandas gaúchas dos anos 90). Cidadão Quem já era um Nenhum de Nós. E daí veio o Cachorro Grande. E olha o que veio de banda vestindo gravatinha depois do Cachorro Grande. Porque era referência, “bah, se eu fizer isso vai dar certo”. Hoje, se tu for montar uma banda em Porto Alegre, tu não tem uma referência local pra dar certo.
J: Tá, mas isso que eu acho estranho. Era justamente nesse ponto que deveria ter o maior numero de bandas diferentes. Mas ainda se apegam a essa estética. E é isso que às vezes eu penso, que tem muita gente que monta banda por uma questão de fetiche à estética, e não por uma questão de gostar de música. Eu não consigo realmente entender. Tá, sei lá, eu posso até ter tido vontade de suprir meus fetiches, certamente eu tenho alguns fetiches, mas meus fetiches são muito mais um sonho do que únicos. Eu não consigo entender até onde rola isso.
A: É que nem aquilo que eu já falei em outras ocasiões. Eu acho que essa galera gosta de Beatles pelos motivos errados. Hoje, por exemplo, se tu for trazer Paul McCartney pra Porto Alegre, pra tocar com alguma banda, fazer um som com alguma banda, fazer uma jam session (risos). Ele não vai querer tocar com as bandas mod de Porto Alegre. Ele tá em outra vibe. O cara continua sendo o mestre. Ele é o mestre da música pop.
J: Ele vai chamar o MGMT!
A: Ele tá nessa vibe… Quem que ele chama pro estúdio dele? É o MGMT! O cara cresceu. E aí essa gurizada de Porto Alegre viu o A Hard Day’s Night e ficou lá. E acha que o cara é aquilo lá até hoje. E não teve uma linha evolutiva, como ele teve. Acho que eles não conseguem perceber isso, da música pop como um todo.
Tu acha que foi uma evolução ou uma mudança?
A: Eu não acho que seja evolução no sentido de melhor ou pior. Eu acho que o cara tá sempre mudando, como pessoa. A sorte é que a gente já botou o nome de Volantes, pra galera sacar que o som pode mudar o tempo todo, que tem folk e Kraftwerk no primeiro disco. Ia ser muito ruim se a gente tivesse que sobreviver dentro de um parâmetro. Eu acho muito bom quando tu já fala “esse disco foi assim e esse outro vai ser assim, porque eu tô num outro momento”. Se o Paul McCartney chegar e fizer um A Hard Day’s Night agora e for bonito vai ser afudê pra caralho. Mas ele vai fazer porque ele tem canções bonitas assim. E não porque “eu tenho essas músicas diferentes, mas eu tenho que fazer desse jeito”, como os caras fazem aqui. Eles têm umas musicas horríveis e botam essa estética do Paul. Mas se eles fizeram na estética do MGMT vai ficar horrível, igual. Daí ficam institindo nisso de “bah, olha que afudê… ‘garotaaaa’.. (cantarola riff anos 60)”.
Mas tu acha que é fácil entender isso?
A: Não. Eu acho que não é fácil, porque senão a gente teria muito mais banda boa (risos). É que nem guitarrista. É um problema tu achar guitarrista. Porque essa geração pós Van Halen só quer tocar rápido. Daí se tu for pegar, os maiores riffs do mundo não se criaram pela rapidez. Daí eu volto àquilo, de te falar que essa gurizada punheteira gosta dos guitarristas pelos motivos errados. Os caras gostam do Slash pelos motivos errados. Gostam do Eric Clapton pelos motivos errados. Porque o que fez o Slash ser fudidão é um solo que eu consigo tocar (cantarola riff de Sweet Child O’ Mine), não é aquele solo do refrão. O que fez o Eric Clapton ser fudido foi Layla, que é (cantarola Layla). Isso que é bonito, é a parte pop, a parte gostosa de ouvir.
J: É a parte que o cara consegue assobiar na Farrapos (famosa rua noturna de Porto Alegre), de noite.
A: Mas daí os caras falam “ah, Eric Clapton é foda”, na hora que ele fica (faz som de solo), que qualquer um que ficar uma semana em casa faz. Mas compor o riff de Layla não é assim. Compor o riff de Satisfaction não é assim. E é essa percepção que um a cada mil guitarristas tem. E é por isso que tem um monte de banda que não consegue sair do lugar. Por isso que eu quando eu vi o Jojô eu confiei nele.
J: Aí que tá. Falta sensibilidade de ser fã de música, de entender música como uma espécie de arte. Eu acho estranho quando o cara faz música e ele não pode falar que faz arte.
A: Não. Artista é quem tá no Big Brother (risos)
J: Até nessa questão do Paul. Todas as grandes bandas, tirando ACDC (risos), que é uma grande banda, todas as grandes bandas foram se reinventando durante muito tempo, todos os grandes artistas foram se reinventando durante o tempo. Porque é natural. O cara faz arte. É uma forma de expressão. A pessoa não é a mesma a vida toda.
A: É, eu vou me preocupar se daqui a cinco anos a gente fizer um disco igual.
J: Vou me preocupar como artista e como ser humano, também.
A: É, por exemplo, o disco do MGMT. A primeira coisa que eu pensei foi: “bom, porque é diferente”. Só porque é diferente. Depois, se o disco vai ser ruim ou não, é outra coisa. Mas se eles tivessem parado naquela zona de conforto.. Tá, se as canções fossem boas, ok. Mas eu fico feliz de ser diferente. É legal ver o cara fazendo coisa nova. (pausa). Ah, mas se quiser fazer igual, também, beleza. Não vou ficar brabo. O Interpol ta há três discos, aí. Mas eu fico com medo. Imagina ser o Interpol, o cara não pode mudar! O cara tem que ser Interpol pra sempre. Mas não é ruim, eu gosto de Interpol. Tá nas minhas 10 bandas favoritas dos anos 2000. Mas é que a gentegosta de muita coisa. E daí não poder expressar, ter que montar um projeto pra cada coisa ia ser um saco. Vamos fazer uma banda só, Bowie fez isso, Primal Scream fez isso.
J: Os Beatles fizeram isso.
A: É, mas não chegaram nos anos 80. Eu queria ter visto os Beatles nos anos 80 (risos).
J: Bah, bah (risos). Anos 80 é a carreira solo ali do Paul, do John. “Womaaaan…”, aquele timbrão dos anos 80. Bah, foda. Mas acho que é uma preocupação que a gente teve desde o começo, de fazer sempre coisa diferente.
A: É, mostrar as facetas.
J: É uma preocupação que a gente teve desde que a gente se conheceu, há cinco anos. O Arthur falou uma coisa pra mim uma vez que é muito real, que é: “a gente não tem escolha nesse lance de música. A gente não escolhe isso”. A sorte foi a gente ter se conhecido. O Arhtur já tinha outras bandas, eu já tinha outras bandas. Mas essa questão é, dentro do Arthur, tão forte quanto é dentro de mim. Né? Tô falando por ti, é meio estranho.
A: Mas é. É uma coisa estranha. Hoje a gente tem a sorte de tá aqui dando entrevista pra vocês, porque a gente tá fazendo algo relevante pras pessoas, só que a gente não escolheu isso. Teve uma hora que foi uma escolha, quando eu tinha 14 anos, quando eu larguei o futebol pra escrever música pop. E foi bem isso: eu parei de jogar bola pra escrever música pop. Ali, eu escolhi. A partir do primeiro dia, eu não tive mais escolha. Com 20 anos, eu queria ir pra fora do pais e não podia mais ir. Porque eu tinha um compromisso. É quase como assinar um pacto com o diabo.
J: É, eu brinco que é uma maldição.
A: É , rola uma parada com o cosmo. “Tá, tu quer isso? Então eu vou te dar essa missão, tu vai fazer música pras pessoas ficarem felizes”. E não tem como sair disso mais. E, tipo, é uma coisa que… Não tem como eu sair. E o Jojô também tem isso. Eu não tenho fim de semana normal há muito tempo. Minha namorada chega e diz “que que tu vai fazer semana que vem?”. Não sei. “Vamos para não sei onde em julho?”. Não tenho como te dizer. Eu não sei onde eu vou tá em julho. Não tenho mais como marcar nada. É uma coisa que não tem como o cara fugir mais.
J: Essa questão da viagem de São Paulo, a gente ficou muito tempo longe..
Que viagem de SP?
J: A gente foi gravar no Rio de Janeiro, daí depois a gente fez uma mini turnê: Rio de Janeiro, Sorocaba, São Paulo e Curitiba. A gente ficou dez dias longe. É fantástico. Mas, ao mesmo tempo, tu fica longe de tudo. Chega um ponto que a carência fica gigante. E aí chega uma hora que tu tem que enfrentar esses fatos: “Tá, ô meu, é isso que vai ser tua vida por mais 30 anos. E, tipo, tá na hora de virar homem. Enfrenta isso, tu vai ter que enfrentar uma hora ou outra”.
A: Foi a primeira vez que a gente ficou dez dias em função da banda, fora de casa, longe de casa. E foi função direta: dormia 3 horas por dia e dormia na van. E bateu: “bah, vou desisitr será? Vai ser assim os próximos 30 anos”? A gente sempre quis isso, ninguém aqui vai desistir, mas foi muito interessante ver o quão fudido é a historia. O quão não tem glamour na historia, o quão dormir na van é um saco, o quão pegar três aviões no mesmo dia e estar em quatro cidades diferentes no mesmo dia é um saco, o quão brigar com o balcão de companhia aérea é um saco. Não tem mais glamour andar com a malinha no aeroporto. Então, todo aquele sonho eu já descobri que não é a parte boa. Mas daí eu me penso naqueles brainstorm, naquela agência filha da puta: não quero também. Eu quero tá ali (na banda), porque eu tô ali por um motivo maior. Eu fui no show em SP e vinha gente “ah, eu vim do Amazonas pra ver vocês”. Tá. É isso. Daí eu começo a exorcizar minhas paradas nas canções e começo a ver que tem um monte de gente cantando com a mesma visceralidade. E ver nas filmagens depois que tinha um monte de cara cantando de olhinho fechado, gritando e olhando pra cima. E não era mina. É cara! Porque mulher canta porque quer dar pra ti. E o cara não quer dar pra ti. Ele canta porque ele gosta da música. Sabe? Isso é o melhor parâmetro. Quando tu vê um monte de cara cantando tua musica de olho fechado é porque tu tá fazendo a coisa certa. Isso faz o cara querer continuar. Tá. Acho que tá rolando.
J: É uma coisa que, se o cara fugir, ele vai passar o resto da vida se arrependendo.
A: Não tem mais como fugir. Fica um mês sem fazer isso e já…
J: Uma semana! É horrível. É… Não tem o que fazer. O melhor que a gente tem a fazer é ir atrás disso. É fazer o melhor. É continuar fazendo o melhor que a gente pode. É meio Lost, a parada. Eu piro que é uma pilha meio Lost, imagina o cara fugir da ilha. A ilha vai chamar o cara de novo.
A: Kate, we gotta go back! (risos)