Entrevista | Entre prata, sal e miragem, Bruna Mendez constrói “Corpo Possível”

31/10/2019

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Junior Ribeiro/Divulgação

31/10/2019

Bruna Mendez tem medo de mar apesar de ser crescida e criada na seca Goiânia. Seus dois primeiros trabalhos, Pra Ela (2014) e O Mesmo Mar Que Nega a Terra Cede à Sua Calma (2016), nascem da relação íntima dela com o violão – instrumento que agora ela abandona completamente no sintético Corpo Possível, seu segundo álbum de estúdio, que conta com apoio da Natura Musical e parceria com a Tuyo.

O que pode parecer contradição para alguns, na verdade soa mais como inquietude criativa. Bruna pode até não dar mortal na proa de barcos para mergulhar em mares e rios, mas acessa a água em suas canções e entendeu que é com a música que ela transborda e quer navegar.

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Bruna trouxe suas dúvidas e certezas para bater um papo com a NOIZE. Na entrevista, ela fala sobre o processo criativo de Corpo Possível, sobre a relação com a cena e com a cidade de Goiânia e sobre trajetória e evolução artística. Derreta-se dando play no álbum (abaixo) e conferindo a conversa pra já!

Bruna, antes de falar sobre Corpo Possível, quero retomar e falar sobre seu álbum de estreia. O Mesmo Mar Que Nega a Terra Cede à Sua Calma ampliou a projeção da sua carreira, teve uma repercussão super positiva e chegou com uma concepção estética bem marcante e redondinha. Você sentiu alguma pressão na hora de produzir o segundo disco? Como você procurou lidar com as expectativas? 
O Mesmo Mar… chegou meio despretensioso porque eu não tinha “grandes pessoas” esperando por ele, então eu o fiz meio tranquila. A temática veio pelas próprias músicas mesmo, ele é um disco de canção, cheio de letra, quase não tem instrumental; apesar de ser um disco de banda e ter baixo, bateria e guitarra, ele tem pouquíssimas partes que sem letra. Já quando eu fui pensar em Corpo Possível, eu tinha zero coisas, só algumas ideias. Lancei O Mesmo Mar… em 2016, então eu tive um super processo até agora. Nesse meio tempo, não quis mais música, vendi todas as minhas coisas, fui embora de Goiânia, daí entendi que era uma super idiotice o que eu fiz, comprei tudo de volta e voltei pra Goiânia. Nesse processo, fui entendendo outras formas de compor, mas eu ainda estava com meu disco de estreia atravessado, ainda não o tinha superado apesar de ter passado um ano e tanto, depois três anos. Então, quando eu pensei que era a hora de fazer algo novo, eu não queria que parecesse com ele. Só que ainda tava parecido, a temática ainda tava próxima, e ainda tinha um monte de coisa que remetia a ele, parecia que era uma continuação. Fui tentando desconstruir isso, tentando fazer outras coisas, e aí quando eu chamei o Gianlucca Azevedo para me ajudar a produzir esse disco, eu disse pra ele: ‘Tudo que eu te mostrar, a gente vai ouvir e vai fazer o contrário!’ [risos]. Mas a gente acabou super aproveitando umas coisas, algumas das minhas experimentações sozinhas, porque eu já tava fazendo muita coisa eletrônica e pensando muitas coisas a partir de beats, não de violão, de harmonia ou de canção. Eu tava nesse experimento de “quero ser pop”, e foi a partir disso que a gente começou a construir o disco. E eu também aceitei que tudo bem se eu ainda não tivesse superado totalmente essa temática d’O Mesmo Mar… agora, que foi até daí que surgiu a temática do Corpo Possível, que vem dessas possibilidades de corpo, como a água, o mar, terra. O lance é que eu tinha muito medo de quem gostasse de canção, de quem gostasse das canções d’O Mesmo Mar…, justamente por eu não estar mais nessa onda. E eu tava com receio de como as pessoas iriam ouvir Corpo Possível e gostar, mesmo tendo gostado de O Mesmo Mar…, acho que essa foi a expectativa. Tem música que só eletrônico, tem coisa misturada, sabe?

Existe uma forma constante nessa temática lírica, né? 
Sim. Pode ser que um dia eu supere essa temática, porque, apesar d’O Mesmo Mar ser banda e mais orgânico, o show dele já não era. Foi como se eu tivesse terminado o disco e começado a experimentar coisas para um próximo, porque eu tava muito certa um próximo trabalho não seria algo com banda. 

Agora você une a organicidade das suas letras com a sonoridade sintética. Como foi? Você acha que beats e synths são meio que uma tendência do momento? De estar todo mundo fazendo um som caseiro, meio lo-fi, sendo produtor/cantor/compositor ao mesmo tempo?
Acho que é até uma tendência, sim, porque circular por festivais e pelo país é difícil quando você pensa num disco de banda, que tem que ter um baixista, um baterista, um guitarrista, e sempre num formato meio quadrado. Então, sim, acho que isso facilita em alguma coisa. Acho que é uma tendência de um movimento de produção também, do fim daquela figura do grande produtor dos anos 80 e 90, aquele cara que reunia a banda inteira no estúdio, enfim, esse formato é legal, eu fiz assim em O Mesmo Mar…, mas é um formato caro, são muitos processos. Então, essa nova forma de produzir vem disso também, do rolê dos beatmakers, da galera que fica em frente ao computador tirando um sonzão das coisas, e a partir do momento que você tem uma boa visão de uma música, você precisa de um computador na sua frente. São novas formas de você fazer o rolê acontecer porque ele precisa acontecer. 

Você disse que veio gravar Corpo Possível no sul. Onde exatamente você gravou? Como ter feito o disco fora de Goiânia impactou esse processo criativo?
Então, ele foi feito no Paraná, em Curitiba, e surgiu de uma vontade de não estar aqui em Goiânia para fazê-lo porque eu sabia que isso iria me viciar em certos processos do meu primeiro álbum. Se eu ficasse na cidade, eu já saberia quem seriam as pessoas que iriam participar, já tinha todo o caminho mapeado, e eu não queria que fosse assim. Eu não queria ter 100% o controle da situação, queria que fosse um processo mais colaborativo. O disco tem o Gianlucca, um produtor de Curitiba, teve parceria da Tuyo também, e ele veio com mais uma galera e todo mundo do sul. Eu quis ir para lá porque é meio longe de onde eu venho, é outra realidade, a galera tem outra dinâmica de cidade. Quis ir para lá até para entender o meu lugar de pessoa que vem de fora, sabe? Que vem de Goiânia. Geralmente quem é daqui sai rápido porque a cidade meio que te expulsa. As coisas são mais difíceis, às vezes elas não acontecem, e aí acaba todo mundo se mudando para São Paulo, porque a coisa é mais para trás aqui, apesar da gente ter um dos maiores festivais do Brasil aqui, as coisas só acontecem pontualmente. Ao mesmo tempo, acho que pra quem é de Goiânia é difícil sair porque a gente conhece todos os cantos daqui, a gente tem uma memória afetiva muito forte com a cidade. Eu quis sair também para perceber se é tão importante para mim ficar aqui, ou se é tudo bobeira e “vambora”, sabe? Quando eu entrego Corpo Possível, as pessoas ficam surpresas por eu ser de Goiânia, como se aqui não tivesse gente legal, como se elas não lembrassem o tanto de gente do cenário atual fazendo coisas legais, tipo Brvnks e Boogarins. Esse processo foi todo de entender o meu lugar na música, se era importante sair, o meu lugar na minha cidade, e também de aprender e trocar com outras pessoas. A maioria delas ainda eram mais novas do que eu, e foi foda produzir com um monte de millennial! 

Você “distoa”, entre muitas aspas, das tradicionais cenas de Goiânia – o rock e o sertanejo. A cena goianense e a cidade influenciam no seu trabalho?  
Pela questão da gente ser meio famoso pelo rolê do rock e tal, acaba que a gente se encontra no mesmo ponto que é o da música independente. O Brás, que é do Hellbenders, gravou o baixo em uma música desse disco novo e a gente já se topou várias vezes em rolês de produção, enfim, a gente sempre se encontra no lance da música mesmo. Acho que nesse contexto, Goiânia é meio receptiva, sabe? Porque a gente circula em um rolê que as pessoas têm uma sensibilidade pra sacar outros tipos de música. Já o rolê da música sertaneja é bem distante para a gente, é outro movimento que a gente não consegue mensurar nada, apesar de eu, inevitavelmente, ter amigos que vão pra esse caminho, ainda é muito distante porque existem níveis dentro da música sertaneja, e o maior deles é o nível inalcançável, então viram universos muito distantes. E não faz parte da minha vida, sabe?  

Sua autenticidade e aliada ao passeio por sonoridades que você fez em cada um dos seus trabalhos torna difícil definir o seu som, que muita gente trata como uma espécie de “MPB indie”. Pra gente entender com quais trabalhos e que artistas tu tem dialogado: Quais foram as referências sonoras para Corpo Possível
[Risos]. É uma loucura porque a gente busca mais por sonoridades do que por referência absoluta, sabe? É foda, mas aqui a gente sempre se encaixou nessa “MPB indie”, ou naquela “nova MPB” que surgiu lá com Tulipa [Ruiz], há dez anos, e que se a gente for comparar, não parece com nada que a galera tem feito hoje. Tudo que não se sabe o que é, acaba virando “nova MPB”. Nesse disco era muita gente, então eram muitas referências, mas em comum a gente gosta muito de Toro y Moi, então tentamos trabalhar bastante com a estética dos synths, umas referências mais de música pop, timbres legais em sons mais radiofônicos. Enfim, nomes como H.E.R, Kaytranada…, a gente foi ouvindo tudo! Qualquer nova descoberta era uma possível nova referência de timbre. Começamos com o timbre, costuramos os arranjos e aí sim fomos pras letras, um processo meio de beatmaker mesmo. Foi um desafio, eu não sabia se eu conseguiria compor por demanda!

Se no seu álbum de estreia o mar era o fio condutor, Corpo Possível expande a noção de corpo e faz dele o guia por entre as faixas. Você pode comentar pra gente como essa ideia nasceu e como ela te inspirou na criação do álbum? Como ela guia e se mantém por entre as faixas? 
Em “Pele de Sal”, com a Tuyo, é essa coisa meio viajada, é pensar a possibilidade de, bom, sou uma pessoa, mas posso ser outro corpo. Ir analisando a ideia de ser outro corpo. “Pele de Sal” tem um pouco mais dessa viagem, permite um pouco mais essa abstração, porque as outras músicas, como “Corpo Miragem”, caminham mais para o corpo humano, o corpo físico, o corpo literal, as relações e interações com outros corpos. Enquanto “Pele de Sal” é uma visão de como se sei lá, eu fosse uma concha e ficasse pensando que a água não me alcança e que eu nunca vou dar uma pérola, sabe? Nas outras músicas, esse conceito percorre mais no sentido de O Mesmo Mar… mesmo, da relação de ser de terra, mas querer ser de água, de ter medo da água mas sempre falar dela. Trabalha mais com essa relação de dualidade. Eu tenho essa temática toda com água, mas no fim eu morro de medo de água, mesmo ela sendo protagonista do meu trabalho!

Olhando para sua trajetória, como você se percebe em cada um de seus trabalhos? Como você acha que Pra Ela, O Mesmo Mar… e Corpo Possível se conectam e o quanto eles falam da Bruna que tá falando comigo hoje? 
Eu acho que Pra Ela e O Mesmo Mar…, mesmo existindo um processo gigante entre esses dois de entender que eu poderia produzir e poderia gravar as coisas, eu fui tentando construir o que eu poderia ser. Quando eu cheguei em Corpo Possível, eu entendi que já é uns 80% eu e que nos anteriores eu ainda estava em construção. Às vezes eu ouço e penso ‘Nossa, fui eu que fiz isso? Será?’. Esses dois trabalhos serviram para eu chegar até o Corpo Possível, foram as experimentações dentro de possibilidades, até de me entender enquanto cantora. No disco presente, percebi que poderia mostrar mais a minha voz, que já sou eu aqui, que eu posso mostrar mais e da melhor forma possível. Obviamente, sinto que estou em construção e em um processo gigante que nunca acaba, mas já é um tanto de mim. Os discos se relacionam nisso, na evolução entre um e outro, porque Corpo Possível é um tanto do O Mesmo Mar…, só que, dessa vez, com mais segurança. Porque, talvez, eu não tivesse tanta segurança há 3 anos, até por não ter experiência nesse meu processo, as coisas pareciam mais absolutas pra mim. Talvez, em Corpo Possível, eu tenha encerrado essa temática d’O Mesmo Mar…, e, pronto, fiz o meu melhor e está aqui. 





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31/10/2019

Brenda Vidal

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