Entrevista | “Eu pensei em fazer um registro histórico”, diz Sara Não Tem Nome

08/02/2023

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Gabriela Amorim

Por: Gabriela Amorim

Fotos: Divulgação

08/02/2023

Sara Não Tem Nome retorna após oito anos do seu último disco Ômega III (2015), agora com o projeto A Situação (2023), registro que contou com o suporte do edital Natura Musical. Marcado por levar fortes reflexões do Brasil, a mineira traz nas 12 faixas sua visão sobre a política nacional, desde o impeachment da Ex-Presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016, até os momentos mais atuais sob o governo do último Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL).

Em ritmo de marchinha de carnaval, a cantora, compositora e artista visual abre o disco com a excelente “Pare”, onde repete os versos “Pare pra eu descer / Essa viagem já foi / Longe demais”, quase como um ritual. Em uma estética que destoa das outras canções, “Pare” é um fôlego distópico, que traz em seu tema central a reflexão sobre a proibição das festas de rua, além de ter os instrumentos de sopro, como o trompete e o trombone, feitos pelos músicos Juventino Dias e João Paulo Buchecha, respectivamente, que transportam vida para a melancolia.

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Dando sequência na obra, Sara Alves Braga prossegue com o olhar que assiste a uma repetição no país quando canta os versos da versão final da faixa “Deja Vú”, “Hoje / Agora / As mesmas histórias / De 50 anos atrás”. “Eu tinha um professor na Belas Artes que falava que a gente tinha que fazer reformas constante nos poemas [risos], e às vezes você lê uma coisa e fala ‘Nossa, mas isso aqui na época eu não escrevi, mas agora vou colocar’ e isso sempre ocorre com as minhas composições”, afirma Sara em entrevista a NOIZE

Conforme o ouvinte vai adentrando no universo do álbum, é como se ele pudesse assistir a um espetáculo em sua frente, onde se pode ver cenas de dramaticidade, folia, questões pessoais e crítica social, num emaranhado de histórias, que por fim acabam se encaixando, possibilitando um panorama particular. “O disco não é linear, ele é quase como um longa, onde cada música é um capítulo. Existem coisas que se complementam e faixas que dão uma virada, porque são muitos humores e pensamentos”, afirma Sara.

Múltipla em suas produções, Sara possui um repertório que se conecta a diferentes áreas das artes. Em uma de suas referências principais, a artista se inspirou na estética da videoarte de Geraldo Anhaia Mello, de 1978, também chamada “A Situação”. O projeto exibe um plano sequência, no qual Geraldo bebe uma garrafa inteira de cachaça, enquanto repete a frase: “a situação social-política-econômica-cultural brasileira.”

“Durante o vídeo, ele vai tomando a cachaça repetindo essas palavras até que ele fica completamente bêbado e alucinado. Eu quis trazer essa referência deste trabalho dele, pois eu estava me sentindo dessa maneira, em crise, desiludida, e temerosa. Daí, no decorrer desses anos, fui criando as outras músicas relacionadas aos eventos que aconteceram na sociedade brasileira”, revela Sara.

Em outubro passado, dois dias antes da votação para o 2º turno das eleições, a mineira divulgou o clipe da faixa “Cidadão de Bens”, onde reuniu um compilado de vídeos de eleitores do Bolsonaro, em diferentes episódios do Brasil. “Esse clipe foi um processo onde eu ficava enojada, angustiada, nervosa, com vários sentimentos vendo a imagem, porque parece muito ficção e ao mesmo tempo, eu pensei em fazer um registro histórico, porque está num lugar da arte, da poesia e da ficção, mas também está num local de registro histórico. E essa música, de certa maneira, com os vídeos, fica quase um arquétipo desse cidadão de bens, onde eu faço esse trocadilho infame para pensar o que são essas pessoas, que se denominam nesse lugar”, diz.

“A produção tem um momento muito simbólico sobre a transição de governo, de eleição do final de ano. Cinco dias antes do álbum ser divulgado, aconteceu a ocasião da destruição em Brasília, então foi muita loucura ver aquelas imagens, aquelas coisas horríveis e piores do que eu juntei para o clipe”, afirma Sara se referindo ao episódio de terrorismo e depredação da sede dos Três Poderes, em Brasília (DF).

O disco apresenta um trabalho de arranjos denso, repleto de muitas camadas, que se acrescenta com os vocais agudos da mineira e com as batidas sóbrias da programação eletrônica. A produção musical de A Situação (2023) leva a assinatura de Sara com assistência de Desirée Marantes e Victor Galvão — este último integrante do coletivo Tarda, de que Sara faz parte ao lado dos artistas Julia Baumfeld, Paola Rodrigues e Randolpho Lamonier.


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