Lucas Weglinksi é um monte de coisa ao mesmo tempo. Cineasta, ator, diretor, produtor audiovisual e, também, cantor e compositor. LuKaSH é o pseudônimo com qual ele assina o projeto musical que lançou seu segundo disco, Venta, na última terça-feira, 22. O show de lançamento rola no dia 28 de junho no Rio de Janeiro, no Teatro Ipanema.
No álbum de estreia Fogo, lançado em pleno 2016, durante o cenário político nacional fortemente instável e com escolas e universidades do país sendo ocupadas, o sentimento que guiava a composição era mais inflamado, tenso e agitado. “Eu escolhi o nome “Fogo” porque eu tinha a sensação que a gente tava pegando fogo, que o Brasil tava vivendo uma queimada, que eles estavam querendo nos destruir pra transformar a gente num pasto de gado de vez, sabe?”, conta.
Dois anos depois, parece que o fogo passou. “A gente queimou e aí eu chamo “Venta”, que é pra espalhar essas cinzas e trazer os novos tempos, novos plantios, fazer dessa cinza um campo de plantio de uma nova floresta que não seja esse pasto em que eles querem transformar a gente”, explica LuKaSH.
Se Fogo era indignação e raiva, Venta é uma tentativa de cura e reconstrução. “Os nossos corpos estão cansados, né? Começou com o golpe e vai evoluindo de uma forma tão cruel que a gente não consegue nem mais reagir. Eu acho que isso culmina com o assassinato da Marielle, com o assassinato da Matheusa [jovem negra e trans assassinada em abril, no Rio de Janeiro], sabe? Agora, a morte desses dois moradores de rua aqui em São Paulo porque não aguentaram o frio…Aí você lembra de um prefeito que, porra, durante o inverno, joga água nos moradores de rua pra eles saírem do lugar”, expõe.
Coletivo é a única palavra possível para descrever Venta. Lucas procura encarnar diversos personagens para contar a história da Terra Brasil e homenagear seus verdadeiros heróis. Em “Estrangeiro”, se coloca no lugar dos imigrantes; em “Tupã”, se inspira na sabedoria indígena. Em vários momentos, o álbum carrega ainda uma forte influência dos ritmos afro-brasileiros. É um álbum mágico, é esquisito, é agitado, é dançante, é ritualístico e é, antes de tudo, bonito.
Mas, ao mesmo tempo, é impossível separar as faixas do contexto no qual elas foram criadas: se existe uma influência do afrobeat e as letras falam de desigualdades socioeconômicas do país, isso vem de uma experiência profissional e pessoal. Lucas fundou a Cia dos Prazeres (sediada no Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro), onde passou sete anos construindo óperas populares que ele descreve como “totalmente anti-Broadway”.
“Era era uma coisa que nascia dos próprios meninos da favela, das meninas e dos meninos, das pessoas incríveis que a gente chamava pra direção musical. A gente criava primeiro oficinas, onde a gente dava aulas de teatro, de preparação corporal, de preparação vocal, de história da arte, de história do cinema, e aí, a partir dessas oficinas, a gente ia construindo o espetáculo pras crianças viverem o processo inteiro”, relata. “Viver o processo de oficina, de construção, e depois mostrar isso pro grande público e sacar essa potência de comunicação e de atravessamento dessas relações verticais que a gente ainda sustenta aqui no país”, completa.
Apesar do efeito transformador da Cia na vida dos jovens do Morro dos Prazeres (o trabalho dos atores mirins foi reconhecido por nomes Beto Brant, Eryk Rocha, Gael García-Bernal, Lázaro Ramos e até pela Royal Shakespeare Academy), Lucas ressalta que não concorda com quem se refere ao projeto como trabalho social: “O trabalho social sempre parece dizer que é uma pessoa rica que vem ali fazer uma doação pro pobre. O nosso trabalho era profissional mesmo, a gente exigia muito das crianças, tinha que aprender a ler, a falar bem os textos. Nossa primeira peça era em cima da obra do Lima Barreto, um português dificílimo de um século atrás, e as crianças começavam a construir raps em cima desse texto, cenas de teatro. A gente exigia muito deles e, pra exigir muito deles, a gente podia também pagar um salário, exigir nota boa na escola, alimentação direito. Não é um trabalho social, não estamos fazendo doação nenhuma”, declara.
Já o interesse na cultura indígena – e nas mitologias abordadas em faixas como “Tupã” – surgiu dentro da própria família: “A minha vó nasceu no Acre”, conta, “num lugar bem isolado da floresta, então eu sempre ficava tentando entender qual era o povo, qual era a etnia que tava lá”. Em 2012, durante a Rio +20, Lucas realizou uma mostra de cinema indígena para escolas públicas com cineastas das mais diversas tribos e dos mais distantes cantos do país -do Sul, do Acre, do Mato Grosso, do Xingu. “Foi uma farra, eles ficaram quase um mês lá em casa, eu tive que pendurar dez redes em casa porque ninguém queria dormir numa cama (risos). Mas aí foi uma alegria porque foi uma reunião de povos de todo o Brasil, cada um com uma cultura diferente, uma língua diferente, uma noção de existência e de mundo completamente distintas, um vendo filme do outro e trocando informação”, relembra.
A essa altura, após os clipes de “Super Lua” e “Asa Negra”, Lucas já adianta que mais quatro faixas de Venta ganharão narrativas visuais nos próximos meses: “Olho Raio”, a próxima música de trabalho, além de “Estrangeiro”, (filmado só com os imigrantes que estão em São Paulo, vindos da Angola e de Moçambique), “Torquato”, (com o Gustavo Galo, da Trupe Chá de Boldo), e “Tupã”, (que será rodado na aldeia Guarani do Morro Jaraguá).