Desde o lançamento do seu EP homônimo em 2016, Papisa (ou simplesmente Rita Oliva) vem se inspirando no arquétipo feminino da Sacerdotisa, emprestado do arcano II do Tarô, para explorar os diversos formatos que nascem do seu trabalho como artista solo. Sua sonoridade transita entre o místico e o indie, usando loops de guitarra e beats eletrônicos ao vivo para recriar a atmosfera transcendental da versão em estúdio do compacto.
Ver Rita tomar conta do palco completamente sozinha já é uma viagem por si só. Mas na próxima segunda-feira, dia 30, a partir das 20h, ela toma conta do Espaço Centro da Terra (Rua Piracurama, nº 19, Sumaré, São Paulo) ao lado de uma banda composta só por mulheres: a 12 metros abaixo da superfície, Laura Wrona toma conta da percussão e dos efeitos; Luna França, dos teclados; Silvia Tape pilota o baixo e Larissa Conforto (Ventre, Tiê) comanda a bateria. Além disso, as quatro instrumentistas acompanham PAPISA nos vocais. Os ingressos vão de R$ 15 a R$ 50 e podem ser adquiridos online (mais informações aqui).
Papisa conversou com a NOIZE sobre o papel do feminino no seu som, sobre as experiências sensoriais na música e sobre todo o conceito do show Tempo Espaço Ritual. Confira a entrevista na íntegra abaixo.
A primeira coisa que me chamou a atenção quando li sobre o show foi essa formação incrível cheia de mulheres. O que lhe inspirou a chamar a Laura, a Luna, a Silvia e a Larissa pra compor a apresentação?
Venho buscando uma conexão maior com o feminino há um tempo, tanto em uma dimensão interna quanto no sentido de me conectar com outras mulheres. Nesse processo, a Papisa é fruto e também é fonte. Desde que lancei o primeiro EP, toquei sozinha na grande parte dos shows, o que foi uma experiência muito interessante, mas quando houve o convite pra essa noite no Centro da Terra, senti que era a ocasião de ter mais gente comigo no palco. Eu já vinha experimentando formatos diferentes, tocando com a Laura em dupla ou com a Silvia em trio, mas nunca numa formação tão próxima do que gravei no início, com baixo, bateria, guitarra, synth, somando ainda percussão e tantas vozes reunidas. Tô muito feliz com isso tudo. Mais do que ter mulheres no palco, eu pensei nas meninas por uma questão de afinidade musical, admiro o talento e os trabalhos de todas. Então é uma honra grande que a gente tenha conseguido juntar todo mundo pra essa noite.
O espaço Centro da Terra fica a 12 metros abaixo da superfície. Como essa submersão muda a sua performance?
O espaço do teatro é bem significativo pra esse show, principalmente pela mudança entre os andares. Tanto que estou nesse momento aqui no teatro com o pessoal de cenografia e luz, pensando em cada detalhe do que vamos fazer. Eu amo como a arte possibilita que a gente invente novas realidades, e quando rola de ir além da música e interferir no ambiente de uma forma mais ativa, acho que isso intensifica a experiência. A escada em espiral que leva até o local do show faz parte da apresentação, como um espaço de transição de uma realidade para outra, que prepara os sentidos para o que vem lá embaixo.
Vi o seu show no Bananada e achei incrível como você conseguia fazer um som tão denso e cheio de camadas sozinha. Como é pra você sair desse formato para uma apresentação com banda completa?
Fico feliz que gostou do show em formato solo! Esse processo todo foi bem louco pra mim, na verdade. Eu gravei o EP de um jeito solitário, produzi muita coisa em casa, mas não deixei ele tão eletrônico porque senti que as músicas pediam bateria mais do que beats. Quando comecei a tocar ao vivo, queria essa possibilidade de tocar sozinha, mas não queria ficar restrita a um formato tão enxuto quanto guitarra e voz, queria as camadas e o climão. Isso me levou a produzir as músicas de novo, tentando manter a cara das composições e ao mesmo tempo assumindo a sonoridade mais eletrônica. Mas comecei a sentir falta da troca no palco, de uma liberdade maior para criar ao vivo, sem ficar tão presa às programações. E então voltei a um formato mais simples, com guitarra, voz, teclado e loops, ainda sozinha. Então esse formato de banda veio em um momento em que eu realmente estava a fim de expandir e mudar, sabe? Desenvolver o show tocando sozinha me trouxe uma intimidade maior com as músicas, o que eu sinto que tem ajudado bastante na adaptação. E claro, outra coisa que ajuda muito é que as meninas são todas super talentosas e têm um feeling muito bom, então muita coisa eu nem tenho que falar que elas vão sacando intuitivamente. O processo fica bem gostoso desse jeito.
Como são as composições novas? Elas vão estar em um novo álbum?
Gosto de sentir a dinâmica das composições ao vivo, algumas das músicas novas já estão se moldando nos shows. Estou compondo bastante, mas como o disco ainda não está fechado, ainda não sei quem entra e quem sai. Tenho inéditas na incubadora esperando para dar as caras e também alguns xodós que esperei para compartilhar. O processo de criação muitas vezes me surpreende, tenho algumas ideias suspensas de produção, mas, até o disco tomar forma, tudo pode acontecer.
Você sente que essa energia feminina (a PWR Records, a banda e a equipe só de mulheres) acaba por se refletir no seu trabalho também?
Uma coisa: nesse show a equipe é quase só de mulheres, pois temos uma dupla mista fazendo luz, a Sibila e o Gui Furtado. Vejo a questão do feminino refletida no meu trabalho de duas formas diferentes, que estão relacionadas mas não são a mesma coisa. A primeira tem relação com a representatividade, que é importante pra mim pois trabalhei por muito tempo só com homens, então hoje em dia faço questão de chamar mulheres para tocar e trabalhar junto, ao mesmo tempo em que priorizo estar em projetos com outras mulheres. Uma questão mais política mesmo. Tem a ver com a escolha de trabalhar com a PWR Records, com o fato de o meu primeiro clipe ter sido feito por uma diretora, e o segundo com uma equipe mista.
A segunda questão tem a ver com o princípio da energia feminina, o Yin, na filosofia chinesa, relacionado às qualidades receptivas, acolhedoras, agregadoras. Aqui não estou falando de gênero, já que esse princípio existe nos homens e nas mulheres. Sinto essa energia quando encaramos o tempo de uma forma mais cíclica do que linear, quando observamos a lua, quando entendemos que podemos ser delicados e firmes ao mesmo tempo, ser sensíveis e fortes. Sinto que meu trabalho está ligado com a vontade de resgatar esse lado feminino na forma como a gente vive.
Tem como adiantar alguma coisa de como vai ser a luz, a cenografia e tudo mais desse show?
Esse show é bem focado na experiência, no que a gente vive no momento. Por isso não gosto muito de explicar o que vai acontecer (risos). O show também está sendo pensado e trabalhado como um ritual, e estamos brincando com elementos que despertem uma certa magia pelos sentidos. Espero que dê certo!