Bruno Real Toledo Piza aka Bruno Real é publicitário, consultor e professor de comunicação. Na música, Bruno tem seu ponto de fuga e meio de expressão artística. Em uma estética urbana, sua produção é atravessada pela relação do indivíduo com a cidade e suas respostas. “Tanto da cidade frente ao homem e vice versa. Que é uma pira que eu gosto, de pegar a bike, correr, ir pro centro e ficar olhando a galera”, conta o produtor natural de Araraquara, no interior de São Paulo e, há 16 anos baseado em Curitiba(PR). Para 3ª mix da série LabXP mix’s, Bruno apresenta um recorte autoral de sua produção, entre os anos de 2011 e 2019, gravado ao vivo em estúdio. Ouça abaixo:
Distanciado de um cenário artístico específico, Bruno se mantém ativo em sua produção, com dez lançamentos autorais realizados entre 2010 e 2017. Colaborador do coletivo Fazedores de Som, o produtor acaba de lançar duas músicas inéditas no impressionante 14º volume da compilação do coletivo que apresenta 57 músicas de produtores brasileiros. O trabalho, organizado por Marco Blasquez, está dividido nos lados A – em que Bruno apresenta a música Zero Oito com o alias Mondo Creme – e B em que entrega a música Zero Três como Bruno Real.
A despretensão artística o tem deixado distante do circuito de apresentações. Fora algumas participações pontuais, como na festa Dilúvio e Coletivo 56, em Curitiba e em reuniões particulares, o artista guarda uma apresentação no importante festival Novas Frequências, do Rio de Janeiro, em 2014. Antes disso, em 2013, participou com uma música no primeiro volume compilação Hy Brazil, organizada pelo curador do Novas, Chico Dub.
A forma com que constrói seus trabalhos é pautada na seriedade, responsabilidade com a sinceridade na entrega sonora. Entre 2007 a 2011 Bruno organizou o selo Solidalab. A Netlabel lançou 18 discos com participação de produtores do Brasil e do mundo no período, sendo reaquecida em 2017 com o 19º lançamento de Aqamental, um dos (outros) alias de Bruno Real. O projeto que à época entregou todos os lançamentos sob licença Creative Commons sustenta reflexões na academia por Bruno que tem interesse em diferentes áreas da Economia Criativa. “Gosto do tema e acabo usando essa expertise minha nos diferentes projetos”, explica.
Leia abaixo conversa com o produtor desde Curitiba.
Olá Bruno, partindo do início, quem é o produtor e artista Bruno Real?
Me coloco como produtor de música aleatória e faço as coisas extremamente low profile, sem pretensão nenhuma. Faço música desde os meus 15 anos. Já toquei profissionalmente na época do trance, e sempre foi meio despretensioso no sentido de fazer por gostar muito disso. Quando decidi ir para um lado mais experimental, não foi algo pensado, dentro de um conceito pré-concebido, um tema. É igual tomar um vinho; abre-se a garrafa e bebe. “Ah, tô com vontade de fazer música”, é mais ou menos assim.
Sim, percebo sua música como experimental, ainda que flerte bastante no 4×4, e por isso até seja acessível, certo? Não só por isso, mas pela sua forma de ação e circulação, não identifico você relacionado a nenhum meio ou cenário.
Vejo um pessoal que faz música experimental, não só no Brasil, mas fora também, que tipo, tem que se montar, tem que ter uma estética, não apenas sonora, mas de vida, que não combina comigo. Não sei se é porque eu tô ficando mais velho. Na verdade, acho engraçado a expectativa das pessoas. Dou aula na pós-gradução e entro em sala usando tênis All Star, pessoal pira um pouco, fica confuso, espera alguém de terno, sei lá. Parece que ninguém quer entender a essência antes da aparência, pois é mais difícil de absorver. Querem tudo mastigado, pronto pra consumo, em qualquer área. O experimental se impõe limites muitos claros diversas vezes – eu faço muita coisa pé no chão, nem coloco tudo o que poderia no meu som, porque (ainda) penso em ser ouvido por alguém, mas tudo que está ali sou eu. Meu som é bem acessível, pois eu espero também ser acessível para as pessoas, como ser e artista.
Veja, uma vez eu mandei um trabalho pra uma gravadora. Aí o cara escutou, e me disse: “Legal o teu som, mas ele é muito 4×4”. Pô, pra ser experimental precisa de um padrão? Se eu boto um 4×4 de vez em quando no som, é porque faz sentido pra mim, me senti a vontade, e percebi que encaixa. Às vezes até pra ser irônico e dar uma zoada. Então percebi, que mesmo a galera que está na música eletrônica experimental, vanguardista, pra se desconstruir, também se “paternaliza” e cria um padrãozinho, sabe?
Nem consigo me colocar assim como um “ah, eu sou um músico experimental”, primeiro porque não sou músico. Trabalho muito empiricamente com sampler e com synth. Sou um entusiasta que abre o Ableton, liga a máquina e é isso. Não tem o instinto de ficar criando muito um conceito, tá ligado? Meu conceito é, abrir uma cerveja, sentar e fazer. O que vai sair, eu não faço ideia.
De onde vem suas influências, se possível citar aqui.
Meu dia a dia hoje é muito mais jazz, funk 70 e post-rock. Mas tipo, se disser que não ouço mais música eletrônica, vou tá te mentindo – acompanho de perto o trabalho do Daniel Snaith (Caribou, Manitoba, Daphni), do Jon Hopkins, Sophie, Holly Herndon e outros mil nomes. Se você me perguntar minhas influências, é Charlie Brown, Toni Braxton e Dead Can Dance. É música, entendeu? Não tenho problema com o pop. Como eu vou falar que a Toni Braxton é ruim? Tenta chegar no agudo dela. É uma baita artista. Não é uma coisa que vou ficar escutando, todo dia, mas que respeito… meus “Descobertas da Semana” no Spotify é uma zoeira, haha.
A música eletrônica tem uma instrumentação pra mim. Por não ser músico, e não tocar nenhum instrumento de fato, o computador me dá essa possibilidade de criar uma música que acaba saindo… eletrônica. Me coloco como produtor de música aleatória, muito pelo fato de eu consumir muita música de todos os estilos. Antes eu era mais chato com isso. “Agora vou fazer um techno. Agora vou fazer um progressivo. Agora vou fazer um trance. Ah, agora vou mudar a chavinha e fazer música experimental”. Daí, o computador pra mim é só um meio de eu tentar fazer música. A música eletrônica é meio, não o fim. Gosto de um monte de coisa. Minha esposa escuta muito a nova mpb. Eu gosto muito de samba. Na verdade, gosto de música sincera. Se tem sinceridade não importa se é música eletrônica, se é samba, se é rock ou sertanejo. E você percebe quando é sincero. A vida é assim, tem que ser mais sincerão. Impossível alguém ouvir um cara como Almir Sater e não se emocionar. Como que eu não vou considerar um cara desse? Puta músico. História animal, música linda. Então não dá pra se fechar num padrãozinho. Acredito muito nisso. A vida é muito curta. Tem tanta coisa boa pra você se fechar em um único padrão.
Apesar da sua despretensão, seu trabalho na música tem resultado. A participação no primeiro volume da coletânea Hy Brazil entendo como uma delas, além de você ter se apresentado no Novas Frequências, principal festival de música experimental do Brasil.
Eu não faço com pretensão nenhuma de estourar, e não é da boca pra fora. É pra me divertir mesmo. Toquei no Novas Frequências, em 2014, mas muito pelo Chico e pelo projeto; foi animal, mas, pra mim ainda é estranho. Alguma coisa pontual também aqui em Curitiba, o Coletivo 56, a Dilúvio e festinhas íntimas. A última vez que toquei foi em 2017, se não me engano. Mas não fico parado em produção. Tenho certeza que vou ter 50, 60 anos e estarei fazendo isso ainda.
Toquei muito entre 2003 a 2009. Tocava no interior de São Paulo, Araraquara, São Carlos, Ribeirão, Campinas, em festas rave grandes, em uma época em que vivia a cena trance. Tocava progressivo e techno basicamente. Era outra vibe.
E como foi tocar mais recentemente? A interação e recepção do público de modo geral?
Teve uma festa em que fui tocar e vendo o público fiquei refletindo se, as pessoas estavam indo para consumir e entender o que nós estávamos passando enquanto artistas ou se elas estavam lá pra compor uma festa que permite que elas sejam participantes do processo de construção da ideia da festa. Fiquei nessa pira. Na hora de tocar, foi muito legal, sentei a bota. Toquei muita música louca, com um monte de sample que eu tinha, umas coisas bem quebradas, fora do comum. No final do set, chegou um rapaz, e falou assim: “Ah Bruno, obrigado pelo set, foi super legal”. E não era um cara bêbado ou drogado, estava bem de boa. E daí ele seguiu falando: “Ah, eu achei que você era coxinha, que iria tocar um som bem mais ou menos”. Então saquei que, às vezes, a pessoa vem idealizando uma estética visual da pessoa que vai tocar do outro lado e aí não, né? O cara é tão experimental, tão alternativo fora da casinha que ele não consegue entender que ele mesmo cria o padrão dele. E tudo que foge desse padrão é descartável. Caramba, será que a pessoa estava mais preocupada com a imagem que eu ia passar tocando, do que com o som?
Acompanho muito o Zé Rolê aka Psilosamples. Nunca o vi pessoalmente, mas acho um cara mega sincero no que ele é e faz. E o cara estava lá no meio do mato, fazendo um som muito massa. Eu não tô criticando a pessoa que se monta. Eu critico a pessoa que se monta pra se fazer e desconsidera toda a base. E veja bem, não estou falando da cena, estou te contando um caso. Longe de mim pensar que a cena inteira é assim.
Onde você costuma circular e consumir música ao vivo?
Em Curitiba tem muito festival de jazz e blues, muita coisa acontecendo na rua mesmo. Minha esposa também curte bastante, então nosso rolê é a rua mesmo. Tomar alguma coisa sexta-feira a noite, escutar um jazz. Mas pra balada a gente não vai. Não dá. Eu trabalho o dia inteiro, ela também. Ainda dou aula a noite, então chega o final de semana, a gente não tem força.
Em shows sim. Vimos há poucas semanas um show da Liniker, que também é de Araraquara, uma artista super sincera no que faz. A gente foi no show do Johnny Hooker também, recentemente. Super sincero. São coisas bem diferentes.
Sobre o processo de criação dos seus discos.
Tem vários discos meus que primeiro nascem a capa, depois eu produzo. Esse último do aqamental, (microcont(sm)os), fiz primeiro a capa e aí fiquei olhando pra ela uns dois meses e aí pensei, “cara, acho que vai ter que sair alguma coisa daqui”, e aí comecei a montar o disco.
E quanto aos seus alias, já contabilizei dois, além do Bruno Real oficial.
Bruno Real é uma pessoa só. O aqamental, é porque eu sou de Araraquara, “aqa= Araraquara” (abreviação no aeroporto) e “mental” é da cabeça mesmo. Aí eu pirei que é uma coisa que tá dentro do meu ser. Como nasci lá e só saí com 18 anos de lá, eu sou muito cara do interior ainda, sabe? Então acho que esse aqui é o meu projeto mais sincerão, que não tem nenhuma amarra, em que faço o que eu quero. Queria fazer alguma coisa que realmente remetesse às minhas raízes, do interiorzão. E esse é o último disco, lançado em 2017. Hoje mantenho somente aqamental e Bruno Real, mas você encontra coisas minhas como Nu4ms, Azip, Insane Taste e Mondo Creme.
E sobre a mix entregue aqui?
A seleção é como se fosse um passeio pela cidade num dia de chuva, que ao final sai um solzinho. Tem uma parte prática, que eu parti do live que fiz no Novas Frequências. Então o começo é bascicamente o mesmo. E aí, a ideia era primeiro ter uma coerência, então até a quarta faixa é 4×4, tem umas quebradeiras, mas é um lance mais mental, mais profundo, mais pista mesmo, que tem um pouco dessa influência minha lá de trás, de tocar techno, progressivo. Uma coisa mais UK garage, mais belo. Ali da 4 pra 5 dou uma subida no bpm, que é pra simular um helicóptero. Aí o helicóptero vai embora e entra outra coisa. Na 5 até a 7, tem mais uma pegada de bpm de Drum n’ Bass, mas com toque ainda de 4×4 e já começo a experimentar um pouquinho mais. Aí da 7 pra 8 que eu já faço uma queda e entrego pro aqamental mesmo. Aí do elo até o final é aqamental mesmo. É livre mesmo. Não sigo muito compasso e vou mudando bastante. Muita faixa que é compasso terciário, então dou uma quebrada. Não fico seguindo muito padrãozinho ali da 8 pra cima, tem bastante empirismo na entrega.
Eu quis gravar como se estivesse apresentando ao vivo, ao invés de só fazer um set de coisas que eu gosto, afinal quem sou eu pra fazer um set das coisas que gosto, né? Fui ver os outros convidados dessa série, e pô, são pessoas que estão no rolê, têm coletivos, e estão botando a cara a tapa. Então pensei que faz sentido pegar as músicas que eu fiz, que é um trabalho que tem o seu valor, e fazer em formato live. Claro que tem coisa montada, mas foi em tempo real. Tem o erro e o acerto do artista.
Certo, pegando o gancho na dualidade indivíduo x coletivo, como percebe os movimentos contemporâneos culturais, que muito fortalecem a música eletrônica atual?
Vejo muito que às vezes as pessoas querem pertencer à cena, antes de ser realmente algo na cena. Por isso que eu não gosto muito de falar de cena. Às vezes, a gente fica conceituando muito as coisas, sabe? E não deixa acontecer. E a gente sabe que tem uma galera que está lá pela imagem, pelo ego e pelo hype. Longe de eu criticar isso. Mas a música empodera pelo o que você sente. Sou muito pé no chão enquanto a isso. Porque a gente tá lá num momento de entretenimento, de conhecimento, de arte, e talvez pra algumas pessoas seja só aquele momento. Não tenho pretensão de mudar o mundo com a minha música. Pelo contrário, mudo eu. É sempre de dentro pra fora, nada de fora pra dentro, sabe? Vejo muito assim. A arte pra mim é um ponto de fuga. Um ponto de encontro e de conversa. Ela não é uma coisa que precisa ser pautada por um trabalho ou por algo fixo.
Certo. Pensando em legado, o que você apontaria que fica do seu esforço e trabalho?
Tive muito tempo uma gravadora virtual, a solidalab, um projeto que eu tenho um carinho muito grande. A gente lançou discos com gente do mundo inteiro, quando poucos falavam de netlabel. Foi um negócio muito bacana. O primeiro lançamento foi em 2007, e o 19° lançamento eu fiz como aqamental. Foram 19 discos que a gente lançou. Ainda quero retomar esse projeto, mas é uma outra pegada. Não é a pegada de estourar, entendeu?
Muita gente legal lançou com a gente. O Dada Attack, Laurent F, L_cio, o Bruno Belluomini pelo projeto Tranquera, uma penca de gente boa demais.
Você fazia esse projeto sozinho?
Sim. Teve um tempo que o Fernando Nascii, hoje da GOP TUN, participava comigo, até tocava como solidalab, mas nunca chegou a lançar disco. Ele lançou set, mas os sets não estão mais no ar, só os discos mesmo.
Ele me ajudava nisso. Uma fase muito embrionária, divertida. Também, nessa época, me formei em 2007 na UFPR, já comecei a trabalhar e aí o resto é história. Então eu fui de 2007 a 2011 fazendo a coisa acontecer, mas já estava em outra fase. Já tinham outras coisas acontecendo, boletos pra pagar. E acabou virando objeto de estudo meu, na parte da academia.
Hoje eu sou professor universitário, onde tenho um interesse economia criativa, do gratuito e áreas baseadas em Creative Commons e afins.
Você tem alguma coisa em vista? Está produzindo mais um disco?
Estou fazendo um EP agora como aqamental e até duas das faixas lancei no 14° vol do Fazedores de Som. No lado A está como Mondo Creme e no lado B como Bruno Real. Conheço o Marco Blasquez lá da época da Solidalab. O Fazedores começou com um grupo de e-mail, de a gente trocar ideia mesmo. De todos os volumes, em apenas três eu não participo. Sempre fiz uma música inédita pra eles, é minha obrigação pessoal. Um coletivo de muita gente. Antigamente a gente trocava mais ideia, hoje é mais pontual, de quando tem as compilações. Mas é muito bacana, tem bastante gente legal ali… e principalmente, sincera.
TRACKLIST LabXP mix’s #03 por Bruno Real:
01. Invitation to step on the path
02. No concreto, a flor
03. E resiste, a flor / E reexiste
04. People fly a brain-controlled helicopter
05. City Studies Pt.3
06. So You Think That I’m That Lazy Boy
07. The Return of Lazy Boy
08. Duelo
09. Motim
10. Polícia e Ladrão
11. Três dias no fogo
12. He dances like Carmen