Exclusivo | Batuque, cura e espiritualidade regem Trevo no EP visual “Água de Flor”

26/08/2021

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Hick Duarte/ Divulgação

26/08/2021

Aos 22 anos, o jovem artista baiano Trevo não tem medo de ocupar o lugar que lhe cabe – mesmo quando esse lugar impressiona pela sua grandeza. Com uma carreira artística recente, ele já aproveita o impulso do feat com a popstar Duda Beat em “Nem Um Pouquinho” para catapultar seu novo lançamento: o EP visual Água de Flor. Aliando estética impecável, produção monumental e ritmo de tirar o fôlego, o curta apresenta o encadeamento das cinco faixas que integram o projeto, que também está disponível nas plataformas de streaming. O lançamento oficial de Água de Flor acontece amanhã, dia 27, mas Trevo nos deu a sorte (com perdão do trocadilho, mas realmente fomos privilegiados) de antecipar o acesso ao audiovisual. Assista abaixo, em primeira mão:

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Carregado de camadas que viajam o tempo, entre o ancestral e o futurista, Água de Flor une poesia, filosofia, espiritualidade, rap, batuque e experimentalismo. Quem assina o roteiro, a direção visual e musical é o próprio Trevo, a partir de um processo imersivo na residência multidisciplinar Fenda, fundada pelo fotógrafo Hick Duarte. É Duarte quem assina a direção geral da obra. A direção de arte é de Felipa Damasco, enquanto a fotografia é de Vinícius de Andrade e Naelson de Castro.

Com influências que vão de Lazzo Matumbi a Caetano Veloso, passando por Mateus Aleluia, Água de Flor conta com um time de jovens talentos; as canções, por exemplo, têm produções de JTK, Pivaratu, Marcelo Gerab e Rico Jorge. Colam nas participações especiais nomes como Luiza de Alexandre, Yaminah Garcia, Layla Afrika, Hodari, Luiza de Alexandre e o rapper Joca. A cereja do bolo é a parceria com o selo Ori Records. Aproveitamos a ocasião para bater um breve, mas riquíssimo papo com Trevo sobre o processo de criação de Água de Flor, o valor da experiência de residência artística e escrita como ferramenta de cura. Confira na sequência (logo após a foto):

Moura em Água de Flor (Foto: Hick Duarte/Divulgação)

Trevo, obrigada por topar conversar com a NOIZE! Pra começarmos, gostaria de saber: qual foi a fagulha criativa para o EP Água De Flor e o que levou à escolha do formato em audiovisual?
Eu tinha ido para São Paulo gravar o clipe de “Nem Um Pouquinho”, com a Duda Beat. No meio desse tempo, eu fui convidado por Hick Duarte para ser o novo integrante da Fenda (@fenda.space no Instagram) e não tinha ainda o que apresentar. Paralelamente, eu estava passando um momento na minha vida de dependência emocional e foi justamente no momento desta compreensão que me veio a ideia de começar a produzir “Água de Flor”. De falar sobre esse entendimento, sobre como tudo tem inícios, meios e fins… e como isso contribui para a nossa trajetória. E eu, por ser um homem negro, falo sobre isso na nossa perspectiva.

Que lições ou insights você tira da experiência com esse fluxo criativo, que se equilibra em músicas e roteiro audiovisual?
Esse processo da dependência emocional me seguiu durante um tempo, já vinha acontecendo. Então, volta e meia eu escrevia sobre isso. Minhas inspirações partem das coisas que gritam dentro de mim. Elas precisam sair e então eu escrevo. Já tinha escrito “A Mulher da Ladeira”, que se trata de uma lição aprendida de um Exú, e no momento que eu tive essa iluminação, essa compreensão dos caminhos que iniciam, terminam e servem de experiência, neste momento essa letra fez muito sentido. E, também, antes de entrar na residência eu compus “O Que Serei?” e um pouco de “Dona Flor”. A partir daí, eu vi que dava pra construir uma história – não é difícil construir uma história se você tá falando de períodos da sua vida, se a inspiração que lhe bate são vivências. Então, iniciei um roteiro com o Hick Duarte, ele me orientou como viabilizar, trazendo ideias junto… E a finalização das faixas é que partiu do roteiro. Mas, na verdade, eu já tinha alguns esboços antes em paralelo, quando percebi que as músicas se encaixavam em formato de história, porque era a minha história, o roteiro partiu daí. O fechamento do EP, os feats, tudo saiu após o roteiro, e então a galera trouxe sua contribuição.

“Mulher da Ladeira” está conectada a uma lição de Exú (Foto: Hick Duarte/Divulgação)

Que valor a experiência em uma residência artística tem? Como a sua temporada em uma residência artística mexeu com seus horizontes artísticos?
Para nós homens, mulheres e corpos pretes de periferia, que precisamos nos dedicar a milhares de corres antes do sonho, do corre principal que desejamos, uma residência artística tem um valor inimaginável. Só o fato de você estar ali para se dedicar somente à criação, já é uma coisa valiosa. Geralmente, a gente tem que estar fazendo corres de trabalho, cuidando de filhos, de casa, da família… e não tem toda essa disponibilidade e cuidado para fazer a sua obra. Dentro da residência artística, eu percebi que posso fazer o que eu quiser, sabe? Moldar da forma que eu quero, levar o tempo que eu preciso para construir uma obra. Foi um novo horizonte que se abriu. Não só o fato de correr para fazer algo e entregar, mas fazer de verdade aquilo, sabe? E isso não se expande apenas na parte criativa. Eu percebi também que dá para eu estudar o que eu quiser: teatro, canto, teoria musical… basta ter alguém que financie, porque isso, para nós, não vem de berço; mas vontade e disposição para aprender, a gente tem – e muita!

Você me conta que o registro está conectado ao que homens e mulheres negres carregam consigo e que tem como proposta nos fazer refletir sobre o nosso poder para tratar das nossas próprias feridas. O que você sempre carrega consigo e como o seu fazer artístico auxilia no seu processo de cura de suas próprias feridas?
Trazendo para o sentido literal dessas feridas aí mesmo, eu trago experiências que eu tinha com 14 anos, um pouco antes de eu começar a escrever. [Alerta de gatilho] Eu ficava muito preso no quarto escuro, me mutilando muitas vezes, e triste sem saber o porquê, mas muito por experiências caóticas por parte de família, desavenças de pai e mãe, viver num ambiente de caos… na rua, não era muito diferente, [estava] perdendo amigos. Desenvolvi uma depressão e então a coordenadora de um colégio que estudei me indicou para meu primeiro psicólogo. Foi lá que eu descobri essa aptidão com a escrita. Comecei a escrever meus primeiros versos com 14 anos e, pra mim, escrever um verso, botar pra fora tudo aquilo, tinha o mesmo efeito de um corte. Tem aquela coisa de liberar endorfina, e a dor física faz você esquecer desse martírio psicológico. A partir daquele momento, os versos escritos cumpriam essa função dos cortes. Então, foi a partir daí que eu descobri como curar minhas feridas.

Moura e Emira Sophia em cena de Água de Flor (Foto: Hick Duarte/Divulgação)

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26/08/2021

Brenda Vidal

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