Exclusivo | DOSSEL navega pelas camadas de “Ouvindo Vozes”

16/08/2019

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Carol Bergallo/ Divulgação

16/08/2019

Parece ser o mistério um atributo indissociável ao mar. Por mais que um pescador, um nadador, um navegador pense que conhece os segredos das águas, ele nunca saberá tudo. Não poderá dominá-la. Um bom conhecedor do mar precisa saber ler seus sinais , ouvir sua intuição e saber a hora certa de mudar a rota. 

Foi essa sabedoria que fez Roberto Barrucho dar vazão a seus ímpetos. Depois de muito tempo navegando pela carreira de produtor cultural, ele percebeu quando era hora de mudar os rumos e se colocar como protagonista de sua própria obra como DOSSEL. “A atuação como produtor alimentou muito o lado compositor, no sentido de permitir uma proximidade com outras linguagens que não a música, artistas de áreas diferentes que acabaram me influenciando enquanto criadores de realidades, atmosferas e universos particulares compartilhados”, retoma.  

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Foto: Carol Bergallo/Divulgação

Encarando DOSSEL como uma interface/plataforma de publicação de seus trabalhos, ele ainda reforça o quanto esse contato com o trabalho de outros como catalisador para sua produção: “Foi um estímulo para começar a experimentar e produzir mais, daí vi a necessidade de organizar um material aumentar junto da vontade de compartilhar essas criações com mais pessoas, o que me fez imergir no processo criativo e produtivo”, elucida. 

Encarando o mar aberto de peito aberto, DOSSEL navegou na jornada da criação e produção de Ouvindo Vozes, seu disco de estreia que ele lança hoje, com exclusividade para a NOIZE, junto de um bate-papo sobre esse processo. Dê play, tome fôlego e mergulhe (você pode ouvir via spotify, apple music, deezer e badncamp): 

Como o processo de criação de um primeiro disco da carreira marcou você? Como essa experiência de idealizar, criar, executar e concretizar mexeu com você?
Esse processo ainda tá mexendo comigo. Durante a construção do álbum, até mesmo a caminhada antes dele, enquanto ainda experimentava mais as canções e outros formatos, vejo que tudo isso ocorreu em paralelo a um processo de autoconhecimento, de afirmar para mim mesmo coisas que poderia e gostaria de fazer, me permitindo organizar as coisas em torno disso. Durante o tempo que atuei como produtor, cresci muito. No entanto, me via sempre diante de demandas externas, nas quais, em muitos projetos que participei, também me realizava pessoal e profissionalmente justamente por concretizar idéias e realizações importantes. Ao passar do tempo, vi que estava negligenciando o lado criativo e a vontade de me expressar artisticamente. Nesse ponto, tive de recomeçar do ‘lado de cá’’, me permitindo exercer o fazer artístico, e delegar funções mais técnicas ou executivas quando havia grana ou pessoas afim de fazê-lo comigo. Em muitas vezes, tive de me virar como dava, mas o trabalho todo só foi crescendo a partir das pontes que criei com artistas e colaboradores, como o músico e produtor Martché, da banda Amplexos, que me ajudou a chegar em sonoridades que tinha na minha cabeça, tal como o Vandré do projeto Lata Doida, onde construíram um estúdio bem equipado para uso da comunidade no entorno,  e os músicos excepcionais como o percussionista Rodrigo Maré e o violonista João Sasmana. Esse processo mexeu comigo no sentido de me fazer olhar pra cada gestual nas relações estabelecidas nas construção do álbum, dos arranjos, das resoluções, escolhas, tem a coisa de concretizar sons e idéias que vem da abstração, de percepções e intuições, então o reflexo dessa concretização se dá muito pelo simbólico, pelas chaves que são ativadas, viradas.  

Foto: Carol Bergallo/Divulgação

Em “Canoa Nova”, segundo single, você tratou muito da necessidade de encontro consigo mesmo. Como a música e o processo artístico podem ser ferramentas pra gente se encontrar?
É um processo de imersão nas próprias ideias, em resoluções harmônicas e melódicas, estéticas. É organizar os sons, o discurso e a comunicação de forma mais ampla, não só pela letra direta, mas pelas nuances, pelos detalhes que reiteram o que está sendo dito ou cantado. No meio de tudo isso, você acaba se redescobrindo, vasculhando alguns cantos da cabeça e coração, tirando a poeira dos pulmões, buscando fôlego. Todo esse movimento para fazer o disco, escolher as músicas (dentre tantas idéias e criações), as parcerias. . . nesse caminho você precisa afirmar pra si mesmo muitas escolhas, e essas escolhas que acabam dizendo muito sobre você mesmo. É bastante terapêutico, super recomendo. É aquele momento de abrir o peito, se mostrar um pouco mais, isso passa pela aceitação da sombra, onde abraçamos nossos defeitos, acolhemos as dificuldades, e paramos de procurar atalhos, buscando prazer e aprendizados ao percurso percorrido.

O disco parece ser um ponto de intersecção entre o orgânico e o eletrônico. Como foi amarrar essas sonoridades?
Essa fusão e diálogo acabou acontecendo naturalmente. Desde que comecei a pensar a sonoridade do DOSSEL, sempre pensei nessa ponte que equilibra o analógico e o digital, a floresta e a cidade, o passado e o presente, apontamentos para o futuro revisitando o começo de tudo. A busca e o gosto por uma sonoridade brasileira traz de maneira muito clara os elementos orgânicos, os couros, as madeiras, os metais e as cordas, sons que gosto de ouvir, de pensar os arranjos possíveis com esses elementos. Já o eletrônico é uma conversa natural com o tempo de agora, os sons mais contemporâneos, e que chega normalmente nestas canções de forma mais sutil, exceto em “Agridoce”, que tem um beat mais marcante produzido pelo Marcão Baixada. Quando comecei a pensar em beats para o DOSSEL e trabalhar com essa linguagem, também na busca de novas formas de compor, usando o estúdio, o computador e sintetizadores como ferramentas de criação, fugindo do processo de composição ao piano ou violão, que acaba me levando para uma sonoridade mais tradicional. Esses elementos e sonoridades no início ficavam muito demarcadas e mais separadas nas primeiras experimentações. Aos poucos, foi havendo uma convergência e maior entrosamento, uma vez que a sonoridade pretendida começava a clarear na minha cabeça e a sua materialização ficava mais fácil de acontecer.  

Foto: Carol Bergallo/Divulgação

Como você definiria Ouvindo Vozes? O que você buscou transmitir através desse disco e o que ele transmite a você agora, já pronto?
O Ouvindo Vozes é um enquadramento de idéias, sons, mensagens e resoluções que organizei para enquadrar numa fotografia, um registro temporal que reúne e resume agora os últimos dois anos, talvez. Gosto de pensar a materialização do disco como uma forma de observar a passagem do tempo, apesar da atemporalidade das obras. Elas me remeterão a esse tempo de agora. São vozes internas, as nossas inclinações, é a intuição, a conexão com o campo do sensível, somada às vozes externas, as inspirações, percepções da realidade que nos sopra, que nos chegam no presente, energias dos que vieram antes e os ensinamentos que nos deixam. Ele é resultado do somatório dessas vozes, que também chegam pelas das parcerias do disco, com intérpretes e outras compositoras. Ele me transmite diversas sensações e mensagens que penso serem de caráter mais universal, daí a vontade de compartilhá-las em um disco. Num âmbito mais geral o que ele me passa é a mensagem de conexão com o presente, da percepção dos ciclos naturais da vida e o aprendizado de que este mesmo presente é o resultado do que começamos lá atrás, dos nossos movimentos anteriores.

Foto: Carol Bergallo/Divulgação

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16/08/2019

Brenda Vidal

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