Gilberto Gil lembra de cada canção gravada em “Nightingale” (1979)

26/06/2024

Powered by WP Bannerize

Avatar photo

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Reprodução/ Arquivo pessoal do artista

26/06/2024

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 136 da revista NOIZE impressa, lançada com o vinil de Nightingale, de Gilberto Gilem 2023.

Depois de Gilberto Gil (1968) e Gil Baiana Ao Vivo em Salvador (2020), completamos a “Trilogia Gil” no NRC, documentando em papel e vinil mais um capítulo da obra deste imenso artista.  No canto do peito, o canto do poeta e o canto do pássaro se encontram: é dos corações vivos que eles vêm. É ali o começo do som, o que faz do corpo instrumento musical, da vida uma finita canção. No ar, onde moram as músicas e os passarinhos, navega a inspiração responsável pelo encontro de Gilberto Gil e Sérgio Mendes em Nightingale (1979).

*

Em 1978, Gil foi contratado pela recém inaugurada filial brasileira da WEA. O primeiro lançamento na gravadora foi Gilberto Gil Ao Vivo – Montreux International Jazz Festival (1978). O LP duplo ganhou prensagens nos EUA, Reino Unido e Japão no ano de seu lançamento; em 1979, saiu também em Portugal. Após uma breve turnê na Europa, Gil se mudou para Los Angeles. A convite de Sérgio Mendes, ele passou uma temporada na Califórnia gravando o seu primeiro disco feito inteiramente pensado para o público estrangeiro.

LADO A

1. Sarará Miolo

Quem produziu o disco foi Sérgio Mendes, e ele sugeriu que eu gravasse essa música. Ele achava que ela renderia bem na abordagem de músicos como Abe Laboriel, Lee Ritenour, Michael Sembello, Don Grusin… O pessoal que trabalhou comigo no disco. Ele [Sérgio] achava que a levada do “Sarará”, aquele jeito, aquele batuque, com aquela onomatopeia nas palavras, no fraseado da letra, que aquilo traria uma coisa interessante. Tinha uma brasilidade ali, uma baianidade, uma coisa brasileira, que era muito o que Sérgio Mendes queria que se realçasse no disco. 

2. Goodbye My Girl

É uma versão de “No Norte da Saudade”, uma música que eu tinha composto para o disco Refavela (1977), com Perinho Santana e Moacir Albuquerque, durante viagens pelo Nordeste. A música trata exatamente disso, de uma fã, uma tiete, que nos encontra em uma cidade e que se desloca para uma cidade seguinte pra poder nos encontrar mais uma vez. Aquela coisa típica dos fã-clubes, das tietes. É uma história verídica, e é uma história relativa a mais de uma delas, porque eram várias. É sobre aquelas jovens fãs ardorosas que assistiam a um show em Aracaju e se deslocavam para Maceió, e de Maceió para Natal, de Natal para Fortaleza… Nós começamos exatamente fazendo a música em Sergipe, em Aracaju, e terminamos em Fortaleza. Também por causa do reggae, um ritmo que aflorava com muita força naquele momento, eu achei que era interessante ter no disco Nightingale. E aí eu mesmo fiz uma versão basicamente literal, mantendo a personagem que segue o show e tal. Nesse sentido, acho que a versão é uma boa versão. “No Norte da Saudade” é mais nordestina propriamente, no Nightingale já é mais reggae no sentido mais convencional mesmo. Como composição, é a primeira mais acentuadamente, mais nitidamente, reggeada.

3. Ella

Essa versão foi feita com a Carol Rodgers. A Carol era uma das backing vocals do Sérgio Mendes, do grupo, enfim. E a Carol me ajudou a fazer a versão, fizemos juntos. E também porque é um samba “benjorgiado”, com aquela acentuação típica do Jorge Ben, não é? Também era muito do gosto de Sérgio Mendes, e de nós todos, dos meninos, dos músicos, enfim. É um Gilberto Gil à la Jorge Ben. 

4. Here And Now

É uma música interessante, como tema sobre reflexões a sobre a existência das várias dimensões, da hiper dimensão da existência, não é? O deslocamento da visão mais terrestre das coisas da vida, deslocando-se para uma visão mais etérea, uma visão mais polidimensional, transmutada. A ideia do “Aqui e Agora” é uma ideia muito ligada à filosofia oriental, a coisa dos iogues, da maneira como a percepção oriental, especialmente de China, Japão, enfim, o budismo, e o zenbudismo, e o taoísmo, essas visões todas de mundo que implicam em noções mais holísticas da existência e etc. Então é uma música sobre isso. É uma música sobre o holismo, digamos assim. E eu fiz uma versão para o inglês que, ainda que não seja literal, no sentido da tradução direta dos versos em português para os versos em inglês, mas do ponto de vista das noções gerais da música a versão em inglês é muito fiel, muito tributária mesmo da versão original do “Aqui e Agora”. 

5. Balafon

É uma música que eu fiz, quando fiz o Refavela, baseada nas experiências com os instrumentos africanos, que eu havia encontrado, de uma forma mais direta, naquela viagem que fiz para a Nigéria. Eu e Djalma Corrêa trouxemos um balafon da Nigéria quando voltamos. Eu fiz a música já no Brasil, e ela tem, como “Sarará”, essa baianidade, essa africanidade, esse lado do Brasil negro, mestiço e tal. É mais uma dessas músicas negro mestiças que falam da relação profunda entre Brasil e África e essa herança africana que o Brasil absorveu. É um instrumento que toca aqui, toca ali, toca em vários lugares, e em cada lugar tem um nome. Em um desses lugares, chama-se balafon. Então, é sobre isso, sobre o nome do instrumento mesmo, que é a marimba. Aqui no mundo das Américas, dos indígenas e tal, o instrumento se chama marimba. Lá na África, em muitos lugares, se chama balafon. Então, é uma música afro-baiana, afro-indígena, afro-brasileira, enfim, que também era de muito gosto do Sérgio, que queria dar esse sotaque, esse tom, ao disco. É uma das coisas que ele sempre apreciou no meu trabalho. E ele sugeriu também que eu fizesse essa música para o Nightingale

LADO B 

1. Alapalá (The Myth Of Shango)

A versão foi feita com a Carol [Rodgers] também. Ela me ajudou, porque ela é uma afro-americana, é uma cantora negra muito interessada em todas essas questões. A música estimulou muito essa coisa nela de compreender a África no Brasil, as coisas africanas na Bahia, os orixás… E “Alapalá” é sobre um egun, né? Sobre um ancestral. Enfim, ela ficou muito interessada em que trabalhássemos juntos lá nessa versão. O que foi feito e foi gravado. Também é uma das que se encaixam nesse conjunto de músicas com temática afro-brasileira, afro-baiana.

2. Maracatu Atômico

Música do Jorge Mautner e Nelson Jacobina. E o Sérgio Mendes dizia: “Essa música é dessa turma aí, tem que estar no Nightingale”. Tinha que explorar o swing, o balanço daqueles músicos californianos, né? Alguns negros, outros não, mas todos eles envolvidos com essa coisa da música negra americana e com o trânsito da música negra americana pelas Américas, todas elas, Caribe, etc. Então, o tratamento que a gente deu à música é bem nesse sentido: essas rítmicas híbridas norte, centro e sul-americanas e tal. O “Maracatu Atômico”, na versão do disco Nightingale, ficou com esse gosto, ficou com esse sabor. É mais uma dessas músicas daquele gênero black híbrido.

3. Move Along With Me

Eu tinha feito ainda na Inglaterra, quando eu estava morando em Londres. Tinha pelo menos iniciado essa canção lá. E aí eu terminei exatamente na época da gravação do Nightingale e resolvi botar no disco. É uma música toda a partir de uma concepção através da língua inglesa, através de uma letra originalmente em inglês, não é? A única música do Nightingale que é originalmente feita em inglês. 

4. Nightingale

Faixa-título, uma canção minha com Jorge Mautner, “O Rouxinol”, para a qual eu fiz uma versão, que também gosto muito, porque ela é literal, praticamente. Sobre o pássaro que voa e se transforma num cometa, numa estrela, num astro. Tem essa transmutação de um animal num objeto sideral, num objeto estelar. Um passarinho que vira uma estrela. E eu acho muito feliz, bem realizada a versão em inglês, tanto do ponto de vista da construção quanto do ponto de vista da fidelidade ao tema original em português. Gosto muito dessa canção.

5. Samba de Los Angeles

Essa foi feita lá. É um samba que remete muito a experimentos rítmicos do tipo do Dave Brubeck, aquela coisa do ritmo quebrado, ímpar. A utilização dos compassos ímpares para a realização de uma canção. Acho feliz o modo como esse viés rítmico aparece na música. E a própria letra trata disso, né? E é lá, ali em Los Angeles, onde eu estava fazendo aquele trabalho. Então, também foi muito do gosto, de novo, do Sérgio Mendes que tivesse uma música desse tipo no disco. Remetia a essas experiências que muitos músicos de jazz fizeram com os ritmos latinos. Tinha esse lado, também, de tributo feito a um momento importante do jazz americano, que vinha exatamente dali da Califórnia. Tinha também um pouco disso na feitura da canção, o que acabou  aparecendo muito claramente no modo como tratamos o samba. 

LEIA MAIS

Tags:,

26/06/2024

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Avatar photo

Ariel Fagundes