Lanny Gordin definiu o rumo da Jovem Guarda, Tropicália e Vanguarda Paulista

28/11/2023

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Rafa Rocha

28/11/2023

Esta matéria foi publicada originalmente na edição #69 da revista NOIZE impressa, lançada com o vinil de Dancê, de Tulipa Ruizem 2016.

Alexander Gordin, o Lanny, nasceu em Xangai no dia 28 de novembro de 1951. A família do seu pai era russa e a da sua mãe, polonesa, mas eles, assim como Lanny, nasceram na China. Em 1953, foram para Tel Aviv, em Israel, onde viveram os seis anos seguintes. Só aí os Gordin vieram morar em São Paulo. 

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No início dos anos 1960, Alan, o pai de Lanny, abriu a boate Stardust, onde músicos tocavam diariamente. Um deles era o Hermeto Pascoal: “Eu era mais sanfoneiro, onde me desenvolvi como pianista foi no Stardust. Foi o lugar que segurou minha barra, aprendi muito lá. Aprendi e ensinei”, lembra. Hermeto conheceu Lanny quando ainda era criança. 

Filho de pai pianista, ele começou a tocar aos 13, quando ganhou um violão do Alan. “A boate foi minha escola”, nos conta o próprio Lanny Gordin, aos 64 anos, 50 anos depois de estrear na Stardust. Se a fiscalização viesse, ele se escondia na adega, mas o risco nunca o impediu de tocar lá. “O pai dele tinha amizade com uns delegados e convenceu os caras a deixarem ele entrar”, diz Hermeto, cúmplice das primeiras estripulias sonoras do garoto. 

“Quando meu pai saía, eu e o Hermeto começamos a improvisar! Músicas dele, né? Aproveitamos pra soltar a franga!”, diz Lanny com ar de moleque travesso. “Com Hermeto, aprendi a improvisar. Ele me ensinou tudo”, resume. “A gente quebrava tudo! E o Alan não reclamava porque o filho estava aprendendo alguma coisa. O Lanny é um cara muito musical, já nasceu pra isso, e aprendeu muito rápido”, conta Hermeto. 

Lanny diz que sua primeira gravação foi um compacto do americano Bob McKay, de 1965, feito quando ele cantava na Stardust. Também com 14 anos, ele fez seu primeiro e único show com a Wanderléa, que lhe demitiu porque tocava alto demais. Sua iniciação musical foi no jazz, mas a efervescência do rock já borbulhava em suas veias. “Eu estava ouvindo rock! Beatles, Rolling Stones… Comecei com um conjunto chamado Beatniks. A gente fazia show, bailinho. Aprendi a tocar rock com eles”, revela.

Ao lado dos representantes da face mais selvagem da Jovem Guarda, Lanny chegou a 1968 com ganas de revolução. Foi quando gravou os impressionantes compactos “Que Bacana/Esperanto”, de Suely & Os Kantikus, “Guerra/Mundo Quadrado”, de De Kalafe & A Turma, e “Nem Sim, Nem Não/Não Posso Dizer Adeus”, de Eduardo Araújo & Os Bons, e fez seu primeiro LP, a estreia da Silvinha

Ainda em 68, Tony Osanah, do Beat Boys, viu Lanny na Stardust e o convidou a conhecer Gilberto Gil. Lanny diz que bastou um encontro com Gil para que ele dissesse as palavras mágicas: “Quer participar do nosso grupo?”. Tudo mudou com a prisão de Caetano e Gil em um quartel carioca, que durou de 13/12/68 a 19/2/69. “Fiquei sabendo disso só depois e fiquei triste”, conta Lanny. Entre abril e maio, Gil e Caê gravaram as bases dos últimos discos antes do exílio em Londres, que começou em julho. Rogério Duprat finalizou esses álbuns no Brasil com a guitarra de Lanny, que havia acabado de conhecer também o Jards Macalé e a Gal Costa. Entre 1969 e 1972, Lanny gravaria os quatro primeiros discos solo de Gal, e a estreia de Jards. 

Por um lado, Lanny estava construindo a lisergia da música pop brasileira. Por outro, não largou o jazz herdado da Stardust. Em 1969, ele participou com Hermeto do Brazilian Octopus. Liderado pelo pianista Cido Bianchi, o grupo tocou em desfiles patrocinados pela multinacional Rhodia. Seu único disco traz uma das poucas composições do jovem Lanny: “O Pássaro “. “A gente tocava olhando as pessoas desfilando. Gravamos e ficou antológico”, lembra Hermeto.

Mas o talento de Lanny fez com que ele fosse cada vez mais requisitado: “Comecei a ficar famoso e todo mundo me convidava pra gravar. Gostei de gravar com todos porque cada artista era diferente”, conta. Dinho Leme, baterista d’Os Mutantes, gravou três discos com ele – o Build Up (1970), da Rita Lee, o clássico Carlos, Erasmo (1971) e o obscuro Let’s Dance (1971), do The Funky Funny Four. Para Dinho, “ele fazia o que as pessoas estavam tentando fazer”.

O baterista diz que Arnaldo Baptista e Rita Lee frequentavam a Stardust e que havia até uma rivalidade amigável entre Lanny e o Sérgio Dias, dos Mutantes: – Era bonita a rivalidade, o Sérgio ia mais pro rock e o Lanny pro jazz. A Rita, num dia em que tinha ido ao Stardust, brincava: “Vi o Lanny! Ai, ai, que ciúúúmes!”, e o Sergio ficava todo vermelho (Risos). Eles eram bem assim – diz. 

Já Lanny fala que não era bem assim: “Não tinha rivalidade, a gente era muito amigo. Ao contrário, ajudávamos um ao outro, eu frequentava a casa deles, tocamos juntos”, conta. Nessas visitas, Cláudio César Dias Baptista, irmão de Sérgio e Arnaldo, deu para Lanny um pedal de fuzz e wah wah que criou e que foi usado em muitos dos discos que Lanny fez. “E a guitarra que eu usava era uma Giannini Supersonic”, explica.

Em 1971, Lanny tocou nos compactos “Chocolate/ Paz”, do Tim Maia, e “Irene/Jimmy Renda-se”, do Tom Zé, no LP Mudei de Idéia, de Antonio Carlos & Jocafi, e nos discos homônimos da Silvinha e do Eduardo Araújo. Em agosto, participou do especial da TV Tupi que uniu João Gilberto, Gal e Caetano. O pai da bossa nova foi um dos únicos que torceu o nariz para Lanny: “Ele queria que eu desse menos acordes, aí me criticou. Aprendi com o João Gilberto a ter bom gosto”, diz.

Essa foi a fase registrada no ao vivo Fa-Tal (Gal A Todo Vapor). Para Lanny, esses shows foram os mais marcantes de todos que fez: “Criei um novo estilo e fiquei espantado com o jeito que toquei, era justamente o que eu queria tocar. Fiquei muito orgulhoso de mim”. Fa-Tal foi arranjado pelo Lanny, mas, antes do disco sair, ele foi à Europa acompanhar o Jair Rodrigues ao lado d’Os Originais do Samba. Ele não imaginava que essa viagem poderia nunca acabar.

Lá, Lanny tomou LSD pela primeira vez em circunstâncias não esclarecidas. “Tomei porque me deram, né?”, diz. “Foi horrível, me senti muito mal tomando droga”, completa. Bigode, fundador d’Os Originais do Samba, viajou com Lanny e Jair Rodrigues e sustenta:

– Juro por Deus, disso eu não sabia. Sabia que ele era muito louco, né? Mas que transava essas coisas eu não sabia porque, dentro do grupo, todo mundo era careta. 

Bigode diz que a turnê passou pela França, Suíça, Suécia, Holanda e Portugal e foi um sucesso. Quando voltaram, Lanny ficou mais uma semana na Europa com amigos.

O guitarrista admite que, na volta, seguiu tomando LSD: “Tomei algumas vezes, mas não gostei”, diz. Foi aí que ele fez o disco do Macalé, com quem já havia trabalhado no Legal (1970), da Gal. Jards lembra que o álbum deve muito ao Lanny. “Aquele disco é basicamente ele. Ele tocou guitarra, violão, baixo e criou tanto as harmonias como as introduções”, diz Jards.

Quando Caetano e Gil voltaram do exílio, em 1972, chamaram o guitarrista pra fazer Expresso 2222 (1972), do Gil, e Araçá Azul (1973), do Caetano. Na época, Lanny acompanhou shows do Gil, com quem viajou para cidades como Salvador e Porto Alegre. Aqui, Lanny começou a se perder: “Quando a gente tocava ‘Oriente’ [do Expresso 2222] eu pensava que era pra mim! ‘Se oriente rapaz’…”, canta Lanny.

Começa então um período nebuloso que o próprio Lanny não comenta muito. Cristina, sua esposa há 13 anos, diz apenas que ele teve uma bad trip aos 21 anos quando tomou o sétimo ácido de sua vida na casa onde morava, em São Paulo.

A crise motivou a internação em um sanatório onde lhe diagnosticaram como esquizofrênico. “Quem me internou foi meu pai”, conta Lanny. Na época, eletrochoques eram um tratamento de praxe e o músico passou por isso. Ainda assim, diz que a internação foi boa: “Os médicos me tratavam super bem. Fiquei bem alimentado, tomava remédio e fiquei bom”.

Quando saiu, voltou ao Stardust, onde tocou até a casa fechar, em 1995. Da metade dos anos 1970 até os 90, as gravações de Lanny rarearam. Em 1981, ele fez uma faixa em Compartimento Etéreo, de Fábio Antiero, e, em 1982, o disco de estreia de Aguilar e Banda Performática. Produzido pelo Belchior, esse álbum histórico registra a arte audiovisual do poeta José Roberto Aguilar. Paulo Miklos e Arnaldo Antunes, antes do Titãs nascer, também estão no disco que marca o auge do envolvimento de Lanny com a Vanguarda Paulista.

Nos anos 1990, ele gravou o disco homônimo da cantora Vange Milliet (1995), Aos Vivos (1995) e Cuscuz Clã (1996), do Chico César, Pretobrás (1998), do Itamar Assumpção, O que faço é música (1998), do Jards Macalé, e o disco homônimo do cantor Catalau (1999).

Meses após produzir o álbum do Catalau com Lanny, Luiz Calanca, dono do selo independente Baratos Afins, diz que tomou um susto quando um senhor lhe abordou na Av. São João, no centro de São Paulo:

– Pô, você tem um cigarro? 

– Você é o Lanny Gordin? 

– Sou eu mesmo! Você tem um cigarro?

Segundo Luiz, o reencontro foi em um momento difícil, quando Lanny morava com um dos seus dois irmãos mais novos, o Bob, e dava aula de guitarra para se sustentar. Lanny confirma ser “muito amigo” de Calanca, mas nega essas dificuldades financeiras: “Nunca tive, eu sempre ganhei muito bem”.

De março a setembro de 2000, Luiz estudou com Lanny e gravou todas as aulas em 23 CDs. Com o material, Luiz montou seu primeiro disco solo, Lanny Gordin (2001), que iniciou uma alavancada na sua carreira. Para Calanca, a obra é uma das mais relevantes de Lanny por seu peso emocional: “Tinha aquele som melancólico que era do momento dele. Ele estava desorientado na vida, dava pena”.

Luiz diz que Lanny melhorou quando mudou sua medicação. “Teve períodos em que ele tomava Neozine, Carbolitium, Gardenal, drogas sossega leão. Ele tomava isso há 17 anos e nem fazia mais efeito”, diz.

– Quando surtava, ia para um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e, dependendo, era internado dois, cinco dias, uma semana. Eu sei que ele conheceu um fã que era psiquiatra e receitou um produto chamado Zyprexa Olanzapina. Ele passou a tomar esse remédio e ficou bem mais equilibrado – diz o dono da Baratos Afins.

Em 2004, Luiz produziu o segundo e o terceiro discos de Lanny, feitos em parceria com o Projeto Alfa, intitulados Projeto Alfa Vol. 1 e Vol. 2. A quarta faixa de Projeto Alfa Vol. 2 chama-se “Zyprexa Olanzapina” .

Com três álbuns, Lanny já tinha farto material para apresentar nos shows, que se tornaram cada vez mais frequentes. Em 2007, ele lançou Lanny Duos, disco que traz Caetano, Gil, Gal, Jards, Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Rodrigo Amarante, Fernanda Takai, Chico César, entre muitos outros.

“Quando conheci o Lanny, realizei um sonho. É a primeira figura de herói da guitarra que se tem no Brasil”, diz Scandurra. “O que ele faz é de uma arte tão grande. Sempre que toca há um lampejo de genialidade”, completa. “Meu pai me falou que gênio é 10% talento e 90% suor. Como estudei muito, me considero um músico realizado”, desconversa Lanny ao ser perguntado sobre sua genialidade.

O guitarrista do Ira! dividiu o palco com ele muitas vezes e comenta: “Percebemos o quanto todos nós estamos perto do momento de pirar a cabeça. [O Lanny] é como um irmão mais velho que vemos com carinho sabendo que os caminhos pelos quais passou todo mundo pode passar”. Lanny e Scandurra sempre se encontram nos shows do projeto Brasil Guitarras, que homenageia a história do instrumento no Brasil unindo caras como eles e Pepeu Gomes, Luiz Carlini e Andreas Kisser.

Em 2010, saiu mais um disco de Lanny, o Auto-Hipnose, em parceria com a banda Kaoll. No início de 2016, chegou o seu mais recente: Lanny’s Quartet & All Stars, com Sergio Dias, Pepeu, Carlini, Frejat e Scandurra. Além disso, até o fim do ano, o diretor Gregorio Gananian deve lançar o documentário Inaudito, no qual registra a viagem que fez com Lanny até a China em 2015.

Cada vez mais reconhecido, presente em discos como o Dancê, da Tulipa Ruiz, e o Violar, do Instituto, Lanny não se queixa: “O público me adora e eu agradeço os aplausos que me dão”. Hoje, o free jazz lhe interessa mais que o rock n’ roll. Seu objetivo, diz, é alcançar a mais alta música, “a música pura, a música dos anjos”.

Com um currículo desses, o que será que ele ainda quer realizar? “Ah, me encontrar com Deus. Mas acredito que na próxima encarnação eu encontro”, diz Lanny Gordin.

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28/11/2023

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Ariel Fagundes

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