Com mais de dez anos de carreira, o quinteto britânico de jazz Ezra Collective fez a primeira passagem pelo Brasil no último sábado (8). Apesar da demora para tocarem aqui, essa era uma vontade antiga. Em 2017, o baterista e líder do grupo, Femi Koleoso — também responsável pelas baquetas do Gorillaz — se encantou pelo país. Desde então, se apresentar aqui virou um sonho.
No palco do Cine Joia, Ezra Collective pôde, enfim, tocar “São Paulo” na cidade que dá nome à música. A homenagem é uma das treze faixas do álbum You Can’t Steal My Joy (2019). No setlist, teve espaço para todos os discos da banda, mas o protagonista da noite foi Dance, No One’s Watching, lançado em 2024 e indicado a Álbum do Ano no BRIT Awards — eles ainda concorrem em outras três categorias, Melhor Revelação, Grupo do Ano e Melhor Ato de Rock/Alternativo.
Dance como se Ezra Collective estivesse tocando
O título do trabalho é também um conselho: “dance, ninguém está olhando”, dica que Koleoso tem propriedade para dar.
“Foi algo que aprendi viajando por aí, principalmente em São Paulo. A primeira vez que vim, fui na [quadra da escola de samba] Vai-Vai. Lá, ninguém se importava. Foi tipo ‘wow’!”, descreve. “Eu tento levar a Vai-Vai e São Paulo para onde eu vou. Após viver experiências assim, você aprende a dançar como se ninguém estivesse olhando. Busco, todos os dias, me sentir como me senti naquele momento. ”
Quando Ezra Collective convida o público para se mexer ao som da sua mistura, que passeia pelo afrobeat, hip-hop e reggae, geralmente é no embalo instrumental de Koleoso e seus parceiros de banda — são eles o irmão de Femi, TJ (baixo), Dylan Jones (trompete), James Mollison (saxofone) e Joe Armon-Jones (teclado). Entretanto, algumas faixas ganham a adição de vocais. É o caso de “God Gave Me Feet for Dancing”, que conta com a participação de Yazmin Lacey.
Receita à brasileira
“Às vezes, você está cozinhando… Vamos supor que você está preparando feijoada. Você coloca a carne, o feijão… Aí você experimenta e está perfeito. Mas pode acontecer de você provar e notar que precisa de mais sal. Quando fizemos ‘God Gave Me Feet for Dancing’, eu provei e pensei: precisa de mais sal. Então eu peguei o telefone e me perguntei: quem tem o sabor perfeito para essa música? Foi assim que liguei para a Yazmin Lacey”, Koleoso compartilha.
Embora a música apareça na primeira metade de Dance, No One’s Watching — são dezenove faixas que chegam a quase uma hora de duração. Ao vivo, é com “God Gave Me Feet for Dancing” que Ezra Collective arremata o show. Após dançar com os membros da banda, que descem do palco para tocar e pular com a plateia, o público não hesita em substituir a voz de Lacey quando a apresentação se aproxima do fim.
Novos ventos no jazz
Em 2023, Ezra Collective venceu o Mercury Prize pelo disco Where I’m Meant to Be (2022). Em mais de 30 anos reconhecendo o trabalho de artistas do Reino Unido e da Irlanda, essa foi a primeira vez que a premiação deu o título a uma banda de jazz.
O episódio reflete os obstáculos que, desde a sua formação, o grupo sabia que enfrentaria. A ideia de criar Ezra Collective surgiu quando os membros da banda se encontraram no programa Tomorrow’s Warriors, iniciativa de Londres que oferece aulas e impulsiona a carreira de atuantes no jazz, com foco na diversidade e inclusão social, racial e de gênero. Do ponto de partida, o quinteto já quis afastar sua produção do estereótipo elitista do gênero.
Uma saída para isso, além do próprio fazer musical, é levar o conhecimento a jovens interessados em aprender. “As crianças são as pessoas mais inspiradoras do mundo, porque são as mais entusiasmadas. Elas veem o mundo de uma forma muito pura e bonita, e quando você passa um tempo dando algo a elas, a energia delas volta para você”, Koleoso diz. “Eu me inspiro a partir disso. É assim que muitas das nossas músicas nascem.”
Outra fonte de inspiração para a obra do Ezra Collective é a música brasileira. Azymuth, Marcos Valle, Clara Nunes, Gilberto Gil e Tim Maia são alguns dos nomes que Femi cita ao falar do assunto. Ele também não se esquece de outros artistas que têm renovado os ares do jazz.
“Eu acho a Nubya Garcia maravilhosa, ela é muito brilhante e alguém que eu sempre recomendo para as pessoas ouvirem. Outra banda que gosto é Kokoroko.”
O baterista ainda destaca o papel das playlists na hora de encontrar novos sons. “A Jazz UK é boa, uma playlist chamada BUTTER, também. Essas estão no Spotify. Há uma chamada Global Groove, com coisas jazzísticas e outras que te levam à sua própria jornada através delas.”
E não é porque o líder do Ezra Collective está sempre de olho no que acontece ao seu redor que isso significa que ele não olha para quem veio antes dele. Se pudesse escolher com quem fazer uma jam session, Alex Acuña, Jaco Pastorius, James Jamerson, Stevie Wonder e John Coltrane seriam os convidados.