Outubro de 2008 | Entrevista com Marcelo Camelo na NOIZE #18

12/03/2010

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Por: Revista NOIZE

Fotos: Reprodução e NOIZE

12/03/2010

Esta entrevista com Marcelo Camelo foi publicada na NOIZE #18, de outubro de 2008, na época do lançamento de Sou, primeiro disco solo do cara. A capa, que trazia a cara de Camelo livre de recursos de Photoshop, teve uma repercussão tão legal, que o próprio hermano brincou com ela em vídeos e fotos com que ilustramos a entrevista que segue.

Texto: Fernando Corrêa 

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Não tente compreender Marcelo Camelo—ele é o infinito. Não se trata de prepotência, de maneira alguma; você também é o infinito para ele. Em meio a tanta infinidade, conversamos com o homem que compôs Sou, um disco de uma simplicidade que só as poesias mais belas possuem. Mas não espere de uma entrevista com Camelo explicações de sua obra; em vez disso, ouça e veja com sua própria alma o show que o “los hermano” apresenta no próximo dia 16 de outubro.

Tua música está mais baixinha, tem momentos de silêncio, especialmente nas mais dedilhadas. Qual a importância de ficar em silêncio para ti?

Ah, eu gosto, como eu mexo com música, com som, é uma contraposição importante na parada e aparece constantemente no diálogo. Não sei se do silêncio irrompem as mais belas melodias, a frase é bonita, pode ser.

Agora começou a correria dos shows, mas como foi o clima de composição e gravação do sou?

Cara, foi tudo tranqüilo, no maior sossego. Não teve nenhum atrito, foi totalmente pacífico. O disco tem umas músicas meio antigas, tipo “Liberdade” e “Santa Chuva”, mas boa parte do disco foi composta nesse período de recesso.

Teve alguma canção do CD que saiu de uma vez só?

Um pouco, “Saudade”, “Copacabana”, tem umas que vêm meio de rompante. “Liberdade” não, “Liberdade” demorou um pouco…

Canções como “Passeando” se aproximam do erudito. Como um cara que não gosta de disciplina compõe essas músicas?

Buscando o som, tateando. E por influência muito de Guiomar Novaes [brasileira, uma das principais pianistas do século XX], pensando no piano que eu tenho ouvido muito. É a tentativa de fazer parecido e curtir um som parecido. Vou tocando e as coisas vão abraçando umas às outras. É só não pensar muito, é difícil teorizar sobre isso. Se tentar descrever, a parada se esvai. Tem que estar distraído para a coisa.

Quando tu pega o violão, é para compor?

É, o violão pra mim é meio que uma extensão do corpo, como se o corpo tivesse necessidade de emitir sons. Aí passa pelo violão e fica aquele “blemblemblem”, e você fica soprando esse “blemblem” até virar uma música. É uma relação intrínseca e natural mesmo.

E as letras, quando tu compõe, cantarola e faz as letras depois?

Bem isso, eu vou cantando um negócio… tem acontecido mais desse jeito, de as palavras entrarem mais pelo som delas do que por o que eu estou pensando ou querendo.

Tu acha que tuas letras retratam o sentimento que originou a melodia?

As coisas não são para se encerrar, o objetivo é que esses sinais, códigos e palavras apontem para um infinito de significados. Não é para representar o que eu estava sentindo, ou conjugar exatamente com a música. É para que música e letra apontem para o infinito, rodem uma em volta da outra, e o infinito é o máximo de compreensões. Que cada um veja de um jeito.

E a história de que tu é a desgraça das rodinhas de violão?

É verdade, mas eu aprendi que eu sou bom em tirar as músicas enquanto toco. É uma habilidade que eu não sabia que tinha e estou começando a exercer.Tem funcionado em algumas, em outras eu pago mico. As letras também, eu lembro de algumas, mas não sou virtuoso.

Marcelo Camelo brincando com Fernando Corrêa, editor da NOIZE em 2008

O Los Hermanos acompanhou teu fascínio cada vez maior pela música brasileira. O que tem nela que te encanta?

Não sei, cara, mas tem alguma coisa. Acho que é a maneira que ela faz a mistura de harmonia com melodia e com ritmo. Mas pega Claudinho e Buchecha, MC Leozinho, tem algumas coisas que são tipicamente brasileiras e que ao mesmo tempo se aproximam de um negócio… um amigo meu me falou uma coisa que eu achei lindo, que o Sean Kingson, sabe [canta pedaço de “Beautiful Girls”], é o Claudinho e Buchecha. Não é demais essa comparação? É a mesma onda, mesma cara, mesmo jeito, é lindo para caramba. Não sei se é a música brasileira, necessariamente. Eu adoro Claudinho e Buchecha, adoro Sean Kingson, mas acho que tem alguma coisa com o Brasil que é diferente mesmo.

A música para ti é uma coisa espiritual, expressa coisas tuas?

Não, não tenho um lado espiritual… mas talvez a minha espiritualidade esteja toda na música mesmo.Acho que a própria música é um tipo de explicação.

E de que maneira tocar resolve teus sentimentos? De alguma forma, o título sou reflete tu te voltando para a tua música?

Eu acho que é uma tentativa de me aproximar cada vez mais da música. O negócio de tocar com uma banda de rock, tocando alto, exige uma transformação. Exige que você saia do seu estado de espírito tranqüilo. Quem cobra uma música mais agitada deveria entrar na estrada e fazer 30 shows por mês com esse espírito para ver o preço que isso cobra, do ser humano ter que se transformar no porta-voz da alegria desmedida toda noite. A minha busca, até inconsciente, e me aproximar de mim, aproximar minha música de quem eu sou em casa, nos meus momentos mais relaxados, que é quando eu componho—na verdade, quando estou mais distraído de mim mesmo e em contato com o todo.Tentei aproximar a minha música disso para que o ritual de fazer um show seja compartilhado dessa sensação, e não da transformação. Esse é o momento em que eu estou agora.

É leviano interpretar o poema da capa como o momento que você vive sendo o oposto do que você vivia com o Los Hermanos?

Não, cara, o disco é um pouco sobre o poema. Nenhuma forma de interpretação sua seria leviana, fique à vontade para interpretar como você quiser. Mas o disco é sobre o poema, o Rodrigo é meu amigo, o disco é sobre as participações também, é sobre tudo que está acontecendo em torno dele. Não é o símbolo de uma outra coisa, é mais subjetivo do que isso. O poema me impulsionou a várias coisas, eu me voltei ao poema. O poema sugere um monte de coisas, e acho que o mais bonito é o movimento de rotação que ele sugere.

Tu cita o filósofo Albert Anton Wilson e a Lógica do Talvez como importantes nesse momento em que tu compôs sou. Ele diz que a crença é a morte do saber… não devemos acreditar em nada?

Hahaha. Não, quem me apresentou o Albert Anton Wilson foi o Nilsão, um amigo meu que não fala em inglês. Eu mostrei para ele um poema meu que dizia “repórteres trabalham em nome de ter certeza/ a certeza trabalha em nome de ter sentido/ só que sentido é só apontar para outra coisa/ e o outro, por sua vez, é o infinito/ se duas coisas dão as mãos,/ não precisa ser verdade/ só bonito”, que é uma parada de um outro filósofo que eu gosto, Emanuel Lévinas, que tem um conceito de alteridade, de que o outro é o infinito. Eu tinha ouvido na época que a percepção da outra pessoa sobre o mundo é o infinito. Aí o Nilson falou “pô, é totalmente Albert Anton Wilson”.Talvez esse negócio da crença que ele fala não seja a crença nos seus próprios mecanismos, não é a crença que você constrói. Muito pelo contrário, a própria Lógica do Talvez tem o exercício de usar a língua sem usar o verbo “ser”, e… até esqueci o que eu ia falar, mas tem muito da coisa de apontar a compreensão para um lugar maior do que a palavra.

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Aproveitando que tu falou em repórteres, que jornalista tu pretendia ser na faculdade? Tu voltaria a estudar jornalismo hoje?

Eu fazia jornalismo para ser zineiro, cara, eu fazia muito zine. Acho que eu provavelmente estudaria outra coisa, já estudei de jornalismo o que me interessava estudar. Eu acho que o papel da universidade é em muita parte cumprido por ela, mas eu tenho dúvida com a idade que se faz a faculdade. Eu mesmo, com 18 anos, acho que foi meio cedo para estudar Marshal McLuhan [importante teórico da comunicação]. Eu não estava muito interessado, estava em outra. Os assuntos foram me interessar agora.Tira carteira, tem namorada, tem muita coisa do coração, da liberdade. O primeiro movimento de expansão para fora de casa. Uma pessoa que gosta de banda, na escola tem dois ou três amigos que também gostam. Na faculdade de comunicação, todo mundo gostava de música. A experiência que você leva de dentro de um campus é 80, 90% de experiências emocionais e afetivas, e 10% é conteúdo acadêmico. É a lei da gostosura, uma coisa é muito mais gostosa que a outra.

Mas o quanto tu achas que o jornalismo tem como se aproximar da arte de uma forma saudável?

Essa discussão é eterna, se a crítica tem um papel ou não. Tem frases históricas engraçadas de tudo que é lado. Como banda eu promovo uma coisa, mas como espectador consumo todas as coisas. Às vezes leio coisas ótimas, que me aguçam a curiosidade e me tomam a atenção pra algo que eu não tinha notado, ou um artista que eu não conhecia, através de associações ou de um elogio muito efusivo. O que eu acho é que com a internet fica cada vez mais claro, as pessoas vão saber ler isso melhor, todo mundo está se educando. Os bons escritores de críticas vão saltar aos olhos. Meu irmão, por exemplo, escreveu o release do disco, e é um crítico de arte impecável. Ele se aproxima do que está observando de um jeito que dá muito orgulho. Então é possível escrever um texto de arte interessante, legal. Assim como tem filmes incríveis sobre bandas, making ofs, jeitos bonitos de se observar uma coisa que vão sempre existir. O cara que senta e faz uma poesia sobre a parada. Agora, isso é talento, dedicação, trabalhar com o coração, não é pra qualquer um. Alguns têm, outros não têm. Outros têm o ego pequeno, precisam inflá-lo. Tem gente que só procura defeito, tem pra tudo que é gosto. Se todo mundo só elogiasse… acho que vai melhorar com o tempo. É difícil ser amparado como são os blogueiros, o cara escreve por que ama aquilo, ninguém tá pagando uma grana, não tem jabá. Eles têm senso ético com a informação.

Tu faz a música pensando em ti, e não num ouvinte final, e por isso as pessoas se identificam?

O ouvinte final sou eu também, não é que eu não pense. Eu penso para caralho no ouvinte, eu toco a música para me deliciar com ela. Não toco para me deliciar tocando, toco para me deliciar ouvindo. Não acredito que ninguém faça uma música comercial, para vender.Todo mundo tenta fazer o seu melhor…

A preocupação de o artista perder o que tinha para vender com a internet foi solucionada com iniciativas como o Sonora?

O artista tem muita coisa para vender, né, sua alma hahahaha. Não, tô brincando. O disco continua vendendo, eu não quero atrasar o progresso, acho que a gente tem que se lambuzar com a internet e aproveitá-la com sua máxima potencialidade, usar de todos os jeitos que pode usar, acelerar o processo de difusão e divulgação de imagem, som, filme. Vai depurando, melhorando, o consumo da informação melhora.

Foto: Camila Mazzini

E como foi a experiência de produzir o disco?

Foi bem tranqüilo, eu já tinha produzido o disco do meu tio Bebeto, tinha uma relação tranqüila com engenheiro de som e de gosto das coisas mesmo, de imaginar uma coisa e partir para gravar, essa parte prática também já não era muito difícil, de marcar um estúdio.

Tu fala bastante em respeitar a natureza das canções. Que tipo de coisas tu fez em momentos mais afoitos que não fez agora?

Talvez esse termo seja meio forte. Eu tentei fazer tudo com o mínimo de força possível. Usei toda a minha energia para resolver coisas práticas e deixei as coisas desse outro campo caminharem pela distração total. E foi bem fácil me guiar, tocava as músicas no violão e pensava “poxa, aqui podia ser assim”; não fiz força de raciocínio para transformar as músicas em algo melhor do que elas são.

As texturas que o Hurtmold imprimiu no disco resultaram diferentes do que tu esperaria?

Não, pelo contrário. Eu nunca tive uma expectativa da música, sempre tive essa percepção de deixar ela livre. Cada vez que você tocar com uma pessoa diferente, a música sai diferente, muda uma tecla do jogo que é a música.As experiências se somam, se acumulam, se expandem.

A melodia de “Janta” é especialmente bonita, como foi a parceria com a Mallu Magalhães? Ela vem tocar em Porto Alegre?

Não, a composição fui só eu, inclusive a parte em inglês.Acho que ela não vai tocar aí. Seria ótimo poder levá-la, mas ela tem uma carreira. Sou muito fã da Mallu, apostaria todas as fichas nela.

Tu tem muitas parcerias com meninas mais novas. O que isso traz para o teu trabalho?

Cara, agora vou cantar no DVD da Ivete. Acho esse negócio de idade meio confuso. Eu me sinto parado no tempo desde que nasci, acho que vou morrer no mesmo lugar que eu estou vendo as coisas. Eu encontro a Clara Sverner, que é uma senhora, encontro a Mallu e pra mim não há nada que nos separe. Não considero essa entidade com a qual nego negocia. Quando existe consonância de vontade, não tem nenhuma distinção para mim. Acho inclusive que eu sinto meu coração mais tocado pelos idosos e jovens, mais do que adultos. Mas essa parada de idade é maior caô.Você encontra cara de 10 que fala como um velho, e cara de 10 que fala como um senhor de 80, bondoso, paciente. Uma pessoa em começo de carreira oferece uma visão distinta da sua, coloca você em outra perspectiva, mas o ponto chave, a luz interior que a pessoa já está ali e vai brilhar assim para sempre.

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