“Ou é sincero ou é sincero, não sei fazer de outro jeito”, diz Mallu Magalhães em entrevista

23/06/2017

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Divulgação

23/06/2017

Pode ter certeza de que não é fácil ser Mallu Magalhães. Consagrada como uma estrela instantânea aos 16 anos, desde o lançamento do seu álbum de estreia, em 2008, ela se depara com o desafio de ser uma artista em movimento, sem ficar atada à imagem indie folk pela qual ficou conhecida no início de sua carreira. Seu disco de 2011, Pitanga, ampliou a dimensão da sua obra ao trazer mais referências da música brasileira e, depois desse álbum, tanto a expectativa quanto a cobrança do público e da crítica pelos seus novos trabalhos só aumentaram.

Seis anos se passaram desde aquele trabalho e, agora, chegou o seu quarto disco de estúdio, o Vem. O disco só veio após Mallu fazer uma longa turnê ao lado de seu marido, Marcelo Camelo, com o projeto Banda do Mar (que, inclusive, foi o segundo vinil lançado pelo NOIZE Record Club, lá em 2014) e uma turnê solo chamada Saudade, no ano passado. O disco novo é o primeiro solo dela após estar morando em Portugal com Camelo e após ter tido uma filha com o músico no fim de 2015, a Luíza.

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Nesse momento, Mallu se prepara para a turnê de lançamento do Vem, que começa no Brasil nos dias 4 e 5 de agosto no Rio de Janeiro e, de lá, vai para Porto Alegre (19/8) e São Paulo (26/8) (mais detalhes aqui). Segundo a cantora, há datas previstas também para Curitiba e Belo Horizonte que devem ser divulgadas em breve. Em setembro e outubro, ela tocará em Portugal e, em novembro e dezembro, voltará para mais uma série de shows no Brasil: “E no ano que vem ainda tem mais, vai ser uma turnê longa”, revela.

O seu próximo lançamento será o clipe de “Será Que Um Dia”, que está bem avançado, mas ainda não tem data para sair. E nem adianta querer ter pressa, Mallu só faz algo quando sente que é a hora certa. Vem, que levou seis anos pra nascer e mostrar a geografia sentimental dela (exposta em músicas como “Culpa do Amor”, “Pelo Telefone”, “São Paulo” e “Guanabara”), é a maior prova disso. Abaixo, a cantora conta como trabalha em prol da saúde, garantindo a privacidade da sua relação com Camelo e se preocupando em construir uma imagem pública sólida. Confiante e segura tal qual uma mãe de família que é, Mallu não desvia do assunto quando abordamos a polêmica que surgiu ao redor do clipe de “Você Não Presta” e garante: “Hoje tenho outra visão sobre essa questão, aprendi mesmo com os argumentos e com o que foi dito”.

Abaixo, está a sua chance de conhecer melhor quem é Mallu:

Como tem sido sido sua rotina desde o lançamento do disco?
Tenho ficado mais pelo Brasil, mas administrando né. Não adianta, ser músico é ser itinerante e, com o lançamento, preciso de uma concentração maior aqui. Mas tô meio a meio.

E sua rotina determina o seu processo criativo?
É curioso você falar sobre isso porque é bem determinante, sim. Ficar longe de casa sempre é muito desafiador, ainda mais com criança pequena, mas tem vantagens também, eu pessoalmente adoro. E eu tiro bastante disso, acho que traz repertório, traz assunto, traz inspiração. Até pelo desafio de você se por em situações que não são confortáveis, isso também é muito inspirador e pode trazer experiências e bagagem pro processo criativo.

Considerando isso, Vem é um álbum que surgiu de quais sentimentos?
Acho que de vários… É um disco muito confiante, né. Diferente do Pitanga, esse é um disco mais pra fora. As inspirações são, como sempre, as inspirações urbanas, as inspirações humanas, as inspirações do mundo. O assunto é o sentimento do mundo e das coisas. Mas é bem variado, cada música tem um universo, conta uma história e tem um conjunto de sentimentos e de sensações. Tem várias músicas mais pra fora, mais eletrificadas, mais assertivas [“São Paulo”, “Você Não Presta”]. E tem músicas contemplativas também, músicas de reflexão, músicas mais tranquilas, mais artísticas e menos dançantes [“Linha Verde”, “Gigi”].

Pouco antes do álbum, você fez uma turnê chamada Saudade. O sentimento da saudade, dos lugares e pessoas queridas, foi relevante na composição do Vem?
Sim, com certeza. A saudade é um sentimento muito intenso que é preciso ser levado em conta e que muda a gente. Muitas obras já foram criadas com o sentimento da saudade, é um sentimento bonito, não necessariamente melancólico.

Esse é o seu disco com mais músicas em português e referências mais explícitas ao samba, especialmente aquele samba pós-tropicalista do Jorge Ben, Nara Leão, aprofundando esse lado seu que já havia ganhado espaço no Pitanga. O fato de você morar em Portugal há uns anos tem a ver com você estar buscando mais suas raízes brasileiras?
Acho que sim. Geralmente, quando a gente se distancia, é muito comum procurar aspectos que nos deem conforto e que reforcem a nossa personalidade e quem a gente é, sabe? É uma busca constante pelas nossas personalidades, a gente tá o tempo inteiro querendo saber quem a gente é, o que a gente virou, o que a gente quer ser. Estando fora do país, é curioso como o lugar de onde você vem, que é o lugar onde você não tá, se mostra importante. É a referência do seu conforto, das suas memórias, é muita coisa envolvida.

E como você tem sentido a resposta do público até agora em relação ao seu novo disco e sua sonoridade atual?
Tem me impressionado como tem sido bem recebido esse disco e como ele está ampliando o alcance do meu trabalho. Acho que está chegando para vários públicos que meus trabalhos anteriores não tinham chegado. Sim, acho que essa coisa de ser em português facilita, ajuda a comunicação aqui no Brasil e talvez desperte o interesse de públicos que não iriam imediatamente ao encontro do meu trabalho. E fico muito feliz de ver como ele tá sendo recebido também pela crítica. Claro, a gente sempre faz o disco pra ser um grande disco independentemente do que digam depois, mas é verdade que, quando as pessoas gostam ou quando ele é bem aceito pela crítica, é muito gratificante, é muito bom.

E como você se sentiu em relação ao debate que surgiu ao redor do clipe de “Você Não Presta”?
Ah, eu fiquei muito triste, né. Claro. Primeiro porque [passar uma imagem racista] nunca foi a minha intenção, como é óbvio, até as próprias pessoas que criticaram falam isso. Mas a discussão não é essa. O que me chateou não foram as pessoas que estavam só repetindo um discurso de ódio sem fundamento. O que mereceu a minha atenção e a minha reflexão e a minha preocupação foram as pessoas que realmente deram argumentos, que estavam se sentindo ofendidas por aspectos palpáveis, por coisas que, pra elas, ficaram muito evidentes e que, pra elas, tinham necessidade de serem discutidas. Acho que criou-se um ambiente de debate interessante e importante porque é uma questão realmente muito delicada, né. E disso eu também sai uma pessoa mais sensível a essa questão do racismo e sai até mais… Como vou dizer? Mais experiente, talvez. Sabe? Hoje em dia eu tomaria cuidados, tomaria atitudes, acho que hoje em dia tenho outra visão sobre essa questão. Aprendi mesmo com os argumentos e com o que foi dito.

Sim, e por mais que seja uma situação desafiadora, é um debate importante.
É difícil, né Ariel, às vezes foge do nosso alcance como… São as feridas dos outros, sabe? Por mais que a gente não queira, às vezes, sem querer, a gente toca em machucados. Acho que temos que ter a humildade de olhar do ponto de vista do próximo.

Ouvindo o disco, parece que cada verso fala de um sentimento seu que é real e íntimo, ao invés de ser uma criação literária imaginada. Mas isso pode ser uma impressão equivocada minha, então lhe pergunto: é possível encarar suas letras sob um ponto de vista autobiográfico ou esse olhar não se aplica?
Sim, acho bem autobiográfico e, às vezes, isso fica bem evidente. Às vezes fica evidente demais, né? (Risos). Isso é uma coisa minha, me sinto à vontade de me expor dessa maneira. Eu me identifico com esse tipo de trabalho, acho que tenho uma vocação pra artista, pra ser uma pessoa pensante e criativa. E, naturalmente, o artista se expôe. Então, não vejo muita saída pra mim: ou é autoral ou é autoral, ou é sincero ou é sincero. Eu não sei fazer de outro jeito. O que sei fazer, e que talvez não seja tão pessoal, é me colocar na pele de outros personagens. Isso às vezes funciona e é interessante. Por exemplo, “Navegador” foi uma música que eu fiz pra um amigo meu. Mas ele não gravou, aí gravei eu. Essas propostas também servem de inspiração, mas geralmente o trabalho é completamente autobiográfico, sim. E acho que é o que é. Pronto! (Risos)

Essa questão da exposição você já comentou em outras entrevistas como é um desafio. E não tem como não ser, né… O público lhe acompanha desde que você tinha 16 anos. Além disso, você vive com outro músico que também é famoso. Isso atrai muita atenção pra figura pública de vocês, além da música em si. Como é esse desafio de lidar com isso?
Ah, com relação ao relacionamento, tentamos proteger ao máximo a nossa intimidade, a nossa família, porque existe um ânimo predatório que é natural e que não é necessariamente negativo, mas que, por seu caráter predatório, pode tirar pedaços. Acho normal e não julgo nem condeno a curiosidade das pessoas. Porque está contida na ideia de personalidade pública a criação de uma personagem. Qualquer pessoa pública vira “o fulano de tal”, sabe? Você cria naturalmente uma personalidade, imediatamente. E essa personagem é que é trabalhada e desenvolvida através da repetição ou das coisas que ela faz. Só que é muito perigoso. Existe muito julgamento, muita opinião em relação ao que a gente faz ou deixa de fazer. Pessoalmente, a gente tenta se proteger, mas, ao mesmo tempo, tenho noção dessa questão de uma vida pública como personagem. Acho que faz parte se expor e eu vejo a exposição como uma oportunidade de disseminar a minha obra, que não acaba na música. Ela é a música, mas, assim como minha música é uma mensagem de como eu vejo o mundo as minhas experiências, as entrevistas, as minhas aparições, as minhas atitudes, também são essa mensagem. Tem muito de a gente ver na exposição também uma oportunidade de produzir cultura.

Você costuma pensar que a sua figura pública pode estar inspirando outras pessoas?
Sim, pra mim é muito gratificante quando alguém fala, “nossa, você me inspira muito, você me ajudou muito”. É um privilégio poder fazer parte da vida das pessoas dessa maneira.

E qual é a personagem que você tem construído? Qual é o objetivo da Mallu enquanto uma jovem cantora brasileira?
Eu não sei quem falou isso, foi em alguma palestra no TED, mas dizia: “Seja quem você precisou quando você era mais novo”. É bem isso que eu tento ser pra todos, pras pessoas mais novas e mais velhas e pras da minha idade e pras que virão, ser tudo que elas precisarem. Se for necessário motivação, que eu dê. Se for necessário compreensão, que eu dê. Se for necessário crítica e irreverência, que eu seja também uma figura irreverente suficiente pra dar coragem. Acho que eu quero ser essa pessoa, eu quero servir de ajuda e de referência pra quem pode precisar.

“Casa Pronta” foi feita pra sua filha Luiza, como a vinda dela lhe provocou que mudanças no campo artístico, seja no ato de compor, de ensaiar, de planejar uma turnê?
Muda tudo, completamente. Mas ao mesmo tempo eu não tô sozinha, né. O Marcelo é um pai super presente, que ajuda, e a gente divide tudo mesmo, desde o questionamento até a prática. Por enquanto, ainda tô aprendendo a administrar. Como ela é muito pequena, eu vou aos poucos porque os erros tem consequências pra criança pequeninha. Eu vou aos pouquinhos, tomando cuidado pra não me afastar demais. Tento planejar as coisas de modo que fique tudo certo pra ela.

Como é trabalhar ao lado do seu companheiro, do pai da sua filha?
Ah, eu adoro. Pra gente é muito bom porque os dois têm profissões itinerantes e, o máximo de tempo que a gente pode estar junto, a gente aproveita. Ainda mais com a Luiza, quanto mais junto a gente pode ficar, melhor. E a gente trabalha bem, são dois profissionais de longa data, nós dois já temos uma experiência. E a gente trabalha com saúde. A gente se dedica muito, se entrega e vai até o fim, mas preserva a saúde do nosso relacionamento e da nossa profissão.

Você sente que a convivência com ele influenciou de alguma forma sua criação?
Sim, acho que influenciou bastante e que eu também influencio ele porque a gente troca muito. E, pra além da influência de referências, ele tem uma presença muito forte no meu trabalho como produtor. Teve o fato de ele ter feito todos os arranjos [do Vem], de ele ter comandado o disco todo. Muito embora seja um trabalho em dupla em que eu estou junto o tempo inteiro e que a gente discuta tudo, ele é muito presente, ele é fundamental.

Reparei na ficha técnica do disco e vi que são praticamente todos homens os músicos que tocam contigo. Como é pra ti ser uma figura feminina cercada de figuras masculinas?
Nem tinha reparado, na verdade. Eu não levo muito em conta não essa coisa de ser homem ou ser mulher, de gênero. Engraçado, isso não é uma questão pra mim. Nunca foi. Eu nunca me senti mais sozinha por ser a única mulher, eu sinceramente nem reparo que eu sou mulher. Nem levo isso em conta. E também, da mesma maneira, com os outros. Se for homem ou se for mulher é indiferente. O importante é fazer som, enfim. Mas seria bom mesmo se tivessem mais musicistas.

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23/06/2017

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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