Nego Joca apresenta “Pré-História: Introdução ao Sonho de Guri Vol. II”

01/05/2020

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Por: Ariel Fagundes

Fotos: Bianca Sabino/Divulgação

01/05/2020

Após oito anos de corre na cena independente do rap, Nego Joca transformou em realidade concreta a ideia que sonhou lá atrás. Em 2012, ele consagrava-se campeão da prestigiada Batalha do Mercado, que acontece no Centro de Porto Alegre, em frente ao Mercado Público da capital gaúcha. Agora, acaba de ser lançado Pré-História: Introdução ao Sonho de Guri Vol. II, o primeiro disco do rapper que chega às plataformas digitais através do selo Lado Sul (ouça abaixo).

Capa de Pré-História: Introdução ao Sonho de Guri Vol. II (Arte: Matheus Santa Cruz)

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No álbum de estreia, Nego Joca dá continuidade ao conceito que havia inaugurado no seu primeiro EP, Pré-História: Introdução ao Sonho de Guri (2016). “Eu criei o conceito no qual sou representado por esse personagem que é o homem pré-histórico”, explica o artista: “Representa a espécie humana dentro do disco, ao mesmo tempo que é uma metáfora sobre mim e sobre todos os mc’s que estão em uma situação de marginalização dentro da cena musica”.

Trazendo a produção musical de Liip Beats e do próprio Nego Joca,
Pré-História: Introdução ao Sonho de Guri Vol. II traz 12 faixas quentes, que ora flertam com o trap, ora com o boom bap raiz, valendo-se de uma pesquisa elegante de samples que vão de Marina Lima a Sade. O disco conta ainda com a participação especial de Black Velto, Vitor Marx, Naggô, Alice Bohrer, Felipe Quadros, Artur Tuts, Miroez, Ariel Freitas e Näja.

Pedimos para o Nego Joca apresentar as 12 músicas do seu disco de estreia em um faixa a faixa exclusivo. Confira abaixo!

Foto: Bianca Sabino/Divulgação

Faixa a faixa – Pré-História: Introdução ao Sonho de Guri Vol. II

01. “Mais um Dia na Pré-História (Intro)”
Eu criei o conceito de “Pré-História” no disco, no qual eu sou representado por esse personagem que é o homem pré-histórico. Ele carrega a espécie, representa a espécie humana dentro do disco, ao mesmo tempo que é uma metáfora sobre mim e sobre todos os mc’s que estão em uma situação de marginalização dentro da cena musical. Gente que tá no rap, como eu, por exemplo, que tô no Sul do país, mas também o mano que tá no Nordeste, o mano que tá na região Norte, sabe? Toda essa galera tá na “Pré-História” porque muito poucos conseguem viver da música, esse privilégio é do “homo sapiens sapiens”, digamos assim, que no caso é a galera do eixo, que evoluiu, que tá numa cena que construiu uma indústria cultural devido a questões culturais, históricas. Então, eles são evoluídos, eles têm ali as ferramentas, estão na “Idade do Metal” enquanto a gente ainda está na “Idade da Pedra”. Esse personagem representa a minha caminhada no rap game. Faz uns 6, 7 anos que construí esse conceito, eu tinha a ideia – otimista – de lançá-lo em três volumes. O primeiro, que era o com mais cara de “debut”, mais inocente, que é o que tá no meu primeiro Pré-História: Introdução ao Sonho de Guri (2016), que são composições de 2013, 2014, quando eu estava mais ingênuo e otimista. Agora, no volume II, já é outro rolê, é de quando eu comecei a sentir mais na pele o que é a cena de verdade, a cena do rap daqui, o mercado, então é um tom mais deprimido, melancólico, estava numa vibe até de largar o rap. Como um hominídeo na sua caminhada, fraco e com fome. 

02. “Quem Será (Intro II)” ft. Felipe Quadros, Alice Bohrer, Naggô
A intro II é uma continuação disso, mas foca mais no rap game, é mais objetivo, dialoga mais com a galera do rap.

03. “Foi Numa Noite Chuvosa” feat. Artur Tuts
O background da música é o seguinte: eu cresci rodeado de gente na minha casa. Morava em um apartamento de dois quartos com minha mãe e minhas duas irmãs, e eu nunca tive um quarto só para mim, o que me incomodava muito pela falta de privacidade;  talvez, por isso, eu sempre gostei muito de ficar sozinho, por mais que fosse quase impossível eu ficar uma noite inteira sozinho em casa. Só que no dia que eu compus essa canção, minha mãe e minhas irmãs saíram e eu fiquei uma madrugada inteira sozinho. Tava chovendo, peguei um vinho, e fiquei olhando para a janela do quarto e tive um momento de paz, comigo e com os meus pensamentos. 

04. “Qualquer Luz” feat. Black Velto
Fala muito sobre o rap game, dialoga com a primeira intro, sobre pensar em parar com o rap, o hominídeo vai morrer, a espécie vai ficar pelo caminho. E é nessa música que eu falo sobre dar meu último gás, que se for para perder, eu vou cair de pé, que por mais que existam frustrações no caminho artístico, o cara tem que ter orgulho do que faz, sabe? E falo do meu contexto: tem muita coisa que interfere por causa da cena daqui, questão de privilégio branco, uma marginalização de dizer que gaúcho não sabe fazer rap, que no Sul só tem branco, tudo isso que invisibiliza a mim e a muitos artistas locais. Aqui, eu reivindico muito o Sul. Muitos artistas daqui agem como se não quisessem se associar ao Sul, parece que eles aceitam essa imagem que os brancos criaram e exportaram sobre como é aqui. Eu quero mudar a imagem do Sul. Aqui também tem preto, quem é do Sul sabe disso, que o Sul faz parte do Brasil, que nem todo mundo comemora Guerra dos Farrapos, que nossa cultura é gaúcha e brasileira também. E eu estou “apagando qualquer luz que me tirar do meu caminho” porque eu não tenho mais tempo a perder. 

05. “Com a Mente em Outra Dimensão, O After Party”
Essa é de 2013, 2014, no aniversário da Tia Cléia, mãe de uma amiga minha da cena do rap e que era super envolvida com a cena também. Encontrei um amigo e saímos da casa dele, do bairro Bom Jesus, a pé, até o Morro da Cruz. A festa começava sexta de noite, dormimos lá, acordamos no sábado, continuamos lá comendo e bebendo, dormimos de novo e, domingo, acordamos e eu voltei pra minha casa no fim da tarde. E foi um dos melhores finais de semanas da vida. E com isso em mente, escrevi “Com a Mente em Outra Dimensão”, que é a “primeira música” dentro dessa track. Um verso, que é “Um brinde aos que não estão mais entre a gente e já cumpriram seu papel, infelizmente” é dedicado a alguns um amigos que perdi: um, que conheci na Batalha do Mercado, que morreu de câncer, outro amigo meu que foi assassinado, e um terceiro mano do rap que se suicidou. São para essas pessoas que eu gostava pra caralho e eu sentia que devia essa homenagem a elas. Mas o clima é sobre lazer, sobre viver ralando de segunda à sexta e ficar pensando no final de semana. Sobre colecionar momentos bons, porque a gente nem sabe quanto tempo ficaremos aqui. Fico feliz de ter compartilhado esses momentos com essas pessoas que já se foram. E, depois, tem o “After Party”, que é o sentimento de que isso nunca acabe, aproveitar isso quando a gente é jovem e tem saúde. 

06 . “I Gave You Love” 
É uma lovesong que escrevi para a única guria que eu digo que já amei na vida. Fiz essa música numa época que tava ressentido por ser rejeitado, é bem dor de cotovelo. No sentido de “te dei o meu amor” e tu tomou, roubou isso de mim. É sobre as dores de uma desilusão que demorei pra superar.

07. “Insensitive (Insensível)”
É como se, por causa dos ressentimentos de “I Gave You Love”, eu adotasse o comportamento de “tá, eu não vou mais me apegar emocionalmente”,  a ponto de não imaginar minha vida sem essa pessoa, já que era isso que eu imaginava que era amor na época. E essa faixa é sobre a instabilidades em relacionamentos, quando chega em um ponto em que a pessoa não consegue mais suportar do jeito que tá, é um “ou vai, ou racha”, que a pessoa te chama de insensível quando, justamente, tu não quer entrar naquela área porque sabe que tu não pode dar o que ela quer. Então, na verdade, tu é muito sensível. 

08. “Neblina” feat. Madyer Fraga, Miroez
Também é uma música na qual eu falo sobre o rap game; o diálogo, logo no início, ilustra o que eu quero dizer com “neblina”. Já faz oito anos que eu tô no rap e indo aos shows, chega a ser doido, mas tu percebe o quanto de grana tem envolvido em tudo isso, ao mesmo tempo que tu não vê nada, porque tu não sabe decodificar toda aquela estrutura, não consegue entender o que precisa pra chegar lá. E também esse dilema de querer ganhar o país, mas perceber que o público do teu local não ouve os rappers locais, consome os do eixo. 

09. “Te Olhando de Longe”
Eu tinha um crush em uma festa da cidade, via ela em várias edições dessa festa, ficava sempre olhando, mas nunca chegava. Então, decidi fazer uma música pra chegar nela, porque eu sentia que não sabia dar a ideia pra ela, sabe? Mas eu não cheguei a cantar nunca pra ela [risos], mas a música a gente nunca põe fora, né? 

10. “Eu Tava Gelado” ft. Naggô, Ariel Freitas, Näja
Ela é uma continuação de “Desce Mais Uma Dose (Bonde da Cirrose)”, do EP, e ela traz uma problemática, mas como se fosse uma música só pra distrair. É algo que eu gosto de fazer, da letra abordar certas questões, mas a sonoridade ter uma pegada mais pra cima. Tenho como referência “Cartão de Visita”, do Criolo [de Convoque seu Buda (2014)]. As pessoas acham que eu tô exaltando a bebida aqui, mas na verdade a proposta é de reflexão mesmo, uma crítica que eu faço e fiz comigo mesmo, pensando em momentos da vida em que exagerei na bebida, ou que exageram à minha volta. 

11. “Meu Mundo Você é Quem Faz”
Essa letra começou a ser composta em 2014, era uma época que eu tava muito numa fase de usar samples de MPB. Eu ia no programa do Virtual Dj mesmo, pegava os samples e loopava, distorcia um pouco o tom ou a velocidade, e ficava ouvindo em casa, brisando. O sample dessa canção eu fiz assim e lembro que já gostei na hora mesmo, até acho que ficou uma vibe vaporwave. Toda a lógica da letra girou em torno da ideia inicial que era a frase “quando ela falou isso pra mim / eu lembrei daquele som assim” para que o refrão fosse do sample mesmo, no trecho “Meu mundo você é quem faz / Música, letra e dança”. Eu fui até o início, quando descrevo a ida pro rolê. Mas, só na hora de gravar a faixa pro disco, nesse ano, que veio a inspiração para a parte do diálogo, que é a reflexão recente sobre os racismos nas relações inter-raciais, a questão do afrocentramento, a questão do homem negro com a mulher branca, a solidão afetiva da mulher negra, a objetificação e estereotipação dos corpos negros. Percebi as várias vezes nas quais eu fui hiperssexualizado e objetificado por mulheres brancas. E essa objetificação do homem negro nem sempre é uma discussão que consegue ir além de quem tá por dentro dos movimentos negros. Até a recusa de sexo com essa menina branca, na música, parece um absurdo, do tipo, “como assim o negão com pauzão não vai querer transar”, sabe. 

12. “Sonhos de Grandeza (CUE MIX)”
É uma das que mais representa o conceito de “Pré-História” e a que mais representa esse volume. Eu posso estar desiludido, desmotivado, mas eu continuo sonhando, sabe? Não tem um dia que eu não sonhe. Desde os sonhos fúteis de fama, do cordão de ouro, do carro, até o sonho de ter minha renda, minha carreira estabelecida, me manter leal a essência do Hip Hop enquanto luta política, ajudar pessoas, a minha família, qualidade de vida.

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01/05/2020

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
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Ariel Fagundes