Fotos: Rafael Rocha
No apartamento que divide com a mulher, a jornalista Gaía Passarelli, e o gato Patê, Chuck Hipolitho, do Vespas Mandarinas, tem um espaço reservado a preciosidades em vinil.
Verdadeiros doces, como o single/EP de “Jump In The Fire”, do primeiro disco do Metallica, “Kill ‘Em All”, que ele gosta de rodar na velocidade errada. “É 45, mas eu rodo em 33. Aí, fica parecendo o Motörhead, cara!” Tem também “Mermaid Avenue”, de Billy Bragg & Wilco, o álbum que ele levaria pra uma ilha deserta. “O único. É maravilhoso, cara.” E tem ainda o EP “True”, de Solange Knowles, que é o melhor som que Chuck diz ter ouvido em vinil. “É a coisa mais foda. Não dá pra entender como isso aconteceu, a profundidade, tem um som que nunca ouvi, transparente, sabe?”, tenta explicar.
Por lá, também é possível encontrar “…Like Clockwork”, do Queens of the Stone Age, que escapou de ir pro Costella, o estúdio de Chuck. “Tudo que é música de homem, de macho, eu levei pro estúdio, porque tem coisa que mina não gosta, mas este ficou, porque é o disco mais sensual deles”, conta. “A Gaía gosta. Ela é meu termômetro, e ela não é musicista. O que realmente importa é o ouvido de quem não é músico.”
Com esta declaração, já entramos em outro assunto: a forma perfeita pra ouvir vinil. Chuck curte o ritual de colocar o disco no prato, se jogar na sala e ficar apenas escutando e olhando a capa, o encarte… “Disco é feito pra ouvir assim. Pode parecer papo de tiozão, mas a molecada tá acostumada a ouvir disco no computador e nem sabe como se conectar à música.”
Também prefere assim porque consegue ouvir com ouvidos de leigo, e não de músico. “Quando a gente senta pra ouvir o disco, a gente abre um pouco a porta pra ser impactado pela massa, e não ficar analisando e remixando o disco na cabeça. A gente fica só levando tapa, que é o mais legal. Muitas vezes, eu tô ouvindo e fico: caralho, o bumbo, mano, olha esse baixo com essa guitarra. O leigo ouve uma coisa só. Eu queria ouvir música sempre desse jeito”, diz Chuck, deixando uma dica pra outros fãs de vinil, turma que, se depender dele, só aumenta.
Nina, que tem 5 anos e é filha de Chuck, já faz parte dela. “Ela sabe pegar o disco, botar na agulha. Ela não sabe dar play em CD. A gente não ouve CD aqui em casa, não. A gente tem, mas não usa. Nina não sabe nem abrir uma caixinha de CD direito. Ela chega aqui, escolhe pela capa, e a gente fica ouvindo música juntos”, conta o pai, orgulhoso, que mostra alguns integrantes ilustres de sua discoteca a seguir.
“25th Anniversary”, The Nerves
“Este é um 10 polegadas, e os 10 polegadas são meu xodó. Conheci o Nerves por causa da versão que o Blondie fez pra “Hanging On The Telephone”, mas a original, que abre este disco, é mais legal. Eles são de Los Angeles, pós-punk, fim dos 70, mas não fizeram parte daquela cena. É mais power pop. É triozão: baixo, batera e guitarra. Não sei se este disco é raro. Comprei em Barcelona, onde ele foi prensado. Só tem 6 músicas.”
N.R.: “25th Anniversary” foi lançado em 2001, pelo selo espanhol Penniman Records, contendo as músicas do EP “The Nerves” e as faixas “Paper Dolls” e “One Way Ticket”
“Kill City”, Iggy Pop & James Williamson
“Ele gravou depois do ‘Raw Power’, antes de começar a fazer os discos com David Bowie. Cara, é foda, é de 77, mesmo ano em que Iggy lançou ‘The Idiot’ e ‘Lust for Life’. É original da época, e é 10 polegadas. Não lembro onde comprei, mas foi fora fora do país.”
“Skate Aranha”, Skate Aranha
“É o xodó da casa. É uma banda de Teresina (PI) e, quando o Fabio Mozine, da Läjä Records, descobriu, já tinha acabado. A única coisa que sobrou foi mix de monitor. Não deu pra mixar o disco. Então, foi lançado com o que sobrou. Perderam as fitas, perderam tudo. Parece Ramones com Anthrax. E a banda acabou, cara! Hoje, virou Bode Preto, mas não sei se tem disco deles em vinil.”
“Get Free”, Major Lazer
“Ganhei do Gorky, do Bonde do Rolê. Fui fazer uma entrevista na casa dele, e ele falou: Ah, o Diplo me mandou uns discos aqui, leva um pra você e um pra Gaía. Aí, eu peguei um pra mim e o outro, dei de presente. ‘Get Free’ é aquela música maravilhosa do Major Lazer com a mina do Dirty Projectors, a Amber. Do outro lado, tem um remix do Bonde do Rolê, que não é tão legal. Ele foi gravado na Jamaica e é numeradinho à mão. Eu queria lançar umas coisas do meu estúdio assim.”
“High Visibility”, The Hellacopters
“Eu tinha todos da banda, praticamente a coleção inteira de 7 polegadas. Eu tinha uns 50. Aí, uma hora, falei assim: não gosto mais dos Hellacopters. Aí, vendi tudo pra um cara do Maranhão, mas sobraram alguns que não tive como vender, e este é um deles.”
N.R.: Clique na foto pra ampliar e repare no desenho feito no próprio vinil.
Vários do Bob Marley
“’Studio One Groups’ foi um disco que ouvi demais. Quando a Nina nasceu, eu botava pra gente ouvir. Ela gostava. Porque nenê chora, né? Daí a música dá uma acalmada. E o reggae então… Este disco é foda. Dá pra você botar na balada e deixar rolar. Quem não se agradar com ele pode ir embora. É muito bom. Cara, eu botava isso aqui, e a Nina ficava tranquila. O ‘Exodus’ é o meu favorito do Bob. Tem o melhor lado B da história. É de 77. Disco maldito, cara. É só pauleira. ‘One Love’, ‘Three Little Birds’… É música de namorar.”
N.R.: O 3º disco da foto é “Uprising”.
“Wilde Style” e “Babylon by Gus Volume 1 – O Ano do Macaco”, Black Alien
“Isto aqui é cabuloso, mano. Corre atrás, que é só rap roots. As músicas são todas ao vivo e foram feitas pro filme. E o do Black Alien foi lançado há pouco pela Polysom.”
N.R.: Dirigido por Charlie Ahearn e lançado em 1983, “Wilde Style” foi o 1º filme de hip hop da história e tem participaçãoo de grandes nomes, como Grandmaster Flash.
“Harvest”, Neil Young
“A história deste aqui é assim. Gaía foi entrevistar o Jack White e trouxe um disco da Third Man, lançado pra comemorar 3 anos da gravadora, que rodava em 3 rotações por minuto. Não dá pra você ouvir o disco. Tem que rodar ele no dedo. É só uma coisa de colecionador. É genial, mas não dá pra ouvir. Aí a gente fez um vídeo tirando uma onda e, no dia seguinte, o vídeo tava no site da Rolling Stone gringa e ficou famoso. Como o disco não foi vendido, foi dado de presente naquele dia, um amigo aqui de São Paulo falou: Ó, coleciono tudo do Jack White, como faz pra ter esse disco aí? Falei: Ó, vou ser sincero, a gente não ouve o disco em casa, mas a gente entende que ele tem um valor, então me oferece alguma coisa da sua coleção que você acha que tem o valor deste disco. Um trato superjusto, né? Daí ele ofereceu esta versão do ‘Harvest’, com o vinil branco, esse encarte… Pensei: O cara valoriza o Jack White. Topei trocar.
Aliás, já ouviu ‘Heart Of Gold’ na versão do Johnny Cash? Foi uma das últimas gravaçoes que ele fez, e a banda é o Red Hot Chili Peppers: Flea no baixo, Frusciante na viola e Chad Smith na batera. Só que eles não tocam igual ao Red Hot. Eles tão ali como músicos de estúdio, gravando uma música com o Johnny Cash, ao vivo. O Frusci, às vezes, dá umas frasezinhas que você percebe que é ele.”
“La Bamba”
“Este foi o primeiro disco que eu tive. Só que este não é o primeiro, porque perdi e comprei outro igual, da mesma ediçao brasileira. Foi o que me apresentou pro rock. Acho que, se não fosse este disco, eu não ia gostar de Ramones.”
“Ramones”, Ramones
“Não tenho tudo de Ramones, porque quando comecei a gostar da banda, já tava entrando a época do CD. Então, não tenho muitos em vinil, mas este é um deles. Sabe que achei um artigo do engenheiro do disco, Rob Freeman, contando como ele foi gravado. Aí, mandei um email pra ele, falando que sou fã do disco, e a gente começou a trocar umas ideias. Ele ainda é engenheiro de som. Se eu boto Ramones, as crianças ficam loucas. Mas do Ramones, eu ainda vou fazer a coleção.”
“Big Apple Rappin’”
“Pra mim, o rap que tem neste disco é igual ao Ramones, o tipo de música, o que ele causa em mim é o mesmo efeito. E é uma música feita quase na mesma época, quando a malícia era outra. Também é de colocar e deixar até o final, sabe?”
“I Am Here” e “Silence Yourself”, Savages
“Estes, vale a pena mostrar. Um vez, no Pitchfork, eu vi um vídeo do Savages. Tava no Youtube, era amador. Mandei pra Gaía, porque achei que ela ia gostar. Ela viu e me disse que achava que era a única coisa da banda que existia. Até tinha um domínio .com.uk, mas só com o embed do vídeo. A gente começou a ficar curioso porque, conforme o tempo foi passando, colocavam mais informações no site. Aí, saiu o EP ‘I Am Here’, com 4 músicas gravadas ao vivo. Depois, saiu o 1º disco das minas, ‘Silence Yourself’. Pra mim, são os 2 melhores lançamentos de 2013.”
“Pequeno Cidadão”, Arnaldo Antunes
“É o primeiro disco da Nina, e eu quero comprar uma vitrolinha pra ela.”
P.S.: Patê, que também é fã de vinil, fez questão de posar pra esta reportagem.