Arnaldo Antunes e Vitor Araújo lançam série “Lágrimas no MAM”

18/09/2024

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Erick Bonder

Por: Erick Bonder

Fotos: Bob Wolfenson/ Divulgação

18/09/2024

O encontro entre o cantor, compositor e poeta paulista Arnaldo Antunes com o pianista pernambucano Vitor Araújo já havia rendido um álbum, Lágrimas no Mar (2021), uma turnê com o mesmo nome e a gravação de um disco ao vivo. Agora, a ocupação artística realizada pela dupla no Museu de Arte Moderna da Bahia, em 2022, acaba de estrear em forma de série Lágrimas no MAM, produzida pelo Canal BIS e disponível na Globoplay.

A produção conta com um grande show, no qual os artistas interpretam o repertório do disco, assim como outros clássicos compostos por Arnaldo e parceiros, como César Mendes (que também participa de um episódio), além de canções de outros artistas, como Dorival Caymmi, Itamar Assumpção e Caetano Veloso.


Ao longo dos cinco episódios, o espectador também pode conferir outras facetas da arte da dupla. Performances de poesia e música experimental realizadas na ocupação, em interação com o incrível prédio do MAM, projetado por Lina Bo Bardi, permeiam o material audiovisual.

Abaixo, confira nossa conversa com Arnaldo e Vitor sobre sua parceria e a série Lágrimas no MAM:

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O encontro musical de vocês resultou em um álbum, uma turnê, uma gravação ao vivo, e agora a série sobre a ocupação. Podem falar sobre esse encontro das linguagens de um com o outro? 

Arnaldo: Quando eu convidei o Vitor para fazer um show de voz e piano, eu não sabia que isso frutificaria tanto, de um jeito tão importante na minha vida e na minha carreira. Foi realmente uma descoberta, não só de afinidades, mas de uma busca por uma linguagem comum que potencializa cada sílaba, cada nota. Como isso foi sensivelmente decantado por nós juntos e como rendeu, não só na descoberta dessa linguagem, mas em uma turnê que já dura quase três anos. Também resultou em um audiovisual, que foi um mergulho na descoberta de outras pontes de conexão entre a gente. É uma felicidade muito grande.

Vitor: Há algo muito bonito em um projeto de um encontro significativo entre dois artistas, como foi o nosso caso. Desde o início, nos entrosamos muito bem musicalmente. Isso acabou gerando algo muito bonito, que é o encontro desses dois universos que, a princípio, parecem tão diferentes. Arnaldo vem da palavra, da canção, do punk, do pop. Eu venho da música instrumental, muitas vezes sem palavras, da música erudita. Do encontro desses dois universos, não surge apenas a riqueza da intersecção entre eles, mas também a criação de novas coisas que não estavam contidas em nenhum dos dois universos. Por exemplo, quando eu tentava vestir as canções que o Arnaldo compôs, dar significado ao que ele estava cantando, com aqueles textos tão simples e profundos ao mesmo tempo – como só ele consegue escrever – e vestir também a voz dele, que é tão específica, com registros que vão do grave aveludado ao grito do rock, isso mudou completamente a minha forma de operar. Ao tentar encontrar soluções para essas músicas, interpretar e criar arranjos, o meu jeito de tocar mudou. Eu descobri coisas novas, novas maneiras de tocar que não conhecia antes. Foi bonito como encontramos a atmosfera do disco, depois desdobramos isso no show. E agora, com a série, esses desdobramentos se expandem ainda mais, trazendo à tona algo que já estava presente desde o nosso primeiro ensaio.


Sobre a ocupação e a série, além do show de vocês, tem outras performances, de poesia e música experimental. Coisas que lembram o John Cage ou a influência da poesia concreta, por exemplo. Então, além desse encontro, acabamos mergulhando no universo particular de cada um e da linguagem que vocês desenvolvem individualmente. Como foi trabalhar essas dimensões?

Arnaldo: Sim, a série mostra outras intersecções que vão além da apresentação de voz e piano. Já no show, o uso do piano pelo Vitor abrange várias coisas diferentes do que se costuma associar ao instrumento, assim como a minha voz não se limita apenas a canções, porque também há poemas. O Vitor criou arranjos no piano para os poemas, e isso já é uma diferença entre o show e o disco, que é mais voltado para as canções. No show, houve essa inclusão dos poemas, então já surgiu um lado experimental que foi crescendo. Na série, isso se expandiu ainda mais. Por exemplo, tem uma parte em que o Vitor me acompanha enquanto eu declamo um poema, usando rádios para captar diferentes frequências. Ele também faz uma peça só com o uso de rádios. Tem uma performance que fizemos naquela escadaria icônica da Lina Bo Bardi, uma espiral maravilhosal. Outro exemplo é uma performance de poesia com sons que o Vitor extraiu de pedais, instrumentos de brinquedo, fole indiano e sua voz, que ele manipula com efeitos. Nesse processo, fomos descobrindo muitas outras coisas que podíamos fazer juntos, indo além do show. O show em si foi muito bem registrado naquele lugar com acústica incrível, a Capela, que tem projeções nos relevos feitos pela Márcia Xavier, que também canta com a gente. As projeções na arquitetura da Capela foram recortadas de um jeito mágico. A série trouxe muita novidade e frescor.

Vitor: Acho que a série aprofunda cada um desses aspectos que já estavam presentes no show e no disco. O experimentalismo e a conexão de cada um de nós com as artes experimentais se destacam. O Arnaldo está inserido no meio dos grandes escritores e poetas brasileiros, tendo convivido com muitos que nos legaram tradições experimentais, como Décio Pignatari e os irmãos Campos. Como você mencionou, o John Cage também é uma influência. Por mais que o disco e o show sejam centrados em música popular, exploramos elementos como rádios de pilha. Caminhamos da canção pop, de piano e voz, até o mais experimental. Isso traz uma riqueza enorme, tanto para a ocupação que fizemos na Bahia quanto para a série em si. 


O disco traz regravações de Itamar Assumpção e Caetano Veloso. Já a série conta com a participação de César Mendes e Márcia Xavier. Vocês podem falar sobre a escolha dessas colaborações? 

Arnaldo: O César Mendes é um compositor muito presente nesse show. Ele está em várias músicas, inclusive em algumas que tocamos em outros espaços do museu. O César representa a Bahia de uma forma muito especial, tanto na musicalidade, quanto na pessoa dele. Os meus filhos [Celeste, Brás e Tomé] também participaram, porque, quando eram pequenos, passamos alguns meses na Bahia no verão, e eu sempre ninava eles com músicas do Caymmi. Isso foi algo que quis trazer para a série, já que estávamos gravando à beira-mar. Então, convidei meus filhos, o César e a Márcia, que já nos acompanha no show desde a concepção visual até nas músicas que canta comigo. Quanto às músicas de outros autores, nós temos no repertório canções que amamos. As músicas que escolhemos foram muito importantes, tanto pelo contexto em que estávamos vivendo na época da gravação, quanto por serem paixões genuínas nossas — a obra do Itamar, do Caetano, do Caymmi. Além disso, tem a questão dos arranjos que o Vitor fez, como no “Fim de Festa”, do Itamar, em que ele criou um arranjo no piano que parece ter vários instrumentos, mas é tudo no piano, usando pedais que dobram o som. Já em “Como Dois e Dois”, do Caetano, eu já havia gravado coisas dele antes, mas, nesse caso, a música parecia traduzir muito bem o período em que estávamos vivendo — o governo Bolsonaro, a pandemia, e tudo o que antecedeu a produção do disco. Tive a ideia de pedir para o Vitor criar sons de explosões, tiros, helicópteros, todos usando o piano. Ele fez isso de forma brilhante. 

Vitor: A participação do César na série é maravilhosa. Desde os primeiros ensaios, eu e Arnaldo tivemos uma facilidade enorme em chegar a arranjos muito bonitos de piano e voz, especialmente para as músicas do César. Às vezes, já na primeira tocada, era algo lindo e emocionante. No “Lágrimas no Mar”, abrimos o disco com uma música composta pelo César e letra do Arnaldo, chamada “Enquanto Passa Outro Verão”, que é belíssima. A série também aborda isso, sobre como gravar na Bahia foi significativo, porque o César é um compositor que esteve muito presente no nosso projeto de piano e voz. Ele está ali, entre Recife e São Paulo, em um lugar entre eu e Arnaldo. E as músicas que gravamos de outros compositores também têm essa característica de serem versões muito próprias, muito singulares, e o público responde de forma incrível a elas. 


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18/09/2024

Erick Bonder

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