Pela fixação por narrativas sonoras, o multi-instrumentista e produtor musical e audiovisual Guto Pereira foi fisgado pelo mundo da música eletrônica. Assim, ele dá origem ao Tha_guts. No projeto, um universo de colagens, samplers e loopers servem de ferramentas para a desconstrução sonora experimentada pelo artista. Do choque à fusão, surgem histórias, mergulhos e costuras entre o som, espaço e tempo.
Longe de rótulos que engessam e fomentador do hibridismo, Tha_guts já ostenta na carreira o disco Plastic Noise (2018). No último dia 13, lançou o EP Mirror pelo selo Gop Tun. O novo trabalho dialoga com o disco, mas apresenta um universo voltado para a pista: “Pautando diferentes narrativas e voltado para dentro, tal como um espelho, cada faixa ocupa um espaço único organizadas como uma narrativa homogênea”, explica Guto.
Aqui, o artista explora o universo de cada música num faixa a faixa que vai fazer você mergulhar em Mirror. Dê play no álbum, caia de cabeça e confira:
FAIXA A FAIXA
01. IBM
Ironicamente a primeira composição do EP, mas última a tomar forma. As duas principais narrativas da track vem de um discurso de 1937 do então presidente da [empresa] IBM, Thomas Watson, e de um anúncio de 1984 do primeiro [computador] Macintosh. É incrível perceber como esses discursos previram a nossa atual relação com a comunicação. Sendo a comunicação a base de toda a história da humanidade, não só da música, acredito que mudamos muito as ferramentas ao longo dos anos, mas não o objetivo. No fim, as relações humanas ainda são baseadas em comunicar-se e acredito que, no fundo, essa faixa se trate principalmente disso.
02. Chocolate Jazz
É basicamente dividida em duas partes: um refrão explosivo e uma narração do poema “Uivo” do Allen Ginsberg. Inicialmente pareciam duas tracks separadas que compartilhavam do mesmo clima, tonalidade e BPM, mas na estruturação e mixagem, a ideia de contrapor esses dois momentos distintos deu forma à composição. As experimentações e improvisos do jazz, acabaram se tornando o diferencial nas quebras de expectativa que somadas às texturas e à cozinha simples e swingada, encorparam a faixa.
03. Amasônico
Todos os samples que transitam na introdução servem como um meio de criar uma atmosfera de inquietação incômoda. Os elementos de lugares conflituosos acabam se resignificando em um espaço comum, nesse caso, as narrativas e os riffs de cumbia em meio a um ambiente nada convencional. No Brasil, ainda existe muita timidez em aceitar essa diversidade e miscigenação cultural, nosso pertencimento enquanto latino-americano e essa natureza como nossa. Esse é a ponto central da track.
04. Ross
O nome que dá título à faixa acabou se tornando a lembrança do que a faixa era, inicialmente composta com um andamento mais leve, e não o seu resultado final. Surgiu de uma fala do personagem Ross da série “Friends” (“My work as wordless sound poems”), que se contrapõem de forma irônica com o corpo da música, denso e swingado, repleto de samples de “Papa Was a Rolling Stone” dos Temptations. Como o ponto mais pesado do EP, vejo como uma quebra no andamento que prepara o ouvinte para uma última track mais dançante.
05. Mirror
Depois que o esqueleto da track estava decidido e organizado, ainda faltava um sentido no que diz respeito à mensagem. Uma composição com um clima pista que pudesse abraçar inúmeros samples em uma só proposta de narrativa. “Watch the Mirror”, a interpretação do espelho como o reflexo que desejamos enxergar e não como aquilo que vemos. A ideia da pista, da dança, da liberdade, de dentro do espelho enxergamos nós mesmos em uma imagem bela e utópica e então a frase “Ok, that’s fucking cool, let’s start over”. Um meio de chegar ao final de um modo mais suave e dançante com uma mensagem sobre -em momentos tão difíceis- enxergar o melhor em nós mesmos.