Foi no 30º Serralves em Festa a primeira apresentação da Mc Carol no Porto e em Portugal. Minha primeira vez no show da funkeira de Niterói e minha segunda vez no evento. Depois de presenciar uma debandada do público em choque durante a performance da Linn da Quebrada na edição do festival de 2018, fiquei curiosa sobre como o público reagiria esse ano com a presença da MC Carol.
Serralves em Festa é um festival anual que reúne música, artes visuais, teatro, performance e dança, tudo isso em 50 horas de programação ininterrupta e sem custos que acontece nos jardins do parque junto ao Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Para minha surpresa, ao chegar ao local do show, deparei-me com o espaço lotado. A quantidade opressiva de comentários depreciativos que havia lido nas redes sociais de Serralves me fez acreditar que não haveria grande interesse no show, por isso estar ali era mais do que visitar um festival, era um ato político pela diversidade. Preciso dizer que foi uma surpresa feliz, éramos muitos esperando pela Mc Carol que chegou com toda bondade de uma bandida ocupando o palco alterando a atmosfera do evento. Já não havia calor nem frio, só adrenalina. Carol começou com “Não foi Cabral”, deixando claro que estamos tentando reescrever nossa história. A partir desse momento, todo brasileiro na plateia já havia se identificado como tal. Eu que achava que já não tinha energia nenhuma depois das mais de doze horas em que estava em Serralves, fiz questão de me infiltrar no meio do público para fotografar.
É muito comum no Porto haver uma diferença marcante entre a quantidade de mulheres e homens na plateia. O público masculino costuma ser maior em número, mas ontem houve qualquer coisa de diferente. O refrão “meu namorado é mó otário, ele lava minhas calcinha” foi entoado como hino pelas mulheres. As caretas dos homens que pareciam escutar a música pela primeira vez eram engraçadas, não assustaram ninguém e não impediram que todos seguissem dançando.
Na frente do palco, colados na grade, como sempre, estávamos nós, os brasileiros, fazendo a festa. Foi de lá que vi a Mc Carol repetir a Nina Simone e a sua liberdade de fish in the sea e que encarei todo o profissionalismo e potência dessa mulher que reverbera uma realidade que provavelmente ninguém naquele público já viveu e com que poucos ali conseguem se relacionar.
A verdade é que o show poderia não ter acontecido, pois Mc Carol está de luto. Na semana que passou, um amigo próximo faleceu depois de levar um tiro nas costas, vítima da presença policial na comunidade que vivia em Niterói. A funkeira o homenageou ao encerrar o espetáculo sem hesitação.
O show não parou.
O público permaneceu.
Dançamos.
O palco segue firme como um lugar de revolução.