Foto do topo: Leonardo Mascaro
A primeira vez que ouvi Antes que tu conte outra, no final do ano passado, fiquei impressionado. O álbum já começava certo, com os ruídos e a cacofonia de “Mordido”, como se quisesse avisar “galere, seguinte: a parada vai ser mais cerebral, belê?”, com construções musicais mais elaboradas e letras mais densas. E isso acontece um pouco. Mas o clima fofo e melancólico que já pautava o álbum homônimo de 2010 permaneceu e aprimorou-se. Foi facilmente um dos cinco melhores álbuns que ouvi no ano passado; talvez um dos melhores nacionais que ouvi nos últimos anos. Por isso a expectativa para ver um show deles era alta, o que é um tremendo perigo, diga-se de passagem. (Aquela história de tombo do cavalo, quanto maior a expectativa maior a queda e outras frases de galera machucada no Facebook saltavam a minha mente). Ainda não tinha conseguido ir em outras apresentações deles sempre por motivos bizarros que não vou lembrar de cabeça, então vou inventar: fui preso, estava garimpando ouro, tinha bebido volume morto demais etc.
Antes de chegar ao Sesc Pompéia, andava apreensivo: véspera de eleição, ânimos acirrados, toda aquela coisa. Tinha batido um papo maravilhoso com José, um taxista que estava me contando sobre os motivos que justificaram seu voto para presidente: como a cidade que ele nasceu, Caruaru, estava mais próspera, com faculdade para pessoas que antes não tinham direito nenhum ao ensino superior, de como sua tia agora tinha geladeira e fogão e não tinha mais vergonha de convidá-lo a visitar sua casa, essas outras coisas. Como ele me contou chorando esses relatos todos e sou um pouco manteiga derretida, confesso que já entrei para o show mais à flor da pele do que de costume. (Fim do momento partidário.) Seria uma noite daquelas que Claudio Zoli cantou em “Noites de prazer”? (Grande música, não é mesmo?) Depois de ter mandado ver num X-Salada com fritas e refrigerante por menos de quinze reais (obg, Sesc <3) e tentado dar, sem sucesso algum, o restante das fritas para alguém que estivesse com fome, fui ali pra Chopperia esperar o começo do show. Dentro da Chopperia estava abafado pra cacete, com uma fumaceira lembrando festas de quinze anos, sem explicação nenhuma a não ser uma provável crise hídrica por completa incompetência de nossa gestão estadual (desculpem, parei). Mas, mesmo assim, estava um ambiente bem legal. Dava para ver nos rostos e olhos de todo mundo uma certa euforia adormecida, aguardando o show para poder entrar numa pequena catarse coletiva e individual, cada um sentindo sua música favorita sozinho e, ao mesmo tempo, vibrando com as favoritas dos outros. O clima era bom.
Quando a banda entrou, a catarse começou a tomar forma. Gritos e urros de alegria, aplausos, expectativa alta começando a mostrar que ela não será só alcançada como superada, pois a plateia faz tanto um show quanto a banda. A banda já começou o show com “Não se precipite”, a entrada rapidinha e aquele clima meio indie-querendo-reconciliar-um-romance tão gostoso da música. A primeira impressão de uma música deles ao vivo mostrou uma banda e tanto: instrumentalmente impecável, com uma ótima presença de palco, vídeos e luzes bem arrumadinhos e a voz de Alexandre Kumpinski tão boa quanto é no álbum, cristalina, segurando tudo muito bem.
Depois de “Não se precipite” veio “Mordido”. Que momento! Na minha opinião a música mais poderosa do último álbum. No show, ela veio com vídeos de protestos, criando, por quatro minutos, um clima mais sombrio. “Mordido” ao vivo é aquela música que tem potencial para encerrar um show, de fazer a banda tocar, se despedir sem nem cumprimentar a plateia, deixando todos atônitos ali com o que acabaram de ver. É uma grande música que aumenta seu poder de revolta ao vivo. Coisa fina demais.
Após “Mordido”, veio “Vitta, Ian, Casales”, com todo o seu clima fofinho (embora eu ache uma música bem triste, muito por conta do final, que parece dar uma rasteira em tudo que tinha sido construído na letra até então. Mas posso estar superanalisando a música, vai saber, melhor parar com as digressões), e duas músicas de outros álbuns: “Salão de festas” e “Na ponta dos pés”. Estava tudo tão certo que, a essa altura, a plateia já tinha sido anestesiada e todas as músicas que viessem seriam aplaudidas e cantadas de cabo a rabo. Mas a banda tinha lá suas cartas na manga para levantar ainda mais o astral do show. E elas passam pelos instrumentos utilizados pela banda, toda a “percussão sucata”.
Quando veio “Um rei e o Zé”, com a roda de bicicleta, a plateia delirou, mas foi em “Nado” que o momento mágico do show aconteceu. Subiram umas quinze pessoas no palco, cada um com um instrumento na mão, tocando no seu próprio tempo o que quisesse. Uma criança de uns oito anos (ou cinco ou sete ou doze, tenho dificuldades, confesso), com camiseta do Velvet Underground, tocava um penico na maior alegria do mundo. Era aniversário dela e já tinham cantado o parabéns no palco. Imagina a alegria da menina. Tirei até uma foto para tentar captar o sorrisão dela que transbordava o Sesc inteiro, mas não consegui tão bem.
O resto do show continuou sendo incrível. Depois de “Nado” veio “Paraquedas”, “Despirocar” e “Torcicolo”, antes da banda sair para voltar e tocar “Maria Augusta” e “Prédio”? (Agora não lembro direito, mas acho que é isso.) De qualquer forma, a experiência do show foi completa e todas as expectativas, superadas. Isso é raro, ainda mais quando o sarrafo que eu tinha colocado era tão alto. Dá para sentir que o Apanhador Só está caminhando a passos largos para ser uma das bandas mais representativas dessa nova geração. Como um amigo meu me disse no show “existe um gargalo gigantesco entre a maior banda pequena do Brasil e a menor banda mainstream do país. O Apanhador Só poderia muito preencher esse espaço.” Já concordava sem nunca ter ouvido isso (projeto “é estranho sentir saudades daquilo que eu mal vivi ou evitava viver”). E depois do show, concordo ainda mais. Saí muito feliz do show, sem nem imaginar como o domingo seria incrível.