É preciso inverter a ordem mundial. Até porque o mundo dá voltas, não é mesmo? E eu, que lá nos primórdios dos anos 2000, lááá no interior do RS, cantava em uma banda cover de rock, composta por 4 meninas, e que há uns 4 anos me despedia da vaga de estágio como redatora dessa mesmíssima revista, aqui estou. De volta. Só por uma noite. Embora já sejam mais de 4 em que durmo agitada, pensando em como seria presenciar e escrever sobre o show dessa banda de 4 garotas que vêm embalando meus sonhos despertos. E se eu tivesse ouvido “Undertow” em 1999? Ainda estaria no palco? Teria composto minhas próprias canções? Prefiro acreditar que sim. Que as Warpaint podem inverter a ordem mundial. Que eu não estaria só discotecando meus rocks favoritos, mas criando melodias.
Sobre quando Warpaint nos levou pela mão
4 de fevereiro de 2017. Segunda noite de show do quarteto. A chuva deu trégua e o dia se despediu em amarelo, laranja e rosa no céu. Do terraço do Museu de Arte Contemporânea se perdia a noção dos limites de São Paulo, um fundo infinito para o palco, enquanto a brisa acalmava o verão.
Às 20h35 um grupo de mais ou menos 10 fãs colaram na grade, assim como eu. E lá ficamos, até começar. Seria a única chance de vê-las de pertinho, acompanhar seus olhares. O palco era praticamente na altura do chão, e, apesar de ter sido um show super intimista para cerca de 500 pessoas, na segunda fileira já se perdia algo mágico de um fluxo (hipnotizante). Algo que começava pelos pés, dançava pela coluna e transbordava pela voz e instrumentos de cada uma.
Às 22:10 o ritual começava. “Bees”, do álbum debut de 2010, The Fool, foi a escolhida. Paulada. O transe seguiu com “Intro” e “Keep It Healthy” – faixas que abrem o segundo e homônimo disco. Na sequência, Theresa Wayman anunciava uma nova canção e o transe seguia com a faixa-título do terceiro registro de estúdio, pérola de 2016, Heads Up. Pra completar, “Krimson”, do EP lançado em 2009. Uma pequena biografia dos quase 12 anos – de convivência – da banda californiana.
O tempo deu aquela leve suspendida, e o povo, que acompanhava vidrado a concentração e deleite das garotas no palco, soltou o gogó: era “Whiteout” rompendo a bolha do terraço. Emily Kokal ficava gigante, se comunicava com público tomada pelo que fazia. Era diversão. Ou o famoso “aqui e agora”.
“No Way Out”, single de 2015 também entrou na lista e, socorro, é impressionante como tudo soa muito bem e muito vivo – ao vivo. Elas estavam lá. Somente lá. Ou em algum lugar do espaço a sós com suas melodias. Ainda assim, lá. Jenny Lee Lindberg e seu baixo dançaram a noite toda de olhos fechados, sentindo cada nota. Stella Mozgawa brincava com as baquetas, vivia cada som, comia mundos com a bateria. Emillly soava ainda mais especial, cortante. Alguém gritou ˜Marry me!˜. Theresa respondeu, sem surpresa, pero levemente irônica: “Merry…. chrissssstmas ha ha ha haaaaa … I’m soooo funny”. Ela é magnética, mistério fazendo amor com a guitarra.
O baile chegava ao meio. A galope. “The Stall” e a aclamada “Elephants” aumentavam o beat da noite. Muitas camadas de Warpaint, a textura dos anos, uma atmosfera que é só delas, uma viagem entre 2016 e 2009. “Love is To Die” também um capítulo à parte – como é possível sentir um cadinho no vídeo abaixo, quando Theresa largou a guitarra e com os braços encantou o ar. Em algum momento ela sugeriu que alguém as trouxesse de volta ao Brasil em breve. Yes, please!
Eu me perguntava como seria “New Song” ao vivo. Heads Up foi criado ~sem limites~ no estúdio, segundo a banda, em tantas entrevistas que lemos desde então. Como isso se resolveria no palco era outro papo. Mas tava tudo lá. Potente e encantador. Profundo, afiado e afinado como as trocas entre elas durante o show. Tava tudo ali. A nova ordem mundial também. Discreta e absolutamente necessária. Arrisco dizer que o público cantava junto essa possibilidade, entre um arrepio e outro.
“Disco//very” foi delírio para encerrar. De repente estávamos com elas no videoclipe, descendo a ladeira em câmera lenta, gostando de ser quem se é, de estar onde se está.
E aí acordamos. A luz acendeu. Não tocaram “So Good” como prometido no setlist que consegui para enquadrar. Tudo bem.
E já que estamos (ao menos me sinto) em casa, não deixaria de citar a rainha da porra toda, Cris Lisbôa, amada chefa aqui da Noize nos ~meus tempos de redação, que já disse: “Algumas pessoas puxam a tua mão quando dão esse passo para o lado. E então, nada é mais como antes, hoje, amanhã e sempre. Amém”. Esse passo é como aquele que a gente dá pro lado numa festa (ou num show) pra olhar por cima do ombro do outro e tudo muda completamente – um abraço em “Mas naquele tempo eu não sabia”, do livro ‘Nunca fui a garota papo firme que o Roberto falou’. Naquele tempo, quase ninguém sabia. Muito menos eu.
Então soltaram a minha mão. Mas às 23:10 eu já estava em outro lugar. Estávamos. Então tive certeza: algo mudou aqui, agora e pra sempre. Amém, Cris.
Warpaint já havia passado pelo Brasil em 2011, em formato semelhante, mas “exclusivo para convidados”, em SP. No caso das duas apresentações no Art of Heineken, nos dias 3 e 4 de fevereiro, foi aquele lance: guerra dos ingressos uma semana antes dos shows, muito fã ficou de fora, claro. É preciso superar: Warpaint já foi, mas deve voltar. Até março muita coisa vai rolar pelo MAC dentro desse projeto de ~ocupação, então vale ficar de olho.