Realizada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro na última quarta-feira (12), a 31ª edição do Prêmio da Música Brasileira celebrou a vida e a obra de Tim Maia, além de premiar cantores, compositores, produtores e musicistas que se destacaram no mercado fonográfico ano de 2023. Com 11 atrações musicais, o encontro entre artistas interpretando o repertório do “Síndico da MPB” foi o grande destaque da premiação.
A apresentação ficou a cargo de Regina Casé, que introduziu as premiações e os números musicais a partir de roteiro assinado por Zélia Duncan e Douglas Vieira. “O Tim Maia era a revolução. Ele era o imprevisível com duas pernas e duas pregas vocais com um poder como nunca se ouviu. A sua musicalidade não tinha limites e o seu universo como cantor e compositor chacoalharam a música brasileira”, introduziu a mestre de cerimônias.
O texto incluiu passagens pela infância de Tim Maia, o período em que viveu nos Estados Unidos, a fase Racional, seu encontro com Jorge Ben, Roberto e Erasmo Carlos na juventude tijucana, as palavras e gírias que o cantor inventava, e, de forma mais branda, seus hábitos alimentares e consumo de drogas.
Finalizando o evento, Regina sentenciou: “Nunca mais fomos nós mesmos, nem como profissionais da música, nem como ouvintes. A revolução Tim Maia foi e é uma revolução de comportamento, porque ela quer te ver sorrindo, quer te ver cantando, quer te ver na melhor festa da sua vida. E eu garanto que na melhor festa da sua vida sempre vai rolar Tim Maia”.
Com cenário de Gringo Cardia, direção de arte de Luisa Annik e luz de Césio Lima, a premiação foi ilustrada por obras de artistas periféricos, entre eles Jota Explícito, Hebert Amorim, Emerson Rocha, e fotografias de Vincent Rosenblatt, que representeram a negritude e a vida na periferia, incluindo imagens de bailes.
Os bailarinos também tiveram importância estética fundamental na noite, com seus integrantes vestidos em roupas coloridas e apresentando diversos motivos que reverenciam o cotidiano carioca, entre eles: entregadores de aplicativo, camelôs, banhistas e compradores de DVDs e CDs usados. Na entrega do prêmio da categoria MPB, o grupo Favela Brass fez uma breve apresentação, executando trechos de “Descobridor dos Sete Mares”.
Em momento que se mostrou deslocado no roteiro, o cantor Xamã entrou no palco em ensaiada “invasão”, com intuito de promover o resgate da bandeira nacional e de suas cores, além de pedir união do povo brasileiro: “A música não pede licença. Parece que a gente esqueceu de torcer para o Brasil, de valorizar a nossa camisa. Há quanto tempo a gente não canta uma música para a nossa seleção? Quais são as palavras e as atitudes que vão abrir as portas para o respeito, para a gentileza e para a boa convivência de geral? Eu não vejo a hora de conhecer essa música e essa iniciativa”.
Quem também participou do evento foi a Ministra da Cultura Margareth Menezes que fez discurso em tom de agradecimento e celebrou o homenageado da noite:“Quem tem um síndico como Tim Maia não tem medo de nada! Vamos pra frente!”
Apresentações musicais
Com direção musical de Pretinho da Serrinha, os shows foram o grande brilho da noite, tendo espaço de destaque ainda maior que a entrega dos prêmios. Com banda formada por Alberto Continentino (contrabaixo), Gustavo Pereira (guitarra, bandolim e violão), Luiz Otávio (teclado), Caio Oica (bateria), Oswaldo Lessa (saxofone), Antônio Neves (trombone), Diogo Gomes e Eduardo Santana (trompetes), e Vanderlei Silva nas percussões, junto do diretor, os arranjos buscaram muitas referências nas gravações originais de Tim Maia, ainda que soassem com frescor contemporâneo e execução primorosa. Aos músicos, somou-se o talento de diversos artistas em números que incluíram solos e apresentações conjuntas.
Tony Tornado protagonizou o momento de maior destaque entre as apresentações. Ao se unir a Sandra Sá, Negra Li e Sued Nunes, após o trio apresentar as canções “Vale Tudo” e “Você e Eu, Eu e Você (Juntinhos)”, o artista fez número memorável interpretando “Sossego” e bradando discurso anti-racista, encerrando a apresentação com o quarteto de cantores com o punho levantado, em referência ao gesto símbolo dos Panteras Negras.
A pedido de Regina Casé, o cantor de 94 anos interpretou de forma emocionante sua canção “BR-3”, ícone dos festivais da década de 1970 que não estava presente no roteiro, e foi tocada ao piano por Luiz Otávio e contou com coro das cantoras.
Com a maestria de Jaques Morelenbaum, Silva e Zélia Duncan protagonizaram um belíssimo dueto cantando a música “Um Dia de Domingo”, eternizada na gravação que uniu Tim Maia e Gal Costa. Tocando piano elétrico, o cantor capixaba interpretou a primeira parte da canção, enquanto a cantora assumiu os graves da segunda parte.
Outro destaque foi a apresentação das canções da fase Racional. Juntas, Melly e Rachel Reis interpretaram “Que Beleza”. Completando o trio, Iza subiu ao palco para cantar “Bom Senso”, substituindo Seu Jorge, que havia sido anunciado na programação, porém não compareceu. A voz doce das cantoras em contraste com o toque pesado da banda produziu um número de grandiosa potência.
Vale também destacar a dramaticidade de Cyda Moreira ao interpretar “Me Dê Motivo” ao lado de Rico Dalasam, a interpretação belíssima de Marisa Monte de “Você”, único número solo da noite, adornado pela guitarra de Dadi Carvalho, e o dueto de Simone e Ney Matogrosso em “Azul da Cor do Mar” e “Primavera”, encontro de duas das mais elegantes vozes da MPB.
A premiação
Com mais de 12 mil inscritos e 88 indicados de 18 estados, o 31º PMB premiou artistas de em 32 categorias. A entrega dos troféus, modelados no formato da planta vitória régia, que batiza a banda que acompanhava Tim Maia, foi feita de forma um tanto apressada, sem espaço para qualquer pronunciamento dos vencedores, o que tornou esse momento da noite menos interessante. No telão, o Prêmio fez questão de citar também o nome dos produtores das obras indicadas.
Destacaram-se na premiação a cantora Lia de Itamaracá, vencedora da categoria Música Regional – Lançamento, sendo ovacionada pela plateia. O grupo Choro Na Rua (Música Regional – Revelação e Música Instrumental – Grupo) , o músico Armandinho Macedo (Música Instrumental – Solista e Lançamento) e os cantores Jards Macalé (MPB – Lançamento e Melhor Canção) e Xande de Pilares (Samba – Intérprete e Lançamento) foram os mais premiados da noite, recebendo cada um dois prêmios.
Em parceria com a UBC, o PMB estreou em 2024 a categoria especial Prêmio do Músico Brasileiro, celebrando os instrumentistas que fazem a música brasileira acontecer. Em discurso, Regina Casé afirmou: “Precisamos garantir aos músicos respeito, remuneração justa, reconhecimento, ou seja, ficha técnica. Tá na hora de cair a ficha do digital e deixar o público saber quem está tocando em cada música. Quem toca transforma e entrega o que a gente está ouvindo”.
Jaques Morelenbaum recebeu o primeiro troféu da nova categoria, sendo homenageado por seus 50 anos de carreira e contribuição para a obra de alguns dos maiores nomes da música brasileira, como Caetano Veloso, Egberto Gismonti, Gal Costa e Tom Jobim. Em breve fala, o músico dedicou o prêmio ao grupo com A Barca do Sol, com quem fez sua estreia no mercado fonográfico, e a todos os músicos com quem tocou durante sua trajetória.
Confira os vencedores do 31º Prêmio da Música Brasileira:
Categoria Samba
Grupo – Revelação
Intérprete – Xande de Pilares
Lançamento – Xande de Pilares: Xande Canta Caetano (Produção: Pretinho da Serrinha)
Categoria Pop/Rock
Grupo – Mombojó
Intérprete – Marisa Monte
Lançamento – Ana Frango Elétrico: Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua (Produção: Ana Frango Elétrico)
Música Regional
Dupla – Lourenço & Lourival
Grupo – Falamansa
Intérprete – Alceu Valença
Lançamento – Lia de Itamaracá: Dorme Pretinho (Produção: Pupillo)
Canção Popular & Sertanejo
Dupla – Maiara & Maraísa
Grupo – É O Tchan!
Intérprete – Gabriel Sater
Intérprete Sertanejo – Roberta Miranda
Lançamento Canção Popular – João Gomes: Raiz (Produção: Top Eventos)
Lançamento Sertanejo – Ana Castela: Boiadeira Internacional Ao Vivo (Produção: Eduardo Godoy)
MPB
Grupo – Boca Livre
Intérprete – Rosa Passos
Lançamento – Jards Macalé: Coração Bifurcado (Produção: Jards Macalé e Romulo Fróes)
Melhor Canção – Jards Macalé: Mistérios do Nosso Amor (Intérpretes: Jards Macalé e Maria Bethânia; Compositores: Jards Macalé e Ronaldo Bastos)
Música Urbana
Grupo – Àttooxxá
Intérprete – Iza
Lançamento – Jorge Aragão e Djonga: Respeita (Produção: Kevin e Jorge Aragão)
Música Instrumental
Grupo – Choro Na Rua
Solista – Armandinho Macedo
Lançamento – Yamandu Costa e Armandinho Macedo: Encontro das Águas (Produção: Yamandu Costa e João Falcão Neto)
Projeto Audiovisual – Martinho Da Vila e Chico César: Acender as Velas (Direção: Philippe Rios)
Revelação – Choro na Rua
Categorias Especiais
Prêmio do Músico Brasileiro – Jaques Morelenbaum
Lançamento Eletrônico – Urias: Her Mind (Produção: Maffalda e Brabo)
Lançamento em Língua Estrangeira – Anitta: Funk Generation: A Favela Love Story (Produção: Brabo, Decz, Diplo, DJ Gabriel do Borel, Márcio Arantes e Ilya)
Lançamento Erudito – Orquestra Sinfônica Do Estado De São Paulo: Sinfonia dos Orixás & Pequenos Funerais Cantantes (Produção: Ulrich Schneider)
Projeto Especial – João Gilberto: Relicário (Ao Vivo no Sesc 1998) (Produção: Sesc São Paulo)
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