A música escandinava sempre me fascinou demais. Nos últimos 40 anos fomos presenteados com pérolas atrás de pérolas, o mais puro creme do pop, rock e metal: Abba com suas músicas simplesmente maravilhosas (poderia passar um dia escrevendo sobre meu amor pelo Abba e de como o horroroso filme Mamma Mia! é um de meus favoritos de todos os tempos); Roxette e suas canções que arrebatam o coração; The Cardigans sendo a única banda que conseguiu emplacar dois one hit wonder; The Hives e a maior disposição em palco já registrado por qualquer ser humano; e todo o black metal que regeu, com extremo mal-gosto e caras pintadas, parte importante da minha adolescência. Acho muito curioso notar como o frio e o welfare state produz bandas que conseguem ser extremas em suas emoções: alegria, tristeza, satanismo, paixão etc. E, na última sexta-feira, no Audio, tivemos mais uma, belíssima, amostra de toda capacidade performática dos progênitos dos vikings. A MØ (Mô, Mê, Më, Mé, você decide) simplesmente arrebentou.
Cheguei cedo na sexta-feira, graças a uma leitura dinâmica completamente falha de minha parte (amiguinhos, leitura dinâmica não leva a nada). O horário de credenciamento era das 22h30min à meia-noite, mas eu li que era até às 22h30min e cheguei um pouco antes do horário inicial, já meio ansioso por achar que não daria tempo. Olha, deu pra passar bastante tempo ali no Audio até o show começar e, com isso, entender como era a galera que estava indo ali ver a MØ. O público da cantora é formado por quem transita entre o fashionismo e o neo-gótico soy darks com uma pitada de carimbó brasileiro, presente em cores mais tropicais no meio de todo um negrume no vestuário. Era um pessoal muito bem vestido, diferente, quase oposto pelo vértice, a galera que vai, por exemplo, a um show do Felipe Cordeiro. Ambos estão calcados em certa modernidade, mas os admiradores da MØ transitam pela noite cosmopolita de uma Tóquio frenética; os de Felipe, pelo sol e mansidão de cidades litorâneas. Era bonito olhar as pessoas chegando, todas bem arrumadas e ansiosas para o show. Não sei explicar direito, mas parecia haver no show dela certo ar mais libertino do que em muitos que fui. As pessoas pareciam mais soltas ali, num ótimo sentido. Era praticamente um prenúncio de que todos ali se esbaldariam de dançar e cantar. A tensão no ar era grande, quase sexual, pode-se dizer; a ansiedade de todos que chegavam era palpável. Quando o show começou, todas as expectativas foram atendidas. E, muito provavelmente, superadas.
Gente do céu, como a MØ é simpática & vibrante & cativante & legal pra cacete. Tá doido. Ela já entrou no palco toda a mil por hora, com uma trança bem alta prendendo seu cabelo ruivo escuro e vestindo um conjunto de veludo preto com um mini-shorts, que, à luz do show, parecia ora marrom, ora roxo. O jeito da cantora entrar e dançar é muito particular: enquanto pula de um lado para o outro, chega perto da plateia e chama todos para dançarem juntos, seu corpo tem certa falta de malemolência bem malemolente, como se ela fosse um robô aprendendo os primeiros traquejos de uma dança suingada. É meio duro, meio sem jeito, mas é incrivelmente hipnotizante. A energia da cantora também é assustadora, não para quieta no palco um único segundo. Sua voz aguenta cada segundo do show incólume, e olha que ela pede pra falhar: grita, pula, dança, corre, faz absolutamente uma maratona em palco e nada da voz cansar. (Em alguns momentos, quase cogitei um playback, mas isso não veio. E, se foi, fica em mim o grande aprendizado que o filme Peixe Grande nos dá: acredito na versão que melhor me convir. Logo, não foi playback.)
Com um único – e maravilhoso – álbum às costas, a cantora teve tempo de cantar praticamente todas as músicas que a plateia queria, em quase uma hora de show. Teve tempo para cantar “Lean On”, sua parceria com o Major Lazer, e também o maravilhoso cover de “Say You’ll Be There”. Praticamente todas as canções do álbum entraram no set-list (posso estar enganado, talvez meio embriagado – de emoção, risos – no momento, peço perdão, mas não lembro de ter ouvido “XXX 88”). A banda que a acompanhava também era muito boa, completava inclusive esteticamente toda a gestalt produzida pela própria MØ: na bateria eletrônica, um grande surfista californiano, porém nórdico; no sintetizador, a grande pessoa por trás de todas as principais batidas e múltiplas camadas das músicas da cantora era um homem com um jeito mais tímido e contido; no baixo, uma mina muito estilosa com uma roupa assimétrica. E no centro de tudo ela, divando e explodindo em múltiplas emoções, completamente impressionada com a plateia brasileira, que cantava todas as músicas dela de cabo a rabo. Como recompensa pela entrega da plateia, a dinamarquesa se jogou na plateia em certo momento e chegou a subir no camarote e cantou ao lado de fãs completamente enlouquecidas em fazer um mini-karaokê com seu ídolo. Que grande momento. Foi lindo ver as pessoas realmente descrentes de estarem vendo alguém tão entregue às seus fãs como MØ estava ali naquele dia. Ouvi de uma menina, enquanto era tocada “Red In The Grey”, (eu acho, não lembro bem ao certo) que aquela “era a melhor música de todos os tempos da minha vida! E ela está sendo tocada agora!” Foi exagerado? Talvez. Mas ali era o momento para ser exagerado. O dia, a cantora, o show, tudo para poder ser o mais exagerado possível. Tudo certo. Belíssima noite.